DOE 27/08/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
Felipe Silva Ribeiro foi socorrido pelos policiais, mas veio a falecer no
hospital. Conforme o Exame Cadavérico - PEFOCE registrado sob o nº
637807/2016 (fls. 37), “[…] o projétil que penetrou o corpo fez trajeto de
trás para a frente e de baixo para cima, sendo letal ao atingir o pulmão esquerdo
e veia subclávia esquerda[…]”; CONSIDERANDO que durante a instrução
probatória o Sindicado foi devidamente citado às fls. 73/74 e apresentou sua
Defesa Prévia às fls. 79/80, momento processual em que arrolou 04 (quatro)
testemunhas, as quais foram intimadas pela Autoridade Sindicante e ouvidas
às fls. 103/105, 107/109, 111/112 e 115/117. A Autoridade Sindicante ouviu
em termo de declarações a denunciante, avó da vítima (fls. 92/93), bem como
arrolou e oitivou 01 (uma) testemunha (fls. 94). Em ato contínuo, o acusado
foi interrogado (fls. 122/124) e abriu-se prazo para apresentação da defesa
final; CONSIDERANDO que, em sede de Razões Finais, acostadas às fls.
131/135, a Defesa, em síntese, pugnou pelo reconhecimento da legítima
defesa putativa como fundamentação para afastar a culpabilidade do acusado,
entendendo que não se se podia exigir outra conduta do militar na situação
fática em que se encontrava, in verbis: “[…] o de cujus, após a perseguição
e bater na moto, desceu do carro mirando sua arma em direção aos militares.
Como a moto do raio em que o sindicado se encontrava estava próxima cerca
de 10 metros, não podia se aguardar naquele momento outra atitude se não
atirar [...]”. Ainda como argumento defensório, alegou os princípios da razo-
abilidade e da proporcionalidade como parâmetros para julgar a conduta do
sindicado, requerendo a absolvição do militar e o consequente arquivamento
do procedimento; CONSIDERANDO que a Autoridade Sindicante elaborou
o Relatório Final nº 164/2017 (fls. 136/144), no qual acolheu o posicionamento
da defesa, asserindo, in verbis, que “[...] assiste razão à defensora legal do
militar em afirmar que o sindicado agiu acobertado pela Legítima defesa
putativa, tendo como base os depoimentos acostados aos autos, em torno dos
fatos, havendo concordância entre os termos, bem como foi verificado que
não houve excesso na ação dos policiais que participaram da ocorrência, em
específico, no que se refere à ação do policial militar sindicado, o SD PM
Bruno Jaderson da Silva, este agiu em legítima defesa, fazendo o uso de sua
arma de fogo, efetuando um único disparo na intenção de coibir a ação da
pessoa de Jean Felipe Silva Ribeiro”. Aduziu ainda “[...]que o sindicado ao
desferir o disparo contra o assaltante, este que já se encontrava com arma em
punho, e prestes a realizar disparos contra sindicado e/ou contra seus colegas
de farda, o defendente somente repeliu a ação iminente daquele homem, o
qual foi posteriormente identificado como sendo a pessoa de Jean Felipe
Silva Ribeiro, caracterizando, desta forma, a excludente de ilicitude.”
Concluiu, por fim, com sugestão de arquivamento, sob o entendimento de
“[...] inexistir qualquer prática de transgressão disciplinar por parte do poli-
cial militar SD PM nº 25.864 Bruno Jaderson da Silva, posto que agiu em
legítima defesa própria e de outrem, conforme se vê no Código Disciplinar
dos Militares Estaduais (lei nº 13.407), em seu Art. 34, causa de justificação,
não cabendo aplicação de sanção disciplinar. [...] Porquanto, ação necessária
naquele momento crucial, fazer uso de arma de fogo com o fim de coibir a
ação violenta daquele homem que colocara em risco sua vida própria, a de
seus colegas de farda, bem como a vida de populares que residem naquela
área […]”; CONSIDERANDO que a sugestão da Sindicante foi ratificada
pela Orientação da CESIM (Despacho n° 5326/2017, fls. 145) e homologada
pelo Coordenador da CODIM (Despacho n° 5326/2017, fls. 127). Assim, os
autos foram remetidos à autoridade julgadora, que entendeu por bem devolver
o feito à autoridade sindicante para realização de novas diligências (fls.
