DOMFO 18/09/2020 - Diário Oficial do Município de Fortaleza - CE
DIÁRIO OFICIAL DO MUNICÍPIO
FORTALEZA, 18 DE SETEMBRO DE 2020
SEXTA-FEIRA - PÁGINA 61
ções por parte de terceiros: a
família, a sociedade e o Estado.
Proteger a criança e o adoles-
cente, propiciar-lhes as condi-
ções para o seu pleno desen-
volvimento, no seio de uma fa-
mília e de uma comunidade, ou
prestar-lhes cuidados alternati-
vos temporários, quando afas-
tados do convívio com a família
de origem, são, antes de tudo e
na sua essência, para além de
meros atos de generosidade,
beneficência, caridade ou pie-
dade, o cumprimento de deve-
res para com a criança e o ado-
lescente e o exercício da res-
ponsabilidade da família, da so-
ciedade e do Estado. Esta no-
ção traz importantes implica-
ções, especialmente no que se
refere à exigibilidade dos direi-
tos (CNAS; CONANDA, 2006, p.
25).
Embora percebamos um avanço na legislação e
na concepção de infância e adolescência, a cultura menorista e
adultocêntrica ainda persiste e as crianças e adolescentes
negros e pobres moradores de bairros periféricos ainda são
estigmatizadas e são os mais vulneráveis ao risco da violência
letal. No Relatório Final Vida Importa (2016b) ressalta-se que
as crianças e adolescentes oriundos dos bairros periféricos
identificados como os territórios vulneráveis são os que têm
maior probabilidade de serem vitimadas pela violência letal.
Ainda segundo o relatório, a concepção de territórios vulnerá-
veis está associada à ausência de acesso à saúde, habitação e
políticas básicas de educação. Percebe-se que nestes locais
as taxas de homicídios e as taxas de tuberculose são propor-
cionalmente parecidas, evidenciando que a ausência de políti-
cas públicas e o descaso governamental são fatores que colo-
cam a infância e a adolescência vulneráveis à letalidade.
Embora o Brasil tenha dado enfoque às questões
étnico-raciais através da promulgação da Lei nº 12.288, que
criou o Estatuto da Igualdade Racial no ano de 2010 e institu-
cionalizou uma série de iniciativas nos campos da educação,
cultura, esporte, lazer, justiça, saúde, trabalho, moradia, acesso
à terra, segurança e comunicação, pelos direitos dos negros e
negras, a atual condição de miserabilidade econômica e de
invisibilidade sofrida pelos negros ainda é reveladora do reflexo
de uma violência real e simbólica, da discriminação racial, por
vezes velada, pela qual sofrem diariamente milhares de pesso-
as negras no país, incluindo crianças e adolescentes.
Neste sentido, abordar a proteção integral aos
direitos de crianças e adolescentes compreende também reali-
zá-lo sob o enfoque da igualdade racial e dos direitos huma-
nos. Portanto, é urgente ressignificar a concepção de universa-
lidade dos direitos humanos contida na Declaração Universal
dos Direitos Humanos15 para que esta universalidade ressigni-
ficada seja capaz de contemplar a proteção de categorias vul-
neráveis, tais como as crianças e adolescentes negros, defici-
entes, homossexuais, entre outros. O grande desafio aqui es-
tabelecido foi pensar de que forma seria possível proteger os
direitos humanos de crianças e adolescentes negros, que, por
sua dupla condição de vulnerabilidade, acabam sendo alijados
dos seus direitos e liberdades fundamentais.
Nesse contexto de diversas violações ressalta-
mos ainda a necessidade de conhecermos o conceito de Segu-
rança Pública. É fundamental saber que a segurança é um
direito básico de todos os brasileiros expresso no artigo 5º da
Constituição Federal (1988)16: “todos somos iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilida-
de do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade”. A segurança é proporcionada pelo Estado por
meio de:
a) Um conjunto de normas que
determinam o que é permitido e
o que é proibido (as leis);
b) Políticas públicas que bus-
cam promover os direitos dos
cidadãos com equidade, igual-
dade e oportunidades, além de
prevenir atos violentos e man-
ter a convivência harmoniosa
na sociedade (programas, pro-
jetos e ações do governo fede-
ral, estaduais e municipais)
(BRASIL, 1988).
11 Código de Menores Mello Mattos – Decreto 17.943-a /1927,
primeira lei dedicada à proteção da infância e adolescência no
país. “Art. 1º - O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou
delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será subme-
tido pela autoridade competente às medidas de assistencia e
proteção”. (sic).
12 Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) –
Lei Federal nº 4513/1964, criada para incorporar o patrimônio e
as atribuições do serviço de assistência a menores, e dar ou-
tras providências.
13 Proteção Integral – Doutrina adotada pelo Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente (ECA) e que assenta-se em três princí-
pios: a) Criança e adolescente como sujeitos de direito – dei-
xam de ser objetos passivos para se tornarem titulares de direi-
tos; b) Destinatários de absoluta prioridade; c) Respeitando a
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
14 Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito
de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comuni-
tária (2006) – Documento apresentado pelo Conselho Nacional
dos Direitos das Crianças e Adolescentes (CONANDA) e pelo
Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) que trata do
reordenamento dos abrigos, reorienta as instituições de aco-
lhimento, coloca a família como centro das ações de abriga-
mento e concebe a criança e o adolescente como integrantes
do seu contexto familiar e comunitário.
15 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) – Docu-
mento Aprovado na Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas para a garantia do respeito universal e efetivo
dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.
16 Constituição da República Federativa do Brasil (1988) – Lei
fundamental e suprema do Brasil, servindo de parâmetro de
validade a todas as demais espécies normativas, situando-se
no topo do ordenamento jurídico.
2. MARCO LEGAL
A doutrina da proteção integral foi assegurada no
Brasil somente com a promulgação da Constituição Federal
aprovada na Assembleia Constituinte de 1988 e regulamentada
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. Os
referidos marcos normativos relacionam-se em âmbito local
com diversos processos políticos e sociais pelos quais passa-
ram o Brasil após os anos de ditadura militar, e, internacional-
mente, com as legislações que foram implementadas e agre-
gadas ao sistema global de direitos humanos após a Segunda
Guerra Mundial.
Para dar materialidade aos direitos adquiridos
neste processo cabe ao poder público, à sociedade e à família
construírem ações que visem contribuir para a proteção da vida
de crianças e adolescentes, como proposto pelo artigo 227 da
Constituição Federal (1988) e pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).
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