DOE 29/09/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
Não se vislumbra no caso sub examine requisitos robustos que alicercem a
pronúncia dos acusados, tendo em vista não restar configurada a materialidade
de conduta delitiva. Afastado, portanto, o animus necandi, exaure-se, como
consequência, a competência deste juízo, que é própria dos crimes dolosos
contra a vida e crimes conexos. […] Diante do exposto, desaparecendo a
imputação de crime doloso contra a vida, desaparece também a competência
do tribunal popular para julgamento da infração. Por todo o exposto, hei por
bem determinar sejam os presentes autos encaminhados ao setor de distribuição
para que sejam redistribuídos a uma das varas criminais comuns, vez que
existem veementes indícios da práticas de crimes diversos dos dolosos conta
a vida, juízo competente para apreciar e julgar os feitos [...]”; CONSIDE-
RANDO que o Ministério Público se manifestou da seguinte forma em relação
à referida Sentença (fls. 364/371): “[…] Efetivamente, não se pode arguir
que houve tentativa de homicídio qualificado contra o Inspetor de Polícia
Civil [...], por haver dúvidas por parte da própria vítima e dos demais compa-
nheiros de equipe sobre a existência ou não de animus necandi dos réus. Por
outro lado, é fato inconteste que os réus cometeram, em concurso de desígnios,
crime de resistência (art. 329, CP), eis que, diante de uma ordem de parada,
puseram o veículo em direção ao referido policial e apenas não o atropelaram
porque este veio a sair da trajetória do carro. Nesse sentido, ao empreender
fuga, os acusados opuseram-se à execução de ato legal (ordem de parada para
abordagem) mediante violência a funcionário público competente para execu-
tá-lo. Resta, pois, patente a consumação do delito de resistência por parte dos
acusados (art. 329, CP c/c art. 29, CP). Além disso, as provas coligidas aos
autos da Ação Penal sub oculi não permitem inferir que os acusados vieram
a perpetrar o crime de extorsão majorada pelo concurso de agentes e pelo
uso de arma de fogo e qualificada pela restrição de liberdade da vítima (art.
158, §1º e §3º do CP). Não restou demonstrado na instrução processual o
cometimento do crime de extorsão pelos acusados, impossibilitando ao Minis-
tério Público pedido de condenação por esse delito, eis que a versão da vítima
prestada perante a autoridade policial que lavrou o procedimento pré proces-
sual diverge substancialmente das declarações que o inquirido prestou no
curso da instrução processual. É digno registrar que a suposta vítima [...]
prestou esclarecimentos, em audiência, no sentido de inferir que não foi
extorquido. […] Demais disso, em ocasião das prisões em flagrante, os denun-
ciados foram encontrados portando sessenta e quatro munições para armas
de calibre .40, sem especificar a origem de tais munições tampouco demons-
trar a legalidade da posse dessas munições que, diga-se de passagem, é de
uso restrito e pouco utilizada pela Polícia do Estado do Ceará (cf. fls. 81/84
e cf. Relatório Final de Indiciamento) [...]”. Por fim requereu condenação do
SD PM RAFAEL FERREIRA LIMA e dos policiais civis Wilson Costa
Nogueira Neto e José Victor Lourenço Araújo pelos crimes de resistência e
de porte ilegal de munição de uso restrito, todos em concurso material e em
concurso de pessoas; CONSIDERANDO que, ademais, às fls. 375/382,
encontra-se cópia da Sentença oriunda da 4ª Vara Criminal da Comarca de
Fortaleza, processo nº 0179745-36.2016.8.06.0001, com a seguinte decisão:
“[…] A bem do que se viu compilado no percurso de toda a instrução proces-
sual, assim considerada desde o inquérito policial até o final daquela encar-
regada a este Juízo, sobressai-me serena a conclusão de que não existem
provas suficientes a evidenciar sobre a materialidade do ilícito extorsivo
imputado em detrimento dos acusados Wilson Costa Nogueira Neto, José
Victor Lourenço Araújo e Rafael Lima Ferreira. Neste viés, resta perceptível
dúvida fulcral sobre materialidade e autoria do fato criminoso objeto da
acusatória, considerando-se neste sentir que a pretensa vítima, [...] preferiu
declinar integralmente da versão que havia referido no âmbito da instrução
administrativa (v. IP, fls. 27/31), segundo a qual os agentes de segurança ora
denunciados, cientes de que o alvo respondia a processo criminal por tráfico
de drogas e de que um irmão deste último já se encontrava preso por prática
semelhante, passaram a achacá-lo a fim de que não fosse novamente condu-
zido à Distrital, ajustando-se o preço da propina em R$ 20.000,00 (vinte mil
reais). Pari passu, aliando-se à retratação do vitimado, vê-se ainda a peremp-
tória negativa de autoria dos acusados, de forma que a instrumentalização da
instrução processante não dispôs de meios aptos à formatação de um conven-
cimento seguro para o acolhimento da acusatória inaugural. Em verdade,
diante deste cenário, fértil a incertezas e imprecisões, resta-me justo e adequado
inclinar aquiescência serena ao protesto de absolvição elevado em sede de
memoriais pela defesa dos jurisdicionados e pelo próprio dominus litis da
ação penal. Dos crimes de ‘porte ilegal de munições de uso restrito’ e de
‘resistência’: atipicidade penal da conduta; agentes de segurança pública com
autorização para porte de armas, munições e acessórios (de usos permitido
e restrito) em exercício funcional ou fora dele; reação a investida não osten-
siva da Divisão de Assuntos Internos (DAI); impossibilidade para a identi-
ficação dos agentes públicos contendores dos acusados; CPP, art. 386, incs.
