DOE 16/06/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
na hipótese vertente, pode ainda se enquadrar como prática de transgressão
disciplinar de natureza grave quando restar demonstrado que atentou contra
os Poderes Constituídos, as instituições, o Estado, os direitos humanos funda-
mentais e forem de natureza desonrosa (art. 12, § 2º, da Lei nº 13.407/2003),
como parece ocorrer no caso em comento; CONSIDERANDO que deve-se
ainda observar que os Militares, por força de previsão constitucional, subme-
tem-se aos valores da hierarquia e da disciplina, sendo estes próprios da
atividade militar (art. 42, § 1º, c/c art. 142, CF), objetivando, com isso,
resguardar o prestígio da instituição a que compõem. Neste contexto, o Código
Disciplinar da Polícia Militar Estadual (Lei nº 13.407/2003) prescreve que
“a ofensa aos valores e aos deveres vulnera a disciplina militar, constituindo
infração administrativa, penal ou civil, isolada ou cumulativamente” (art. 11,
Lei nº 13.407/2003); CONSIDERANDO que especificamente quanto ao
disciplinamento da greve, veja-se que a Constituição Federal, ao tratar do
militar, dispõe ser esta vedada, assim como a sindicalização (art. 142, § 3º,
IV, CF/88); CONSIDERANDO que neste contexto, o Supremo Tribunal
Federal já teve a oportunidade de afirmar que não se faz possível aos servidores
integrantes das carreiras de segurança pública o exercício de greve ante a
especial atividade por eles exercida de proteção da segurança interna, da
ordem pública e da paz social. Sobre o tema, tem-se o seguinte precedente:
“CONSTITUCIONAL. GARANTIA DA SEGURANÇA INTERNA, ORDEM
PÚBLICA E PAZ SOCIAL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DOS
ART. 9º, § 1º, ART. 37, VII, E ART. 144, DA CF. VEDAÇÃO ABSOLUTA
AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE AOS SERVIDORES PÚBLICOS
INTEGRANTES DAS CARREIRAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. 1. A
atividade policial é carreira de Estado imprescindível a manutenção da norma-
lidade democrática, sendo impossível sua complementação ou substituição
pela atividade privada. A carreira policial é o braço armado do Estado, respon-
sável pela garantia da segurança interna, ordem pública e paz social. E o
Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico. A Constituição Federal
não permite. 2. Aparente colisão de direitos. Prevalência do interesse público
e social na manutenção da segurança interna, da ordem pública e da paz social
sobre o interesse individual de determinada categoria de servidores públicos.
Impossibilidade absoluta do exercício do direito de greve às carreiras policiais.
Interpretação teleológica do texto constitucional, em especial dos artigos 9º,
§ 1º, 37, VII e 144. 3. Recurso provido, com afirmação de tese de repercussão
geral: “1 - O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade,
é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem dire-
tamente na área de segurança pública. 2 - É obrigatória a participação do
Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras
de segurança pública, nos termos do art. 165 do Código de Processo Civil,
para vocalização dos interesses da categoria.” (STF, Tribunal Pleno, ARE nº
654.432/GO, Rel. Min. Edson Fachin, Rel. p/ Acórdão Min. Alexandre de
Moraes, j. em 05/04/2017, DJe-114 div. 08-06-2018 pub. 11-06-2018);
CONSIDERANDO o caso sub examine, observando a documentação cons-
tante dos autos, vê-se que a mesma reuniu indícios de materialidade e de
autoria, demonstrando, em tese, a ocorrência de conduta capitulada como
infração disciplinar por parte dos militares acima identificados; CONSIDE-
RANDO que deste modo, em havendo elementos a indicar terem os proces-
sandos praticado atos que possam configurar-se como de exercício de greve,
além de outras condutas transgressivas graves, tais como o crime de “revolta”
(art. 149, p.u., do CPM), de “incitação” (art. 23, da Lei nº 7.170/1983) e de
“incitamento” (art. 155, do CPM), tem-se como devidamente justificada a
instauração de instrumento processual que, na esfera administrativa e sob o
crivo do contraditório, apurará possível irregularidade funcional por eles
praticada; CONSIDERANDO no que tange o mecanismo processual adequado,
deve-se considerar que os atos administrativos devem ser pautados no prin-
cípio da proporcionalidade, o qual “… radica seu conteúdo na noção segundo
o qual deve a sanção disciplinar guardar adequação à falta cometida”, de
modo que “as sanções disciplinares, para que se definam como legais e legí-
timas, devem ser impostas em direta sintonia com o princípio da proporcio-
nalidade. Este assinala que deva haver uma necessária correspondência entre
a transgressão cometida e a pena a ser imposta” (COSTA, José Armando da.
