DOMFO 18/09/2020 - Diário Oficial do Município de Fortaleza - CE
DIÁRIO OFICIAL DO MUNICÍPIO
FORTALEZA, 18 DE SETEMBRO DE 2020
SEXTA-FEIRA - PÁGINA 64
As propostas operacionais deste plano foram
organizadas em seis eixos estratégicos e articulados entre si:
1) Uso precoce de drogas lícitas e ilícitas;
2) Modelo comunitário de Segurança Pública;
3) Sistema Socioeducativo;
4) Evasão/Abandono escolar;
5) Convivência Familiar e Comunitária;
6) Mídias e a construção da imagem do adolescente na perife-
ria.
Neste capítulo apresentaremos os textos bases que orientaram
as discussões nos grupos de trabalho durante o Seminário
realizado em Fortaleza. No capítulo seguinte apresentaremos
os planos de ações construídas para cada eixo.
EIXO 1 – USO PRECOCE DE DROGAS LÍCITAS E ILÍCITAS
O Núcleo de Estudos sobre Drogas (NUCED –
UFC)21 foi convidado a articular o I Seminário Municipal sobre
Letalidade na Adolescência, compondo o GT22 Uso precoce de
drogas lícitas e ilícitas. O objetivo principal deste grupo de
trabalho foi elaborar de forma coletiva, colaborativa e participa-
tiva ações de prevenção ao uso precoce de drogas lícitas e
ilícitas para composição do eixo 1 do Plano Municipal de En-
frentamento à Letalidade na Adolescência, pautadas em pro-
postas que não se apoiem ou concentrem em ações proibicio-
nistas, que direcionam as intervenções ao objeto droga e aos
contextos tidos como “perigosos” e associados aos usos, prin-
cipalmente de drogas ilícitas, compreendendo que a discussão
da redução de danos é uma política ampla e que dialoga com o
fomento da autonomia e do respeito às pessoas que fazem uso
de drogas lícitas e ilícitas.
Neste eixo o trabalho é sustentado por uma ética
que direciona as discussões de modo a pensar os contextos ou
as pessoas em suas especificidades. Entendendo que há a
necessidade de possibilidades de abertura para argumentar,
para pensar proposições que se alinhem às nossas práticas, às
dificuldades do cotidiano e à multiplicidade de variáveis que
dizem respeito ao cenário do uso de substâncias lícitas ou
ilícitas, sendo esse uso precoce ou não. Além do que, conside-
ramos que levantar uma discussão sobre as políticas e pesqui-
sas recentes é extremamente necessário, ressaltando a impor-
tância de espaços democráticos em sua criação para se alcan-
çar discussões sobre os fatores que estão implicados na vio-
lência letal contra adolescentes em Fortaleza.
De acordo com Araújo (2014), partimos da con-
cepção de que drogas são substâncias capazes de alterar o
funcionamento usual de um organismo como os gregos antigos
que utilizavam “pharmakon”, que se refere a uma substância
que pode ter efeitos benéficos ou maléficos, dependendo do
seu uso. Essa concepção coloca, no mesmo patamar, drogas
lícitas e ilícitas. Assim, não há uma essência apriorística de
substâncias que determinará os efeitos e as atitudes de alguém
numa relação causa-efeito. Faz-se importante ampliarmos a
concepção de drogas para além de suas químicas, pensando,
por exemplo, nas diversas relações que constituem a vida de
uma pessoa.
O uso de drogas sempre foi presente na historio-
grafia humana. Utilizada para as mais diversas finalidades, o
uso de álcool e outras drogas ganhou status ou valores diferen-
tes de acordo com culturas e critérios adotados pelos grupos
que delas faziam e fazem uso. Alguns fatores demarcaram a
eleição do consumo de drogas como um problema a ser pen-
sado e tratado, sendo alguns deles os processos de expansão
e industrialização e o desenvolvimento econômico do modo de
produção capitalista. Desses atravessamentos algumas conse-
quências se deram, como a propagação do comércio e do
tráfico de drogas.
Enxergamos a proibição como uma política falha
sustentada numa falsa possibilidade de “abolir uma droga e
todos os hábitos relacionados a ela” (RODRIGUES, 2008).
Além de criar um mercado ilícito, a proibição coloca as drogas
no lugar de produtos sob os quais não se tem conhecimento ou
garantias de qualidade em relação aos processos de fabrica-
ção. A proposta proibicionista também promove um contexto
que favorece a naturalização dos mais variados tipos de violên-
cia justificados pela desculpa do combate às substâncias. Ro-
drigues (2005) coloca que o tráfico é mais uma faceta cruel
criada pelo mercado que se interessa em manter o lucro, fa-
zendo com que a prisão se constitua muitas vezes no próprio
território do traficante, erguendo-se cada vez mais muros invi-
síveis e visíveis que garantem um distanciamento e uma falsa
proteção.
Trabalhamos com a noção de cuidado em liber-
dade. Assim, quando falamos em Redução de Danos aponta-
mos para uma política de cuidado que se baseia, principalmen-
te, na autonomia e no respeito às pessoas que fazem uso res-
ponsável ou irresponsável de drogas, e que de algum modo
sofrem com isso, entendendo que elas podem querer parar de
usá-las ou não. Assim, consiste em práticas e estratégias de
cuidado elaboradas conjuntamente de acordo com os contex-
tos de uso, tentando dar conta de minimizar os riscos e tornar o
uso mais seguro para aqueles que assim desejarem. Reafir-
mamos a redução de danos como uma política de cuidado
ampla, que inclui estratégias que minimizem também os danos
sociais, garantindo condições para que as pessoas possam
cuidar de si, tais como informação e acesso aos equipamentos
de cuidado, bem como espaços livres para dialogar.
A proposta deste GT é pensar como o uso pre-
coce de substâncias lícitas e ilícitas se relaciona às mortes de
adolescentes no município de Fortaleza. Quais os cenários a
partir dos quais isso se compõe? Quais as políticas de enfren-
tamento que já temos e quais ainda estão por ser elaboradas?
Somos convocados a compreender esses usos
considerando de modo enfático os marcadores que vão atra-
vessar esses jovens associados a estigmas relacionados às
políticas de “segurança” que se traduzem como ações violentas
contra eles.
Diante de todas essas situações relacionadas
aos usos de drogas, precisamos nos deter em uma categoria
específica como a juventude/adolescência. A adolescência é
um período marcado por muitas perdas e transformações que
têm como pontos centrais questões que atravessam a identida-
de e a organização corporal. Tais mudanças se expressam
num corpo que passa a assumir um lugar estranho. Essas
novas sensações e contornos acabam por expor o sujeito ao
desafio de, no limite de um conflito com a própria imagem,
manter certa continuidade.
Entendendo a adolescência como um momento
de ruptura que provoca estranhamento tanto no sujeito quanto
nos vários outros personagens que estão ao seu redor, é ne-
cessário pensar a experiência com as drogas como possibilida-
de de exploração desse campo de novidade que o adolescente
habita, entendendo que esses usos se dão no entorno de uma
rede de relações variadas.
EIXO 2 – MODELO COMUNITÁRIO DE SEGURANÇA
PÚBLICA
A Segurança Pública no Brasil sempre foi um
tema discutido sob a ótica da esfera estadual e federal. Segun-
do Perrenoud (2007),o recrudescimento da violência urbana
passou a incluir nas pautas municipais ações diretas de respos-
tas a este tema. O sistema de segurança pública é extrema-
mente complexo e envolve a ação direta e indireta de vários
níveis de administração pública, exigindo um entrosamento que
é dificultado por diferenças políticas, corporativismos e interfe-
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