DOMFO 18/09/2020 - Diário Oficial do Município de Fortaleza - CE
DIÁRIO OFICIAL DO MUNICÍPIO
FORTALEZA, 18 DE SETEMBRO DE 2020
SEXTA-FEIRA - PÁGINA 60
Vida Importa7 (2016b) colocam o município como espaço de
risco letal para a infância e adolescência. Essa triste marca é
sentida na pele pelos adolescentes cearenses, em especial os
residentes nos bairros periféricos da cidade de Fortaleza. Em
2019, de acordo com os dados da Secretaria de Segurança
Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), o estado registrou
841 adolescentes e jovens, de 12 a 24 anos, vítimas da violên-
cia letal, sendo 266 destes casos ocorridos em Fortaleza, sen-
do que 86 das vítimas eram do sexo feminino. Neste grave
contexto de violação nasceu o Plano Municipal de Enfrenta-
mento à Letalidade de Adolescentes, uma iniciativa que mobili-
zou diversos atores sociais e garantiu o planejamento de estra-
tégias conjuntas para a proteção integral de adolescentes vul-
neráveis e expostos ao risco da violência letal.
O presente Plano prevê sua execução num prazo
de cinco anos a contar a partir da data de sua aprovação, tem-
po estimado como possível para ampliar, articular e integrar as
diversas políticas, programas, projetos, serviços, ações e mobi-
lizar operadores do SGD8 – Sistema de Garantias de Direito da
Infância e Adolescência – para a efetivação dos direitos fun-
damentais preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adoles-
cente (ECA)9, em especial o direito à vida e a consequente
redução dos índices de homicídios na adolescência na cidade
de Fortaleza.
Percebendo que as mortes letais de crianças e
adolescentes têm como lugar privilegiado o espaço público
(praças, ruas e logradouros), destacamos que o referido Plano
se inaugura no fortalecimento do direito à convivência familiar e
comunitária por compreendermos que este documento não
trata somente da proposição de ações de proteção ao direito à
vida, mas também da implementação e ampliação de espaços
de convivência familiar e comunitária nas comunidades, pois
reduzir violências não significa somente a redução dos índices
de homicídios, mas também incidir nas diversas outras viola-
ções que vitimizam crianças e adolescentes, sendo homicídio a
última e mais grave delas. Para seu enfrentamento faz-se ne-
cessária a implementação de ações preventivas, de proteção e
promoção de direitos.
Neste Plano apresentamos medidas pensadas
na perspectiva da busca da diminuição dos índices de homicí-
dios na adolescência na cidade de Fortaleza a partir da garan-
tia de seus direitos fundamentais e do cumprimento daquilo
que promulga os principais marcos legais dos Direitos Huma-
nos10 sobre o tema.
4 Fórum Permanente de ONGs de Defesa de Direitos de Crian-
ça e Adolescente do Ceará (Fórum DCA) – Rede que articula
organizações da sociedade civil para a promoção, defesa e
controle social dos direitos de crianças e adolescentes no esta-
do do Ceará.
5 Visão Mundial Brasil – Organização cristã de desenvolvimento
e resposta às situações de emergência atuante no país desde
1975 através de programas e projetos nas áreas de proteção,
educação, advocacy e emergência, priorizando crianças e
adolescentes que vivem em situações de vulnerabilidades
diversas.
6 Conselho Nova Vida (CONVIDA) – Organização filantrópica,
de caráter cultural, assistência social de proteção básica, pro-
teção especial de média complexidade, assessoramento, defe-
sa e garantias de direitos, sem fins lucrativos, fundado em 2001
para atuar na cidade de Fortaleza.
7 Relatório Final Cada Vida Importa (2016) – Diagnóstico da
pesquisa realizada para investigar as trajetórias de vida dos
adolescentes assassinados no ano de 2015 em sete cidades
cearenses (Fortaleza, Juazeiro do Norte, Sobral, Maracanaú,
Caucaia, Horizonte e Eusébio), elaborado e publicado pelo
Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adoles-
cência da Assembleia Legislativa do estado do Ceará.
8 Sistema de Garantia de Direitos (SGD) – Sistema consolidado
a partir da resolução nº 113 do Conselho Nacional da dos Direi-
tos da Criança e do Adolescente, formado pela integração e a
articulação entre o Estado, as famílias e a sociedade civil para
a efetivação dos direitos preconizados no Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA).
9 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei Federal nº
8.069/1990, que cria condições de exigibilidade para a garantia
dos direitos das crianças e adolescentes previstos no artigo
227 da Constituição Federal de 1988.
10 Declaração Universal dos Direitos da Criança (ONU – 1959),
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da
Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing – 1985),
Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança (ONU –
1989), Constituição Federal da República Federativa do Brasil
(1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Plano
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crian-
ças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária
(2006).
1. MARCO CONCEITUAL
Para compreender o fenômeno da Letalidade na
adolescência faz-se necessário compreender as categorias de
infância, adolescência, territórios vulneráveis e segurança pú-
blica. Segundo Ariès (2006 apud FEITOSA; SILVA, 2014, p.
04), até o século XVIII a criança não era reconhecida como um
sujeito que possuía peculiaridades que a diferenciavam dos
adultos, elas eram tidas como “adultos em miniatura”.
De acordo com Mary Del Priore (1991), a con-
cepção de infância da burguesia, infância indígena e infância
negra no Brasil são completamente diferentes; enquanto a
primeira era motivo de preocupação e investimento, as outras
duas eram tratadas como mercadoria de compra e venda. Após
a abolição da escravatura as crianças negras passaram a habi-
tar as ruas e o olhar para as mesmas foi se alterando de acor-
do com o momento sociopolítico. No Império elas eram invisí-
veis e na Primeira República as crianças e adolescentes po-
bres que viviam nas ruas buscando completar o seu sustento
eram chamados de “menores” e inicialmente foram objetos da
filantropia.
A presença destas crianças e adolescentes no
espaço da rua e a realização de pequenos furtos passaram a
incomodar a burguesia no período republicano e esses passa-
ram de objeto da filantropia para a marginalização. A partir de
então percebe-se uma dicotomia do conceito de criança de
acordo com as classes sociais que pertenciam: as ricas eram
puras e dignas de proteção, e as pobres, principalmente as
negras, tornaram-se os “menores”, que “incomodavam” a soci-
edade com seus pequenos delitos. Foi ainda na República que
nasceu o Códigos de Menores Mello Mattos11, legislando ape-
nas para os pequenos infratores, que implementou programas
como as FUNABEMs12 com o objetivo de higienizar as cidades
dos “menores” que andavam nas ruas “perturbando” a socieda-
de.
Nos anos 90, com o surgimento do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), o conceito de infância e ado-
lescência mudou e no Brasil passou-se a considerá-los como
sujeitos de direito. A doutrina da Proteção Integral13 definiu a
criança e o adolescente como seres em desenvolvimento que
necessitavam de prioridade absoluta nas formulações das
políticas públicas. A palavra “sujeito” traduz a concepção da
criança e do adolescente como indivíduos autônomos e ínte-
gros, dotados de personalidade e vontade próprias que, na sua
relação com o adulto, não podem ser tratados como seres
passivos, subalternos ou meros “objetos”, devendo participar
das decisões que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e consi-
derados em conformidade com suas capacidades e grau de
desenvolvimento. O Plano Nacional de Promoção, Proteção e
Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária (2006)14 lembra-nos que:
O fato de terem direitos significa
que são beneficiários de obriga-
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