Processo administrativo disciplinar: teoria e prática, 6. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 64-65); CONSIDERANDO que os atos administrativos,
dentre os quais os praticados no âmbito do processo administrativo disciplinar,
são regidos pelo princípio da estrita legalidade (art. 37, caput, CF), o que
corresponde dizer que “a Administração Pública, no exercício de sua potes-
tade, somente poderá fazer aquilo que, por lei, esteja autorizada” (COSTA,
José Armando da. Processo administrativo disciplinar: teoria e prática, 6. ed.,
Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 52), sendo, no caso em exame, a adoção
dos critérios legais constantes no Código Disciplinar Militar Estadual (Lei
nº 13.407/03); CONSIDERANDO que na hipótese presente, a gravidade dos
fatos não viabiliza que sua apuração se dê por meio de sindicância, tendo em
conta a intensa reprovabilidade da manifestação que afronta a necessária
proteção que os agentes da segurança pública devem conferir à sociedade.
Neste contexto, tem-se a prática de conduta atual e concreta que termina por
vulnerar a ordem e a segurança públicas, além de comprometer a paz social.
Assim, a apuração na seara administrativa deve dar-se por meio de processo
regular, cuja incumbência compete a Controladoria Geral de Disciplina (art.
5º, XV, LC nº 98/2011), órgão próprio para apurar atos mais gravosos; CONSI-
DERANDO no que tange ao cabimento da decretação do afastamento preven-
tivo, tem-se que compete ao Controlador-Geral de Disciplina “afastar
preventivamente das funções os servidores integrantes do grupo de atividade
de polícia judiciária, policiais militares, bombeiros militares e agentes peni-
tenciários que estejam submetidos à sindicância ou processo administrativo
disciplinar” (art. 18, caput, LC nº 98/2011); CONSIDERANDO que na espécie,
restaram evidenciados elementos aptos a viabilizar o afastamento dos proces-
sandos das suas funções, nos moldes do art. 18, caput, da Lei Complementar
nº 98/2011, posto que os fatos imputados aos militares constituem-se como
ato incompatível com a função pública, gerando clamor público e tornando
o afastamento necessário à garantia da ordem pública, à instrução regular do
processo, assim como à correta aplicação da sanção disciplinar; CONSIDE-
RANDO que é preciso consignar que a perturbação da ordem pública e social,
acarretada por ações de alguns militares, dentre os quais os ora acusados,
mostraram-se contrários à dignidade da função e terminaram por violar, de
modo notório, os mais básicos ditames da hierarquia e da disciplina, que
regem as forças policias militares, assim como desrespeitaram as instituições
públicas. Com isso, descumpriram vasta gama de normas próprias do regime
disciplinar militar, os quais estão disciplinados na Lei nº 13.407/2003, viabi-
lizando a adoção de medida extrema, sendo esta a decretação do afastamento
preventivo; CONSIDERANDO a previsão contida na Lei Estadual nº 16.039,
de 28 de junho de 2016, que dispõe sobre a criação do Núcleo de Soluções
Consensuais, a qual preconiza ficar a cargo do Controlador Geral de Disciplina,
ou a quem este delegar, a análise de admissibilidade quanto à possibilidade
de cabimento dos mecanismos previstos na Lei, tais como ajustamento de
conduta, mediação e suspensão do processo disciplinar; CONSIDERANDO
que mencionado Diploma Normativo estabelece, em suma, em seu art. 3º e
incisos e art. 4º, prevê a Solução Consensual no âmbito das atividades desen-
volvidas pela CGD, podendo esta ser adotada quando, inexistir: enriquecimento
ilícito; efetiva lesividade ao erário, ao serviço ou aos princípios que regem a
Administração Pública; dolo ou má-fé na conduta do servidor infrator; crime
tipificado em lei quando praticado em detrimento do dever inerente ao cargo
ou função, ou quando o crime for considerando de natureza grave, nos termos
