DOE 11/06/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
CONTROLADORIA GERAL DE DISCIPLINA DOS ÓRGÃOS
DE SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PENITENCIÁRIO
PORTARIA CGD Nº209-2020 A CONTROLADORA GERAL DE DISCI-
PLINA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 3º, I e IV, c/c o art. 5º,
I e XV, da Lei Complementar nº 98/2011; CONSIDERANDO os fatos cons-
tantes no processo protocolado sob SISPROC nº 2003488531; CONSIDE-
RANDO que no dia 22/04/2020 foi veiculado manifestação em rede social
pelo SD PM 34.996 MÁRCIO WESCLEY OLIVEIRA DOS SANTOS, MF:
309.162-0-4, nos seguintes termos: “CAMILO SANTANA matou mais
policiais em que desgoverno que a COVID19! E conseguiu afundar o estado
em menos de 30 dias, foi mais eficaz que lula em seu plano maléfico! O que
lula não fez em 16 anos com Dilma, Camilo fez em 30 dias”, conforme consta
do Relatório Técnico nº 217/2020, oriundo da COINT/CGD; CONSIDE-
RANDO manifestação do Coordenador da Coordenadoria de Disciplinar
Militar (CODIM) a respeito, com fulcro no disposto no art. 18, do Decreto
nº 33.447/2020, tendo opinado pela viabilidade da instauração de processo
regular em desfavor do Soldado em epígrafe, na medida em que este teria,
em tese, praticado crime militar e transgressão disciplinar (fls. 07/11); CONSI-
DERANDO que de fato a formulação de críticas em desfavor do Governador
do Estado por um militar estadual do serviço ativo repercute sobre a hono-
rabilidade do agente político e dignidade do cargo o qual ocupa, podendo tal
conduta configurar-se em um crime de natureza militar, bem como infração
de caráter administrativo disciplinar, haja vista ofender gravemente a hierar-
quia e a disciplina, pois através da ordenação progressiva e gradual da auto-
ridade, tem-se que o Chefe do Poder Executivo Estadual é o Chefe Supremo
das Corporações Militares do Estado, conforme prescreve o art. 3º da Lei nº
13.407/2003 (Código Disciplinar PM/BM); CONSIDERANDO que os mili-
tares estaduais estão subordinados aos valores fundamentais da hierarquia,
disciplina, profissionalismo, lealdade e constância, segundo o art. 7º, do
referido códex disciplinar, bem como a atuação desses profissionais é balizada
pela hierarquia e a disciplina, que constituem-se em princípios constitucionais,
conforme prescreve o art. 42, § 1º, c/c art. 142, da Constituição da República
Federativa do Brasil (CF/1988), objetivando precipuamente compor a disci-
plina moral na esfera da respectiva Corporação militar, buscando, com isso,
resguardar-lhe o prestígio e serviço eficiente à Sociedade; CONSIDERANDO
que neste contexto, o Código Disciplinar dos Militares Estaduais do Estado
do Ceará prescreve que “a ofensa aos valores e aos deveres vulnera a disciplina
militar, constituindo infração administrativa, penal ou civil, isolada ou cumu-
lativamente” (art. 11), tendo como consequência a possibilidade de respon-
sabilização administrativa ao militar que, por suas decisões e atos que
porventura venha a praticar, deixe de observar ou deixe de cumprir com
retidão os deveres que por lei lhes são imputados, praticando transgressão
disciplinar (art. 11, § 1º); CONSIDERANDO que: “O cidadão que ingressar
na Corporação Militar Estadual, prestará compromisso de honra, no qual
afirmará aceitação consciente das obrigações e dos deveres militares e mani-
festará a sua firme disposição de bem cumpri-los”, conforme prescreve o art.
