DOMFO 18/09/2020 - Diário Oficial do Município de Fortaleza - CE
DIÁRIO OFICIAL DO MUNICÍPIO
FORTALEZA, 18 DE SETEMBRO DE 2020
SEXTA-FEIRA - PÁGINA 62
Dessa forma, o ordenamento ju-
rídico brasileiro rompeu com os
antigos paradigmas do meno-
rismo – ideia que cindia a coleti-
vidade de crianças e adolescen-
tes em dois grupos distintos (os
que estavam em situação regu-
lar e os que estavam em situa-
ção irregular) –, adotando em
seu sistema o princípio da pro-
teção integral. Para este novo
ideário, todas as crianças e ado-
lescentes são consideradas ago-
ra como sujeitos de direitos, in-
dependentemente de suas con-
dições econômicas, sociais ou
familiares
(VOLPI;
SARAIVA,
1998).
Não obstante o pioneirismo brasileiro no campo
legislativo, nota-se as dificuldades do Estado – nos seus mais
diversos âmbitos – na efetivação destes direitos por meio de
políticas públicas efetivas, definidas por uma visível contradi-
ção: por um lado os avanços dos direitos fundamentais de
crianças e adolescentes, marcados pela valorização do direito
à vida em sua mais ampla concepção. Em contrapartida, visua-
liza-se um processo nacional de criminalização da adolescên-
cia negra e pobre, culminando num quadro de ampla vitimiza-
ção fatal de adolescentes.
A garantia dos direitos fundamentais de crianças
e adolescentes se apresentam como vitais fatores de proteção
de modo que jovens que vivem em ambientes de cuidado ten-
dem a ter maior capacidade de aprendizado, maior facilidade
para a construção de vínculos saudáveis de sociabilidade. Por
isso mostra-se cada vez mais urgente o fortalecimento do Sis-
tema de Garantia de Direitos (SGD)17 para que este possa
garantir com efetividade uma vida digna para as crianças e
adolescentes de nosso país.
3. MARCO SITUACIONAL
No Brasil, a letalidade de adolescentes e jovens
é um grave problema. Segundo o estudo Atlas da Violência
2019, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2017,
51,8% das mortes de jovens de 15 a 19 anos foram causadas
por homicídios, o perfil social das vítimas foi, sobretudo, de
jovens negros, pobres e moradores de periferias urbanas. Os
dados ressaltam ainda que a taxa nacional de homicídios jo-
vens é de 69,9 por 100 mil habitantes da faixa etária de 15 a 29
anos.
Apesar de não concentrar a maior densidade
populacional do Brasil, é na região Nordeste que se registra os
maiores índices de homicídios contra adolescentes. Um exem-
plo deste fenômeno pode ser evidenciado nas taxas de homicí-
dios por grupo de 100 mil, em 2017, no qual se verificou que os
três estados com maiores taxas são da região Nordeste. Desta
relação, o Ceará ocupa a segunda colocação com uma taxa de
140,2, ficando atrás apenas do Rio Grande do Norte, com
152,3.
Em 2017, Fortaleza, ocupou o 16º lugar no ran-
king dos 20 municípios brasileiros com maiores índices de
homicídios de meninos e meninas entre 10 e 19 anos (Mapa da
Violência, 2017). Quase a metade dos homicídios de adoles-
centes na cidade de Fortaleza esteve concentrada em apenas
19 bairros dos 119 que compõem o município, localizados nas
regiões da Barra do Ceará, Grande Bom Jardim e Jangurussu,
respectivamente, regionais administrativas de Fortaleza I, V e
VI, segundo o levantamento realizado pelo Comitê Cearense
Pela Prevenção aos Homicídios na Adolescência (CCPHA).
Novamente, destaca-se o recorte da segregação socioespacial
da cidade no mapa da violência na capital.
Em 2019, de acordo com os dados da Secretaria
de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), o
estado registrou 841 adolescentes e jovens, de 12 a 24 anos,
que foram vítimas da violência letal, sendo 266 destes casos
ocorridos em Fortaleza e 86 das vítimas eram do sexo femini-
no. Segundo o Relatório de Atividades 2018.2Cada Vida Impor-
ta (2018), do Comitê Cearense de Prevenção de Homicídios na
Adolescência, enquanto o número de assassinatos de meninos
diminuiu, o número de vítimas do sexo feminino aumentou
significativamente. Os dados apontam para uma possível mu-
dança na lógica do sistema organizacional e da economia do
crime organizado no estado com a inclusão do gênero feminino
e refletem um fenômeno social sem precedentes de incorpora-
ção de adolescentes e de jovens na economia do crime e de
re-territorialização do crime organizado no Ceará.
A partir do relatório é possível perceber também
uma tendência discreta no deslocamento de faixa etária. Ocor-
reram variações bruscas no número de homicídios de vítimas
com idades entre 15 e 19 anos nos últimos três anos; por outro
lado, não houve padrão similar na faixa dos mais novos, em
que o número de vítimas que tinha menos de 15 anos na data
de seu assassinato praticamente triplicou, em um fenômeno
que alguns denominam “infantilização” dos homicídios. Houve
um incremento de 83% de homicídios de jovens na faixa etária
de 15 a 19 anos em comparação ao acréscimo de quase 300%
na faixa etária de 10 a 14 anos, ocorridos na escalada da vio-
lência letal observada na transição de 2016 para 2017. Por
outro lado, o declínio das mortes dos jovens na faixa mais
elevada não foi acompanhado de movimento análogo no grupo
etário de 10 a 14 anos. Outra variável importante do relatório é
que adolescentes estão sendo mortos antes de atingirem o
ensino médio. Apesar da grande maioria das vítimas ter 15
anos ou mais, 85% foram assassinadas quando ainda cursa-
vam o ensino fundamental e já deveriam ter avançado para o
médio, comprovando o déficit do sistema educacional na cida-
de e no estado.
No Relatório de Atividades 2018.2Cada Vida
Importa pode-se observar ainda que os maiores índices de
homicídios por localidade dão conta de que os adolescentes e
jovens moradores dos bairros de menor IDH foram os mais
vitimados em 2018, e lembra-nos que os níveis de violência
atual dificilmente se reduzirão de maneira sustentável sem
amplas intervenções intersetoriais de redução da pobreza e da
desigualdade. O quadro situacional que temos é de assassina-
tos acontecendo em faixas etárias cada vez menores, com
aumento gradual da violência contra meninas, vítimas que
vivem em áreas precárias e que abandonaram a escola ou não
conseguiram chegar vivas ao ensino médio.
O cenário dos homicídios de adolescentes não é
observado no primeiro semestre de 2020. As estatísticas da
SSPDS apresentam que em apenas seis meses o Ceará regis-
trou que 940 adolescentes e jovens, de 12 a 24 anos, tiveram
suas vidas interrompidas. Deste total, 314 ocorreram no muni-
cípio de Fortaleza e 74 vítimas eram do sexo feminino. O nú-
mero de casos de janeiro a junho de 2020 já representa 112%
de todas as ocorrências de 2019.
4. OBJETIVOS
Objetivo Geral:
Ampliar, articular e integrar as diversas políticas, programas,
projetos, serviços, ações e atores do SGD para a garantia do
direito à vida e do desenvolvimento integral de crianças e ado-
lescentes no município de Fortaleza-CE.
Objetivos Específicos:
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