III e VII; absolvição. Passando aos delitos subjacentes, sobressai-me por uma
vez mais adequada a absolvição dos jurisdicionados em razão de ambos os
tipos ‘porte ilegal de munições’ e ‘resistência’, em face dos quais o mesmo
acervo de provas catalogado durante a instrução probatória resultou impróprio
ou não suficiente à demonstração de suas materialidades. […] Consagrada a
inadequação da conduta a qualquer tipicidade ‘armamentista’, por igual trilha
refiro convencimento em face do delito ‘resistência’. É que para a naturalização
criminosa do desforço físico dos acusados em oponibilidade à intervenção
dos agentes da Divisão de Assuntos Internos (DAI) tornar-se-ia necessário
comprovar que últimos se tenham apresentados com notória identificação,
ostensividade de uniformes/paramentos e que o ato a ser praticado estivesse
plenamente esclarecido aos seus contendores (no caso, os corréus), de tudo
a afastar qualquer dúvida possível por parte daqueles que iriam sofrer as
consequências do ato dos agentes da DAI. Nessa esteira, observo invencível
a dificuldade para se afirmar – de acordo com o acervo instrutor – acerca da
ciência dos acusados para a condição pública dos agentes da DAI, não sendo
suficiente a tanto simples proclamação oral ou voz de prisão, o que é possível
a ser feito por qualquer do povo a trajar vestes comuns e sem distinções; à
guisa de um melhor esclarecimento, tal dúvida não se conduz quando o ato
é perfeito por policial militar que, em serviço, enverga a farda da corporação
e outros distintivos típicos de sua condição enquanto ‘(...) funcionário compe-
tente (...)’ para a regular execução do ato prisional. Havendo dúvida fundada
ou pelo menos razoável quanto à condição pública dos agentes da DAI (poli-
ciais civis), é lídimo concluir que os acusados agiram em resistência legítima
para a tutela de suas liberdades (sem que tal se configurasse em crime, a
exemplo do caso em mesa), máxime quando inexiste prova pericial apta a
certificar que houve troca de tiros e/ou que a viatura descaracterizada tenha
sido de fato alvejada por algum dos acusados durante a manobra de fuga,
circunstância que serviria a evidenciar sobre algum excesso (doloso ou
culposo) em detrimento do impulso evasivo. Dessarte, no caso concreto, é
de bom alvitre novo afastamento setorial do esforço acusatório. […] Ante o
exposto, e por tudo mais que dos autos consta, julgo improcedente a pretensão
acusatória e absolvo os acusados Wilson Costa Nogueira Neto, José Victor
Lourenço Araújo e Rafael Lima Ferreira, já qualificados nos autos, das impu-
tações que lhes foram promovidas na denúncia, o que faço na forma do art.
386, incs. II, III e VII, do Código de Processo Penal Brasileiro [...]”; CONSI-
DERANDO que no Relatório Complementar, constante às fls. 390/345, a
Comissão Processante manifestou entendimento de que apesar do bojo criminal
acusatório ter se esvaído por sentença judicial, no Relatório anterior enten-
deu-se ter ficado evidenciado o comportamento irregular do processado no
tocante ao ato de constranger a vítima com o intuito de obtenção de vantagem
ilícita. Nesse sentido, a comissão reiterou que houve a comprovação de
condutas transgressivas compreendidas como ‘faltas residuais’ e previstas
nos Código Disciplinar Militar Estadual, sendo suficiente para o convenci-
mento de desligamento do policial militar processado das fileiras da corporação
militar. Assim, a comissão processante entendeu pela manutenção do julga-
mento expresso no Relatório anterior, visto que apesar de não terem sido
confirmados na esfera judicial os crimes de tentativa de homicídio e extorsão,
permaneceu a culpa em parte das acusações; CONSIDERANDO que consta
na mídia das fls. 277 (fls. 213PDF/225PDF), como juntada ao Inquérito
Policial que apurou os fatos, cópia de Laudo Pericial oriundo da PEFOCE
concluindo que havia dano por 01 (um) disparo de arma de fogo de fora para
dentro na porta dianteira da viatura caracterizada da DAI, contudo não há
descrição do projétil que teria causado o dano; CONSIDERANDO que consta
na mídia das fls. 277 (fls. 257/261PDF), como juntada ao Inquérito Policial
que apurou os fatos, cópia de Laudo Pericial oriundo da PEFOCE concluindo
pela não detecção de partículas de chumbo nas mãos do policial militar
processado; CONSIDERANDO que consta na mídia das fls. 277 (fls.