147/148); CONSIDERANDO que a sindicante realizou as diligências deter-
minadas, inclusive com a juntada de mídias com cópia do inquérito policial
nº 322-1113/2016 (fls. 156) e inquéritos policiais militares sob as Portarias
nº 004/2016 e nº 009/2017 (fls. 159), bem como procedeu a oitiva de 03 (três)
testemunhas (fls. 166/167, 168/169, 170/171), oportunizando-se, em seguida,
o oferecimento de nova manifestação da defesa, na qual se manteve as argu-
mentações dos memoriais (fls. 131/135), pleiteando novamente o arquivamento
do processo; CONSIDERANDO que a Autoridade Sindicante emitiu novo
parecer, por meio do Relatório Complementar (fls. 180/183), mantendo o
entendimento exarado no Relatório Final nº 164/2017 (fls. 136/144), com
sugestão de arquivamento, in verbis: “ [...] por concluir que o policial militar
SD PM nº 25.864 Bruno Jaderson da Silva, MF nº 304.581-1-7, não transgrediu
disciplinarmente, mas sim, agiu em legítima defesa própria e de outrem,
corroborando com a defesa do sindicado; CONSIDERANDO que a sugestão
da Autoridade Sindicante, empós o cumprimento das novas diligências, foi
objeto de nova análise por parte da Orientação da CESIM (Despacho n°
10.902/2018, fls. 184), que ratificou o parecer nos seguintes termos: “[...]
apesar do resultado morte por intervenção policial, no relatório do IP sob
Portaria nº 322 - 1113/2016 DAI (DVD nas fls. 156) o DPC encarregado
verificou que os policiais relataram que o indivíduo apontou um revólver
contra a composição quando saiu do carro e o disparo efetuado pelo policial
que lesionou a vítima foi um tiro considerado à distância, e no relatório do
IPM sob Portaria nº 009/2017 (DVD nas fls. 159) seu encarregado não indi-
ciou o Sindicado considerando que a ação policial atendeu os itens 2, 3 e 4
do Anexo I da Portaria Interministerial nº 4.226, de 31/12/2010, que estabe-
lece diretrizes sobre o Uso da Força pelos Agentes de Segurança Pública”,
salientando-se ainda que o Coordenador da CODIM (fls. 185) acompanhou
o posicionamento do orientador; CONSIDERANDO que a testemunha Fran-
cisco Edson Alves Barros Filho (fls. 111/112), piloto da motocicleta que
sofreu o abalroamento com o HB 20, após descrever brevemente o acidente,
declarou o seguinte: “Que ao parar aquele carro, o motorista já saiu com arma
em punho, ocasião em que o depoente ao ver aquela pessoa armada, saiu em
desabalada ‘carreira’, para o final da rua, tendo somente retornado para o
local da colisão após o acontecido, ou seja, quando aquela pessoa já estava
alvejada no chão; Que afirma o depoente que somente o motorista estava
naquele carro HB20; Que apesar de o depoente ter saído correndo ao ver
aquela pessoa descer com arma em punho, viu que o motorista do HB20
desceu, já se baixando, com arma em punho, já virando o tronco de seu corpo
para trás, bem como já apontando a arma na direção dos policiais que estavam
nas motos a lhe perseguir; Que ao sair correndo, o depoente viu a chegada
dos policiais do RAIO, mas não sabe precisar quantas eram as motocicletas;
Que o depoente, no afã da ocorrência, delineou que ouviu apenas um disparo,
não viu quem atirou, mas que ao retornar, posto que tinha saído correndo,
viu que o pneu dianteiro do HB20, do lado do passageiro, estava rasgado,
não sabendo dizer se o pneu rasgou por algum disparo ou se pelo fato de ter
passado por cima de sua moto”; CONSIDERANDO que os testemunhos dos
policiais militares (fls. 103/105, 107/109 e 115/117) que atuaram na ocorrência
corroboraram com a versão na qual Jean Felipe Silva Ribeiro teria descido
do veículo com uma arma em punho, bem como relataram ser ele o único
