DOE 11/12/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
ólica em um bar, após seu fechamento, resolveram, por volta de 01h00, se deslocarem a uma Churrascaria (também denominado “Bar da Sandra”), onde
acontecia um evento festivo; 2. Na Bilheteria, o acusado solicitou que a funcionária (Suellen – vítima fatal), lhe franqueasse a sua entrada, assim como a dos
amigos, sob a alegativa de ser policial militar; 3. Ocorre que o SD PM Nascimento por estar, aparentemente, sob a forte influência de álcool, em razão de ter
sua solicitação negada, passou a insultar a jovem, instante em que seu irmão (Paulo Roberto Marinheiro Lula – citado nos autos como “Pulinho”), que também
trabalhava no local na Portaria do estabelecimento, interveio, iniciando-se outra discussão, agora, entre os dois; 4. Em ato contínuo, o SD PM Nascimento,
inconformado, encontrado-se armado com uma pistola de uso particular, lamentavelmente, sacou da referida arma, apontou-a na direção do seu desafeto –
Paulo Roberto Marinheiro Lula, disparando-a, porém atingindo a jovem Suellen, que na ocasião saiu em socorro do seu irmão e tentou fechar o portão; 5.
Depois do infortúnio, o irmão da vítima entrou em vias de fato com o SD PM Nascimento, a fim de retirar-lhe a arma, sendo auxiliado por demais populares
presentes e que revoltados com o acontecido, passaram a agredir o PM, o qual veio a desmaiar. Após, o irmão da vítima, vendo-a ao solo, socorreu-a a um
hospital, porém sem êxito, posto que faleceu; 6. Logo em seguida, uma viatura da PM chegou ao local do evento, houve dispersão dos populares, conduzindo
o infrator à Delegacia de Polícia Civil Plantonista, ocasião em que foi Autuado em Flagrante delito pelo crime de homicídio]; CONSIDERANDO que tendo
como peça informativa o Inquérito Policial n°111/2016–7DPC, foi instaurado o processo criminal nº 0001032.66.2016.8.18.0078, na Vara Única da Comarca
de Valença/PI (Ação Penal de Competência do Tribunal do Júri), no qual o processado figura como réu. Deste modo, verifica-se a continuidade da ação
penal, uma vez que as provas colhidas no curso do procedimento inquisitorial foram consideradas lícitas e suficientes para a decisão do Poder Judiciário, não
só pelo recebimento da denúncia, como também pelo entendimento que culminou na sua sentença de pronúncia, inclusive com a manutenção da prisão
preventiva do acusado, alegando-se a garantia da ordem pública e a gravidade da conduta perpetrada; CONSIDERANDO que dormita nos autos 3 (três)
mídias contendo depoimentos de testemunhas relacionadas ao Processo Criminal nº 0001032-66.2016.8.18.0078, referente ao I.P nº 111/2016 (fls. 321/322),
que apurou os mesmos fatos, bem como cópia integral do mesmo processo, em que figura como réu o SD PM Nascimento (fls. 422); CONSIDERANDO
que no mesmo sentido, repousa nos autos às fls. 65, um auto de apreensão indicando como objetos apreendidos no local dos fatos: 1 (um) estojo de munição
cal. 380 com vestígio de percussão de disparo e 1 (um) coldre em tecido preto; CONSIDERANDO que no presente Processo Administrativo Disciplinar, a
pretensão de acusatória deduzida na portaria tem substrato fático que se amolda tanto a tipos penais, como se enquadra em transgressões disciplinares. Não
obstante essa projeção do mesmo fato em instâncias punitivas distintas, o processo disciplinar não se presta a apurar crimes propriamente ditos, mas sim
averiguar a conduta do militar diante dos valores, deveres e disciplina de sua Corporação, à luz do regramento legal ao qual estão adstritos, bem como, a
relevância social e consequência do seu comportamento transgressivo em relação à sociedade; CONSIDERANDO que é forçoso constatar que a reprovabi-
lidade da conduta do SD PM Nascimento, pela sua destacada natureza ultrajante, atentando contra os direitos humanos fundamentais, por destruir a vida de
uma jovem, após se sentir contrariado diante de um motivo que extrapola a futilidade (não ingresso de forma gratuita em um evento festivo, se utilizando da
condição de policial militar), denota incontornável incompatibilidade com a função militar estadual; CONSIDERANDO que sem embargos, o conjunto
probatório produzido nos autos revelou-se suficientemente coeso para viabilizar a conclusão de punição do militar em tela, posto também terem restado