48 da Lei nº 13.729/2006 (Estatuto dos Militares Estaduais do Ceará), assim,
competindo ao militar estadual, desde o seu ingresso na respectiva Corporação
Militar, cumprir os deveres próprios da atividade que voluntariamente optou
por desempenhar, competindo-lhe a fiel obediência à disciplina castrense, de
acordo com as prescrições legais, conforme ponderou a CODIM em sua
manifestação de assessoramento a esta Controladora Geral de Disciplina,
também advertindo que nesse contexto, “a ofensa aos princípios da disciplina
e da hierarquia pode acarretar a desestabilização e a desregularidade das
relevantes missões constitucionais peculiares às instituições militares estaduais
dispostas no art. 144 da Constituição Federal de 1988” (fls. 09); CONSIDE-
RANDO que é incumbência dos policiais militares a garantia dos Poderes
constituídos no regular desempenho de suas competências, que por esse
motivo lhes são impostas restrições com extremo rigor para sua atuação, em
face dos poderes e amplas responsabilidades que a CF/1988, lhes confere,
conforme depreende-se do art. 2º, I, Estatuto dos Militares Estaduais do Ceará,
bem como do art. 6º, I, do Código Disciplinar PM/BM, que não recaem de
igual modo sobre os civis, conforme a CODIM também consignou em sua
manifestação (fls. 08); CONSIDERANDO que nesta toada, a fim de que
possam cumprir a missão que lhes foi conferida pela CF/1988, no sentido de
preservar a ordem pública e a incolumidade, das pessoas e do patrimônio
(art. 144, caput, CF), a Lei nº 13.407/2003 (Código Disciplinar PM/BM)
estabelece em seu art. 8º uma série de deveres éticos dos integrantes da
caserna, dentre os quais: “IV - servir à comunidade, procurando, no exercício
da suprema missão de preservar a ordem pública e de proteger a pessoa,
promover, sempre, o bem estar comum, dentro da estrita observância das
normas jurídicas e das disposições deste Código; V - atuar com devotamento
ao interesse público, colocando-o acima dos anseios particulares; VI - atuar
de forma disciplinada e disciplinadora, com respeito mútuo a superiores e a
subordinados, e com preocupação para com a integridade física, moral e
psíquica de todos os militares do Estado, inclusive dos agregados, envidando
esforços para bem encaminhar a solução dos problemas surgidos; VIII -
cumprir e fazer cumprir, dentro de suas atribuições legalmente definidas, a
Constituição, as leis e as ordens legais das autoridades competentes, exercendo
suas atividades com responsabilidade, incutindo este senso em seus subor-
dinados; XI - exercer as funções com integridade e equilíbrio, segundo os
princípios que regem a administração pública, não sujeitando o cumprimento
do dever a influências indevidas; XIII - ser fiel na vida militar, cumprindo
os compromissos relacionados às suas atribuições de agente público; XV -
zelar pelo bom nome da Instituição Militar e de seus componentes, aceitando
seus valores e cumprindo seus deveres éticos e legais; XIX - conduzir-se de
modo não subserviente, sem ferir os princípios de hierarquia, disciplina,
respeito e decoro; XXI - abster-se, ainda que na inatividade, do uso das
designações hierárquicas em: c) pronunciamento público a respeito de assunto
militar, salvo os de natureza técnica; XXIII - considerar a verdade, a legali-
dade e a responsabilidade como fundamentos de dignidade pessoal; XXV -
atuar com prudência nas ocorrências militares, evitando exacerbá-las; XXVIII
- não solicitar publicidade ou provocá-lo visando a própria promoção pessoal;
XXXIII - proteger as pessoas, o patrimônio e o meio ambiente com abnegação
e desprendimento pessoal; XXXIV - atuar onde estiver, mesmo não estando
em serviço, para preservar a ordem pública ou prestar socorro, desde que não
exista, naquele momento, força de serviço suficiente”; CONSIDERANDO
que no caso sub examine, a partir dos elementos de prova já coletados, vê-se
que o SD PM 34.996 WESCLEY, MF: 309.162-0-4, em tese pode ter concor-
rido para a prática de ação tida como transgressiva, dando azo a ato de maior
gravidade, por haver descumprida a necessária disciplina e hierarquia militares,
na medida em que, publicamente manifestou-se em desfavor do Governador
do Estado, o qual, segundo prescreve o art. 88, IX, da Constituição do Estado
do Ceará, apresenta-se como Chefe Supremo das Corporações Militares do
Estado; CONSIDERANDO que em casos como o em tela, a priori ter-se-ia
como possível o enquadramento na infração disposta no art. 166 do Código
Penal Militar (CPM), que prevê constituir-se crime militar o fato de “publicar
o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar
publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou
a qualquer resolução do Governo”; CONSIDERANDO que o art. 166 do
CPM foi recepcionado pela CF/1988, conforme já consignado pela Procura-
dora-Geral da República, em parecer exarado pela Exma. Sra. Dra. Raquel
Elias Ferreira Dodge no bojo da ADPF nº 475/DF, ipsis litteris: “ARGUIÇÃO
DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CRIME
MILITAR. ART. 166 DO CPM. PUBLICAÇÃO DE CRÍTICA INDEVIDA
A ATO DE SUPERIOR OU A ASSUNTO ATINENTE À DISCIPLINA
MILITAR. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO.