ocupante do automóvel no momento da ação policial; CONSIDERANDO
que as demais testemunhas (fls. 111/112, 166/167, 168/169 e 170/171), por
não terem avistado especificamente o momento em que Jean Felipe Silva
Ribeiro desceu do veículo, não ajudaram a elucidar os pontos relevantes em
torno do objeto da acusação; CONSIDERANDO que a dinâmica dos fatos
extraída das provas testemunhais é consonante com a versão apresentada pelo
sindicado no Auto de Qualificação e Interrogatório (fls. 122/124), isto é, a
intervenção realizada pelo acusado se deu dentro de uma conjuntura fática
de clara perseguição policial, tendo sido o tiro disparado no momento em
que o condutor do automóvel perseguido desceu com uma arma na mão;
CONSIDERANDO que a vítima do roubo do veículo HB 20, tanto em sede
de inquérito policial (fls. 64/65) como durante a instrução da sindicância (fls.
94), afirmou ser Jean Felipe Silva Ribeiro um dos autores do delito, bem
como reconheceu a arma apreendida como sendo a utilizada na ação; CONSI-
DERANDO que tais informações, ao lado da apreensão da arma com muni-
ções deflagradas e da perícia que demonstrou a eficiência de seus mecanismos
(fls. 204/212 do IP 322-1113/2016), conferem forte verossimilhança de que
Jean Felipe Silva Ribeiro oferecia riscos à composição policial e transeuntes,
bem como de ter sido o tiro efetuado no momento em que o condutor do
automóvel perseguido desceu com uma arma na mão; CONSIDERANDO
que a conduta apurada nesta sindicância também foi objeto de análise em
três procedimentos pré-processuais no âmbito da persecução penal, sendo
um inquérito policial (fls. 156 – Mídia) e dois inquéritos policiais militares
(fls. 159 - Mídia), nos quais o militar ora acusado não restou indiciado em
nenhum dos inquéritos, não também havendo informação de oferecimento
de denúncia por parte do ministério público; CONSIDERANDO que o Exame
Cadavérico (fls. 37), ao constatar o ponto onde o projétil penetrou, seu trajeto
e a causa da morte, não constitui prova tarifada, apta, por si só, a formar a
culpa do sindicado, sendo, em verdade, elemento que foi valorado em cotejo
com todo o acervo fático-probatório, à luz do ordenamento jurídico, deven-
do-se, por isso, ser considerada também a possibilidade de a legítima defesa
não ter sido própria, mas de terceiros, é dizer, dos demais policiais e pessoas
ao redor, o que autorizaria o disparo da forma como se deu; CONSIDERANDO
o fato do projétil arremessado da arma do sindicado ter atingido, conforme
o supracitado laudo pericial, o dorso do Jean Felipe Silva Ribeiro, este fato,
embora desperte o interesse disciplinar em apurar a regularidade da conduta,
não pode ser elemento capaz, per si, de afastar a possibilidade de a ação ter
se dado sob a incidência de uma excludente de antijuridicidade. A propósito,
a jurisprudência entende haver uma diferença entre o “tiro pelas costa”, aquele
que torna impossível a defesa pelo ofendido, e o “tiro nas costas”, o qual, a
depender dos elementos do caso concreto, possibilita o reconhecimento de
excludente de ilicitude. À guisa de exemplo, trecho do seguinte julgado: “O
simples fato de o tiro atingir a vítima nas costas, não afasta, por si só, o
reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa, máxime quando
demonstrado, pela dinâmica dos fatos, que o agressor, em situação de fuga,
atira contra os policiais que o perseguem. (RSE 27057/2017, DES. ORLANDO
DE ALMEIDA PERRI, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em
16/05/2017, Publicado no DJE 24/05/2017, do TJ-MT)”; CONSIDERANDO
que a parte final inciso VI do art. 386 do Código de Processo Penal, aplicável
ao processo em curso por força do art. 73 da Lei nº 13.407/03, prevê que a