381/399PDF), como juntada ao Inquérito Policial que apurou os fatos, cópia
de Laudo Pericial oriundo da PEFOCE concluindo que a arma apreendida
com o militar estadual acusado se encontrava eficiente, contudo o perito
deixou de concluir quanto à recenticidade dos disparos, motivando que o
Exame de Recenticidade não se revestia de idoneidade para definir data, nem
provável período de disparo de arma de fogo; CONSIDERANDO que, em
consulta ao sítio eletrônico e-Saj, constata-se que o processo nº 0179745-
36.2016.8.06.0001 concluiu pela absolvição do policial militar processado,
encontrando-se transitado em julgado desde 30/03/2020; CONSIDERANDO
que as provas juntadas aos autos se demonstraram insuficientes para concluir
que tenha havido a prática das acusações em desfavor do acusado descritas
na Portaria inaugural. Nesse sentido, somam-se à fragilização do arcabouço
probatório da acusação, a mudança de versão da suposta vítima, a qual negou
que houvesse sido extorquida, bem como a ratificação por ela própria de que
“esqueceu as chaves do carro de sua irmã, bem como seu celular dentro do
Gol preto”, em sentido contrário de que tais objetos tenham sido utilizados
como garantia para solicitar vantagem da suposta vítima ou ainda que o
acusado tenha se apropriado de tais bens. Disso depreende-se que as provas
também são insuficientes para possível transgressão residual no contexto dos
fatos no dia 28/10/2016, no Município de Fortaleza/CE; CONSIDERANDO
o Resumo de Assentamentos do acusado SD PM RAFAEL FERREIRA LIMA
(fls. 156/157), verifica-se que este foi incluído na PMCE em 08/09/2010,
constando registro de 09 (nove) elogios, não apresentando registro de punição
disciplinar, estando no comportamento ÓTIMO; CONSIDERANDO, por
fim, que a autoridade julgadora, no caso o Controlador Geral de Disciplina,
acatará o relatório da autoridade processante (sindicante ou comissão proces-
sante), salvo quando contrário às provas dos autos, consoante descrito no
Art. 28-A, §4° da Lei Complementar n° 98/2011; RESOLVE, por todo o
exposto: a) Não Acatar o Relatório de fls. 306/327 e o Relatório Comple-
mentar de fls. 390/395, e Absolver o policial militar SD PM RAFAEL
FERREIRA LIMA, MF: 304.182-1-2, com fundamento na inexistência de
provas suficientes para a condenação, em relação às acusações constantes na
Portaria inicial, ressalvando a possibilidade de reapreciação do feito, caso
surjam novos fatos ou evidências posteriormente à conclusão dos trabalhos
deste processo, conforme prevê o Parágrafo único e inc. III do Art. 72, do
Código Disciplinar da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do
Estado do Ceará (Lei nº 13.407/2003) e, por consequência, arquivar a presente
Sindicância em desfavor do mencionado militar; b) Nos termos do art. 30,
caput da Lei Complementar 98, de 13/06/201, caberá recurso, em face desta
decisão no prazo de 10 (dez) dias corridos, dirigido ao Conselho de Disciplina
e Correição (CODISP/CGD), contados a partir do primeiro dia útil após a
data da intimação pessoal do acusado ou de seu defensor, segundo o que
preconiza o Enunciado n° 01/2019-CGD, publicado no DOE n° 100 de
29/05/2019; c) Decorrido o prazo recursal ou julgado o recurso, a decisão
será encaminhada à Instituição a que pertença o servidor para o imediato
cumprimento da medida imposta; d) Da decisão proferida pela CGD será
expedida comunicação formal determinando o registro na ficha e/ou assen-
tamentos funcionais do servidor. No caso de aplicação de sanção disciplinar,
a autoridade competente determinará o envio imediato a esta Controladoria
Geral de Disciplina da documentação comprobatória do cumprimento da
medida imposta, em consonância com o disposto no art. 33, §8º, Anexo I do
Decreto Estadual nº. 31.797/2015, bem como no Provimento Recomendatório
nº 04/2018 - CGD (publicado no D.O.E. CE nº 013, de 18/01/2018). PUBLI-
QUE-SE. REGISTRE-SE E CUMPRA-SE. CONTROLADORIA GERAL
DE DISCIPLINA - CGD, em Fortaleza, 18 de setembro de 2020.
Rodrigo Bona Carneiro
CONTROLADOR GERAL DE DISCIPLINA DOS ÓRGÃOS
DE SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PENITENCIÁRIO
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº216 | FORTALEZA, 29 DE SETEMBRO DE 2020
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