caracterizadas as transgressões tipificadas no art. 13, §1º, incs. XXX (ofender, provocar ou desafiar superior, igual ou subordinado hierárquico ou qualquer
pessoa, estando ou não de serviço), XXXII, (ofender a moral e os bons costumes por atos, palavras ou gestos), L (disparar arma por imprudência, negligência,
imperícia, ou desnecessariamente, LI (não obedecer às regras básicas de segurança ou não ter cautela na guarda de arma própria ou sob sua responsabilidade)
e LVIII (ferir a hierarquia ou a disciplina, de modo comprometedor para a segurança da sociedade e do Estado), todos da Lei nº 13.407/03; CONSIDERANDO
que pelos mesmos motivos, e em observância ao princípio da independência das instâncias, o processado figura como réu na Ação Penal nº 0001032-
66.2016.8.18.0078, em trâmite na Vara Única da Comarca de Valença do Estado do Piauí, cuja denúncia e respectiva pronúncia imputaram-lhe as condutas
típicas descritas no art. 121, § 2º (Homicídio qualificado), II (motivo fútil) e IV (à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido), do Código Penal Brasileiro; CONSIDERANDO que, de acordo com o Código Penal Brasileiro, o homi-
cídio, em termos topográficos, é o primeiro delito por ele tipificado, daí a importância da vida, e inegavelmente, o homicídio doloso é a mais chocante violação
do senso moral médio. Com efeito, quando praticado um homicídio, a lei deve ser dura no sentido de repreender o agressor, pois a vida humana tem a primazia
entre os bens jurídicos, logo é o bem mais importante e não há como colocá-la em igualdade com outros bens. In casu, o inc. II do art. 121, § 2º cuida do
motivo fútil, logo a gradativa que mais espanta, dada a insignificância da vítima na visão do homicida. Não resta dúvidas que as circunstâncias da geratriz
do evento, a maneira como se deu, foi de uma banalidade extrema. Na mesma senda, em relação à qualificadora prevista no § 2º, IV (à traição, de emboscada,
ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido), defende sua verificação fática, de forma a colher eventual
vítima sem que a atenção desta se dirija, minimamente sequer, à possibilidade do ataque; CONSIDERANDO que o poder disciplinar busca, como finalidade
fundamental, velar pela regularidade do serviço público, aplicando, para tanto, medidas sancionatórias aptas a atingir esse desiderato, respeitando-se sempre
o princípio da proporcionalidade e seus corolários (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito); CONSIDERANDO que é necessário
ressaltar, que o rol das diligências requerido pela defesa durante a instrução, inclusive algumas indagações suscitadas em sede de razões finais, apesar de
haverem sidas deferidas e/ou confrontadas, respectivamente pela Comissão Processante, mostraram-se manifestamente protelatórias e desarrazoadas. Ora,
consta fartamente em diversas passagens nos autos, que a vítima fora socorrida por familiares para o hospital, constatando-se seu óbito por meio de exame
cadavérico e fotografias, não tendo sido dessa forma realizado exame de corpo de delito no local de crime. A arma do acusado, desapareceu, muito prova-
velmente subtraída no momento da sua dominação, impossível, portanto, se proceder exame de comparação balística, o próprio local de crime, fora violado
por populares, comprometendo e restando prejudicado qualquer exame minucioso. Demais disso, realizou-se exame de corpo de delito no irmão da vítima,
Paulo Roberto Marinheiro Lula (fls. 317), apesar de irrelevante para o deslinde do caso. Outrossim, nos presentes fólios, encontram-se colacionadas provas
imprescindíveis para elucidação da materialidade delitiva, tais como os objetos apreendidos e indicados no auto de apreensão às fls. 65, fotografias (fls. 137)
e laudo cadavérico (fls. 260/262); CONSIDERANDO que diante do conjunto probatório carreado aos autos, restou incontroverso que o disparo fatal que
ocasionou a morte de Suellen Marinheiro Lula, adveio da arma que portava o SD PM Nascimento. E, embora exaustivamente investigado, não há nos autos
nenhum indício de que a jovem ou seu irmão, ou terceira pessoa, estivessem de posse de qualquer arma, seja de fogo ou “branca”, assim como não há subsídio
que comprove que houve luta corporal entre o irmão da vítima e o acusado, anteriormente ao momento do disparo, como sustenta a defesa, e capaz de justi-
