DOE 22/12/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
nas cavidades corporais. Destacaram que, por provocação da comissão, os
três projéteis alojados na vítima foram submetidos a Exame de comparação
balística (Laudo Pericial 2020.0061683 – fls. 287/304), no qual se atestou
que dois projéteis partiram da Carabina que era portada pelo SD PM Roberto
e um, da pistola do CB Barros. Na sequência destacaram que o inquérito
policial nº 322 – 687/2018, instaurado para apurar a morte decorrente da
intervenção policial, ainda não havia sido encerrado. Avançando na análise,
pontuaram que, das três testemunhas civis ouvidas, todas confirmaram o
assalto que ocorreu nas dependências de um estabelecimento comercial
conhecido como “Bar do Neném”. Embora o dono do bar e sua esposa tenham,
estranhamente, dito que não ouviram o barulho da troca de tiros, uma dessas
testemunhas (fls. 183/185), também vítima do roubo com emprego de arma
pelos indivíduos, afirmou que viu a composição do Raio chegar na mesma
rua do bar logo após a ação criminosa e, ao prestar informação aos policiais,
os mesmos homens que praticaram o crime passaram a atirar contra a polícia,
tendo tal testemunha presenciado o início do tiroteio, que, segundo ele, foi
iniciado pelos assaltantes. Diante desse conjunto de provas, a trinca proces-
sante resolveu acatar as alegações da defesa, pois a harmonia e coerência das
versões apresentadas pelos aconselhados, em conjunto a prova testemunhal,
especialmente o depoimento da pessoa que narrou ter presenciado o começo
da ação policial, denotam que os PMs agiram para cessar a investida dos
criminosos. Argumentaram ainda que os militares estavam em desvantagem
numérica em relação aos opositores, inclusive dois militares caíram ao solo,
um deles atingido por vários disparos. Pontuaram não ser razoável entender
que houve excesso na atuação estatal por conta do número de disparos, pois
a realidade dos fatos ocorreu numa rua com pouca iluminação e os alvos
estavam vestindo roupas escuras e encapuzados. Por outro lado, ainda frisaram
que no outro inquérito policial sobre o caso (IP nº 322-767/2018 – fls. 16/17),
a autoridade policial, mesmo tendo pontuando a extinção da punibilidade
pela morte de Wallisson Fernandes, o indiciou por tentativa de homicídio
qualificado (art. 121, § 2º, VII, do CPB). Em conclusão, entenderam, de modo
unânime, que os aconselhados não ultrapassaram os limites da proporciona-
lidade; CONSIDERANDO o interrogatório dos aconselhados, acostados no
intervalo compreendido entre as folhas 272/283, dos quais se extrai uma
narrativa coesa dando conta de que estavam numa guarnição composta por
três motocicletas, sendo duas delas pilotadas individualmente, uma pelo CB
PM Barros, comandante da patrulha, e outra pelo SD PM Vinícios. A terceira
motocicleta era pilotada pelo SD PM Holanda e tinha por garupeito o SD
PM Roberto, este último portando uma arma longa (Carabina CT .40). Na
noite do dia 29/03/2018, após escutarem, via CIOPS, um relato de disparos
de arma de fogo no bairro Jandaiguaba, se deslocaram para averiguar a ocor-
rência. Ao chegarem na rua Clube do Campo, resolveram parar os veículos
para indagar alguém acerca dos relatos de disparos, quando se aproximou
uma pessoa que lhes disse que fora vítima de roubo praticado por cinco
indivíduos armados com arma de fogo. Enquanto o cidadão lhes repassava
os fatos, avistou as pessoas que cometeram o delito, a uma distância entre 50
e 100 metros, e alertou os policiais. Nesse momento, o SD Holanda e o SD
Roberto embarcaram primeiro na motocicleta e partiram na frente, em direção
aos indivíduos apontados, que se dividiram e passaram a atirar contra os
policiais, acertando alguns disparos no SD PM Holanda, um deles em sua
perna, fazendo com que ambos os militares caíssem da moto. Mesmo no solo,
o SD Holanda e o SD Roberto dispararam contra as pessoas que estavam
atentando contra suas vidas. O CB PM Barros, que se deslocou após a primeira
motocicleta, procurou um abrigo de onde pudesse visualizar seus companheiros
e os meliantes, com o intuito de efetuar disparos para salvaguardar sua vida
e a de seus colegas. No transcurso da ação, a carabina portada pelo SD PM
Roberto deu pane, sendo ele obrigado a usar sua pistola. Em determinado
instante, em que os policias que estavam caídos ao solo deixaram de atirar
para recarregar suas armas, um dos indivíduos ainda se aproximou atirando,
com a intenção de executá-los, mas os três policiais acusados conseguiram
atirar em revide, fazendo com que esse homem retornasse para se juntar ao
seu grupo. Quando o Grupo armado se afastou e os tiros cessaram, o CB PM
Barros se aproximou de seus companheiros, quando visualizou o SD PM
Holanda sangrando muito na perna, e, na sequência, objetivando conferir se
os opositores realmente teriam se afastado, se deslocou até a esquina, já com
o apoio do SD PM Vinícios, de onde visualizou um homem caído ao solo.