da legislação pertinente, notadamente, os definidos como crimes hediondos
e assemelhados; e conduta atentatória aos direitos humanos fundamentais e
de natureza desonrosa, e que não tenha sido condenado por outra infração
disciplinar nos últimos 5 (cinco) anos; CONSIDERANDO que a conduta
objeto de apuração NÃO preenche, a priori, os pressupostos legais supraci-
tados, de modo que se mostra incabível a submissão do caso sub examine ao
NUSCON; CONSIDERANDO que tais atitudes, em tese, ferem os valores
fundamentais determinantes da moral militar estadual insculpidos no art. 7º,
incisos III, IV, V, VI, VII, e IX, viola os deveres éticos consubstanciados no
art. 8º, caput, incisos IV, V, VI, VIII, IX, XI, XIII, XIV, XV, XVIII, XXIII
e XXVIII, XXXIV e XXXVI, caracterizando transgressões disciplinares, de
acordo com o art. 12, § 1º, incisos I e II, e § 2º, incisos I e III c/c art. 13, §1º
incisos X, XVI, XXVII, XXX, XXXII, XXXIII, XLII, XLIII e LVII, §2º,
incisos VIII, XX, XLIX e LIII, tudo da Lei nº 13.407/2003. RESOLVE: I)
Instaurar CONSELHO DE DISCIPLINA, de acordo com o art. 71, inciso
II, c/c art. 88, do mesmo códex, em desfavor dos policiais militares 2º SGT
PM 19707 - AGNALDO MONTEIRO DE OLIVEIRA – MF: 135.067-1-X
e SD PM 27877 - ANTÔNIO CARLOS ALVES DE CASTRO FILHO
– MF: 305.667-1-8; II) AFASTAR PREVENTIVAMENTE os referidos
militares das suas funções, pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, para o fim
de que fiquem à disposição dos Recursos Humanos a que estiverem vinculados,
órgão este que deverá reter sua identificação funcional, arma, algema e qual-
quer outro instrumento de caráter funcional que esteja em posse dos militares,
remetendo à Controladoria Geral de Disciplina cópia do ato de retenção, por
meio digital, assim como o relatório de suas frequências (art. 18, §3º, LC nº
98/2011). Outrossim, a medida ora deferida tem o condão de suspender o
pagamento de qualquer vantagem financeira de natureza eventual que os
afastados estejam a perceber, assim como ficam suspensas as prerrogativas
funcionais próprias dos policiais militares (art. 18, §2º, LC nº 98/2011); III)
Oficiar ao Comando-Geral da Polícia Militar encaminhando cópia da presente
decisão, para fins de imediato cumprimento do afastamento preventivo acima
referido, nos termos legais, bem como para análise e adoção das medidas de
Polícia Judiciária Militar, haja vista que os fatos justificadores da presente
instauração também podem se configurar ilícito na seara penal militar; IV)
Oficiar ao Ministério Público Federal para que, tomando ciência deste ato
decisório, adote as providências que entenda necessárias, em especial no que
concerne a hipótese de, em tese, haverem elementos a indicar a prática de
crime contra a segurança nacional, na forma da Lei nº 7.170/1983; V) Designar
a 4ª Comissão de Processo Regular Militar, composta pelos Oficiais: TC
QOPM DENIO PRATES FIGUEIREDO, M.F. 111.059-1-2 (Presidente),
MAJ QOPM ALESSANDRO COSTA CAVALCANTE, M.F. 125.198-1-8
(Interrogante), e CAP QOAPM DANIEL GUIMARÃES DE OLIVEIRA,
M.F. 112.554-1-8 (Relator e Escrivão), para instruir o processo regular; VI)
Cientificar os aconselhados e/ou defensor que as decisões da CGD serão
publicadas no Diário Oficial do Estado, em conformidade com o art. 4º, § 2º
do Decreto nº 30.716, de 21 de outubro de 2011, publicado no D.O.E. de 24
de outubro de 2011, alterado pelo Decreto nº 30.824, de 03 de fevereiro de
2012, publicado no D.O.E. de 07/02/2012. CONTROLADORIA GERAL
DE DISCIPLINA – CGD, em Fortaleza/CE, 11 de junho de 2020.
Cândida Maria Torres de Melo Bezerra
CONTROLADORA GERAL DE DISCIPLINA DOS ÓRGÃOS DE
SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PENITENCIÁRIO
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº124 | FORTALEZA, 16 DE JUNHO DE 2020
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