CARÁTER NÃO ABSOLUTO OU ILIMITADO. REDUÇÃO DO SEU
ÂMBITO DE APLICAÇÃO PARA RESGUARDAR A INTEGRIDADE
DA INSTITUIÇÃO MILITAR E DOS SEUS VETORES CONSTITUCIO-
NAIS ESTRUTURANTES: HIERARQUIA E DISCIPLINA. TIPO PENAL
MILITAR RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. […] 2. A
disciplina e hierarquia são vetores constitucionais estruturantes das institui-
ções militares e conformadores de todas as suas atividades. Não são meros
predicados institucionais, mas verdadeiros pilares que distinguem as organi-
zações militares das demais organizações civis ou sociais. Esse regime jurí-
dico especialíssimo diferencia, em termos de exercício dos direitos individuais,
os militares dos servidores públicos civis e demais cidadãos. Precedentes. 3.
A manifestação pública de crítica a superior hierárquico ou a assunto atinente
à disciplina militar, além de romper com a disciplina e hierarquia, coloca em
descrédito a própria instituição militar. Por tal motivo, é natural uma maior
rigidez para o militar expressar sua opinião acerca de temas atinentes à esfera
castrense. 4. A relação especial de sujeição militar, pautada na disciplina e
na hierarquia, impõe restrições ao pleno exercício das liberdades de expressão
e de informação, que têm o seu âmbito de proteção reduzido para preservar
a integridade da instituição militar. 5. Eventuais abusos no exercício do direito
à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento que impliquem
ruptura com a disciplina e hierarquia militar, e consequente descrédito da
instituição, devem ser examinados caso a caso e não por fórmula generalizada
que reconheça a atipicidade de toda e qualquer conduta baseada na liberdade
de expressão ou de informação. - Parecer pela improcedência do pedido.”;
CONSIDERANDO que o próprio Superior Tribunal Militar (STM), a quem
compete dar a última palavra acerca da interpretação da legislação penal
militar, tem aplicado o art. 166 do CPM, por considerá-lo vigente, sem que
possa se falar em ofensa aos preceitos da CF/88. Neste sentido tem-se os
seguintes precedentes: “PUBLICAÇÃO DE CRÍTICA INDEVIDA.
CONFISSÃO DO ACUSADO. Comprovada a incidência do agente no tipo
previsto no artigo 166 do CPM, que confessou ter veiculado em blog pessoal
e sites da internet matérias com conteúdo crítico a superior hierárquico e à
disciplina da organização militar.” (STM, Apelação nº 0000125-
81.2011.7.03.0203, Rel. Min. Artur Vidigal de Oliveira, Rel. p/ Acórdão
Min. Marcos Martins Torres, j. em 12/06/2013, DJe 06/08/2013), e “CRÍTICA
INDEVIDA (ART. 166, CPM). CRIME DE INSUBORDINAÇÃO. ‘SURSIS’.
VEDAÇÃO LEGAL PARA A CONCESSÃO. 1. Pratica o crime previsto
no art. 166, do CPM, o militar que, livre e conscientemente, dirige críticas
indevidas, sabidamente inverídicas, a seu superior hierárquico, de modo a
ser percebido por indeterminado número de pessoas. ‘Trata-se de ato de
insubordinação e de indisciplina, que não podia deixar de ser punido como
crime previsto no capítulo referente à insubordinação...’ (Sílvio Martins
Teixeira). […].” STM, Apelação nº 1997.01.048033-1, Rel. Min. Sérgio
Xavier Ferolla, j. em 14/05/1998, DJ 17/06/1998); CONSIDERANDO que
independente de ser, em tese, a conduta do Soldado em destaque passível de
punição na seara penal e penal militar, tem-se a possibilidade da configuração
de transgressão disciplinar diante da proibição expressa do Código Disciplinar
PM/BM de manifestação individual sobre ato de superior ou referente a
questão política, conforme preceitua seu art. 8º, § 3º, que diz: “Aos militares
do Estado da ativa são proibidas manifestações coletivas sobre atos de supe-
riores, de caráter reivindicatório e de cunho político-partidário, sujeitando-se
as manifestações de caráter individual aos preceitos deste Código”, sendo
somente permitido ao militar estadual inativo o direito de opinar sobre assunto
político e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo
à matéria pertinente ao interesse público, devendo observar os preceitos da
ética militar e preservar os valores militares em suas manifestações essenciais
(art. 8º, § 4º); CONSIDERANDO portanto, que incide uma maior restrição
sobre as manifestações dos militares da ativa, até porque “a liberdade de
expressão ou de pensamento não possui caráter absoluto e encontra limites
morais e jurídicos que não comportam a abrangência para abrigar manifes-
tações de conteúdo que estimulem a prática de ilícito penal” (STM, Apelação
nº 0000231-55.2015.7.01.0301, Rel. Min. Cleonilson Nicácio Silva, j. em
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº120 | FORTALEZA, 11 DE JUNHO DE 2020
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