fundada dúvida sobre uma causa excludente do crime já é suficiente para
impor a absolvição do acusado, ou seja, as excludentes de antijuridicidade,
por afastarem a responsabilização disciplinar, não necessitam ser comprovadas
mediante o mesmo nível de certeza exigido para imposição de sanção, em
consonância com o princípio in dúbio pro servidor, corolário da presunção
de inocência. Todavia, o fundamento da decisão nessa hipótese é o mesmo
de uma absolvição por falta de provas, não se confundindo com o reconhe-
cimento peremptório de uma causa excludente de ilicitude, o que autoriza a
incidência do art. 72, parágrafo único, III, da Lei nº 13.407/03, isto é,
fraqueia-se a possibilidade de reabertura do feito caso surjam novos fatos ou
evidências posteriormente à conclusão dos trabalhos deste procedimento;
CONSIDERANDO, por fim, que o conjunto das provas coligido aos autos
possui vários elementos que apontam no sentido da ação ter se dado acober-
tada pela legítima defesa, os quais infirmam a acusação e impossibilitam
atribuir alguma iregularidade à conduta policial perpetrada pelo sindicado;
CONSIDERANDO que a Autoridade Julgadora, no caso, o Controlador Geral
de Disciplina, acatará o relatório da Autoridade Processante (Sindicante ou
Comissão Processante), salvo quando contrário às provas dos autos, consoante
descrito no Art. 28-A, §4° da Lei Complementar n° 98/2011; RESOLVE,
por todo o exposto: a) Acatar os relatórios de fls. 136/144 e 180/183 e
Absolver o Sindicado SD PM BRUNO JADERSON DA SILVA – M. F.
Nº 304.581-1-7 em relação às acusações constantes na Portaria inicial, com
fundamento na fundada dúvida sobre circunstância excludente da transgressão,
ressalvando a possibilidade de reapreciação do feito, caso surjam novos fatos
ou evidências posteriormente à conclusão dos trabalhos deste procedimento,
conforme prevê o Parágrafo único e inc. III do Art. 72, do Código Disciplinar
da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (Lei
nº 13.407/2003) e, por consequência, arquivar a presente Sindicância em
desfavor do mencionado militar; b) Nos termos do art. 30, caput da Lei
Complementar 98, de 13/06/201, caberá recurso, em face desta decisão no
prazo de 10 (dez) dias corridos, dirigido ao Conselho de Disciplina e Correição
(CODISP/CGD), contados a partir do primeiro dia útil após a data da intimação
pessoal do acusado ou de seu defensor, segundo o que preconiza o Enunciado
n° 01/2019-CGD, publicado no DOE n° 100 de 29/05/2019; c) Decorrido o
prazo recursal ou julgado o recurso, a decisão será encaminhada à Instituição
a que pertença o servidor para o imediato cumprimento da medida imposta;
d) Da decisão proferida pela CGD será expedida comunicação formal deter-
minando o registro na ficha e/ou assentamentos funcionais do servidor. No
caso de aplicação de sanção disciplinar, a autoridade competente determinará
o envio imediato a esta Controladoria Geral de Disciplina da documentação
comprobatória do cumprimento da medida imposta, em consonância com o
disposto no art. 33, §8º, Anexo I do Decreto Estadual nº. 31.797/2015, bem
como no Provimento Recomendatório nº 04/2018 - CGD (publicado no D.O.E.
CE nº 013, de 18/01/2018). PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE E CUMPRA-SE.
CONTROLADORIA GERAL DE DISCIPLINA - CGD, em Fortaleza, 11
de agosto de 2020.
Rodrigo Bona Carneiro
CONTROLADOR GERAL DE DISCIPLINA DOS ÓRGÃOS DE
SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PENITENCIÁRIO
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº188 | FORTALEZA, 27 DE AGOSTO DE 2020
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