ficar um tiro em direção a uma pessoa, cujo único resultado previsível seria a morte de alguém; CONSIDERANDO ainda o contexto fático, verifica-se que
policial militar estava de folga, com sintomas de embriaguez e portando arma de fogo, na companhia de terceiros, os quais preferiram visualizar os aconte-
cimentos, enquanto o acusado (sozinho), de forma imatura resolvera obter vantagem pessoal, ao ponto de se envolver em uma discussão banal por não querer
pagar a entrada no estabelecimento pertencente à família da vítima, no valor de R$ 5,00 (cinco reais), vindo a sacar de uma arma, apontá-la e efetuar um
disparo, sem nenhuma justificativa para tal; CONSIDERANDO que, ainda que se levasse em consideração a tese imaginária apresentada pela defesa (ou
seja, de que a arma teria disparado acidentalmente quando o irmão da vítima desferiu no PM um “solavanco” na altura do ombro), fato que não se comprovou,
não há nenhuma razoabilidade para um agente da Segurança Pública, diante de pessoas desarmadas, em local público e aglomerado, os quais se encontravam
trabalhando em um empreendimento familiar (churrascaria), fazer ameaças, sacar de uma arma e apontar-lhes, culminando com um disparo, atitude extre-
mamente ilógica e insensata; CONSIDERANDO que da mesma forma, mesmo que tenha o PM agido por temor de possível agressão por parte do irmão da
vítima, como alegado, inexistem provas ou evidências de que o acusado chegou a ser agredido fisicamente ou ameaçado nesse sentido, antes da terrível
tragédia que resultou na morte da vítima, pelo contrário, ele (PM) é que sentindo-se contrariado, exaltou-se e passou a incutir medo e pânico nos presentes,
quando sacou de sua arma. Com efeito, as circunstâncias permitem afirmar que, possivelmente, a intenção do acusado fosse atingir o Sr. Paulo Roberto
Marinheiro (irmão da vítima), entretanto o disparo veio atingir, sua irmã, que teve morte imediata, como se depreende do laudo cadavérico constante às fls.
262; CONSIDERANDO que diante dessas considerações, não se pode deixar de destacar que o laudo de exame pericial cadavérico às fls. 262, realizado na
vítima, proveniente do Instituto de Medicina Legal “Gerardo Vasconcelos” do Estado do Piauí, concluiu tratar-se de morte real decorrente, descrevendo, in
verbis: “(…) 1 – ferida pérfuro-contusa transfixante, com orifício de entrada de bordas invertidas, halo de enxugo e zona de esfumaçamento, medindo 0,4
cm de diâmetro, localizado na região occipital a esquerda, com orifício de saída de bordas evertidas, medindo 0,6 cm de diâmetro, localizado na região
temporal direita. No trajeto oblíquo postero-anterior da esquerda para a direita, o projetil fraturou a calota craniana nas regiões acima descritas, transfixou a
massa encefálica e provocou rupturas de vasos sanguíneos de médio calibre (…)”; CONSIDERANDO nessa perspectiva, depreende-se que o disparo fora
efetuado a queima roupa ou a curta distância (provavelmente a menos de 40 ou de 50 cm da vítima). Pois, diz-se que um tiro é a curta distância quando,
desferido contra um alvo, além da lesão de entrada, produzida pelo impacto do projétil (efeito primário) são encontradas manifestações provocadas pela ação
dos resíduos de combustão ou semicombustão da pólvora expelida pelo cano da arma (efeitos secundários), dentre as quais, zonas de tatuagens e de esfuma-
çamento; CONSIDERANDO que é importante salientar que a vítima (Suellen Marinheiro Lula), na ocasião, contava com apenas 21 (vinte e um) anos de
idade, encontrava-se trabalhando, aparecendo na cena do delito no momento do disparo, com o intuito de retirar seu irmão da mira da arma de seu algoz.
Assim sendo, aquelas pessoas não representavam perigo concreto ao processado que justificasse o emprego de arma de fogo (violência desnecessária e
imoderada). Muito menos encontra respaldo a tese de disparo acidental, posto que apontar a arma em direção a quem quer que seja, demonstra total ausência
do dever de cuidado com o equipamento, assim como há a previsibilidade manifesta de dano à integridade física de qualquer pessoa presente; CONSIDE-
RANDO que diante da certeza de que o uso da arma de fogo, ou o disparo propriamente dito, sempre traz riscos, seja pela chance de se atingir um inocente
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº275 | FORTALEZA, 11 DE DEZEMBRO DE 2020
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