Nesse instante, o CB Barros narrou que ainda ouviu alguns disparos vindos
de um ponto mais afastado, o que o obrigou a procurar abrigo mais uma vez.
Momentos depois, os disparos novamente cessaram e uma viatura da PM
chegou ao local, tendo os policiais providenciado socorro imediato do SD
PM Holanda. Em seguida, o homem baleado também foi socorrido por outra
viatura que compareceu ao local. Segundo os militares, ele ainda estaria com
vida quando foi colocado na viatura. Quanto ao fato de nenhum armamento
ter sido encontrado com a pessoal atingida fatalmente, os militares acreditam
que seus comparsas levaram a arma na fuga; CONSIDERANDO que a
esposa e o proprietário do bar no qual se praticou o roubo com arma de fogo,
ouvidos às fls. 179/180 e 181/182, não contribuiram de modo contudente
para o esclarecimento dos fatos, pois não afirmaram não ter presenciado a
ação policial. Todavia, eles confirmaram que houve um assalto no estabele-
cimento, inclusive a mulher ouvida disse que acredita que uma das pessoas
que a abordou e leveu seu dinheiro estaria armada; CONSIDERANDO que
a testemunha cujo termo repousa às fls 183/185, identificada por uma equipe
do COGTAC (fls. 161), afirmou ter sido vítima do crime patrimonial praticado
dentro do bar do “Nenén”, na noite do dia 29/03/2018, na companhia de sua
filha e esposa. Narrou que foi surpreendido com a chegada de seis homens
encapuzados, dos quais pelo menos quatro portavam arma de fogo. Um desses
indivíduos determinou que ele deitasse no chão e apontou uma arma para sua
cabeça, exigindo a entrega de seu celular e carteira, na qual havia a quantia
de R$ 470,00 (quatrocentos e setenta reais). Segundo o depoente, tais pessoas
encapuzadas chegaram ao estabelecimento a pé e “realizaram arrastão nos
frequentadores que ali se encontravam”. Após cometerem o crime e deixarem
o local, as pessoas presentes no bar se dispersaram, mas o depoente viu quando
a equipe do raio chegou, tendo ido na direção dos membros da força de
segurança para relatar o ocorrido. No momento em que contava os fatos aos
militares, visualizou os mesmos indivíduos, ainda encapuzados, a uma
distância de aproximendamente 50 metros de onde estavam, vindo em direção
aos policiais, os quais também se deslocaram em direção aos suspeitos,
instante em que se iniciou uma troca de tiros. A testemunha mencionou ainda
que os primeiros disparos foram efetuados pelos indivíduos encapuzados,
pois os policiais ainda tiveram de manobrar as motocicletas antes de avançarem
na direção dos homens armados; CONSIDERANDO que no depoimento do
SD PM Vínícios Araújo Braga (fls. 186/189), o outro PM que integrava a
composição do RAIO, consta uma versão dos fatos totalmente consonante
com a narrativa dos aconselhados. O SD PM Vinícios afirmou que não efetuou
disparos por conta de ter ficado atrás dos outros policiais, e, caso utilizasse
sua pistola, colocaria a vida de seus companheiros em risco, pois estavam na
linha de tiro. Contudo, visualizou toda a ação e afirmou que o homem baleado
fatalmente foi o que mais se expôs durante o confronto, bem como viu que
ele portava um revólver, inclusive chegou a recarregá-lo durante o confronto;
CONSIDERANDO que tanto comandante da viatura que prestou socorro ao
SD PM Holanda, ouvido às fls. 230/232, como o comandante da viatura que
socorreu Walisson Fernandes (fls. 233/235), não acrencentaram nenhuma
informação relevante ao esclarecimento dos fatos, pois não presenciaram o
tiroteio e apenas socorreram os feridos com a maior brevidade possível;
CONSIDERANDO que as testemunhas arroladas pela defesa (fls. 243/244
e 245/247) foram apenas abonatórias da conduta profissional e pessoal dos
acusados, não tendo presenciado os fatos; CONSIDERANDO que o inquérito
policial nº 322 – 687/2018, instaurado para apurar a morte decorrente da
intervenção policial, não foi concluido e, segundo Certidão fornecida pela
Delegacia Metropolitana de Caucaia-CE (fls. 264), no referido procedimento
policial não consta nenhum laudo pericial; CONSIDERANDO que, em
contrapartida, no inquérito policial nº 322-767/2018, Walisson foi indiciado
por tentativa de homicídio contra os policiais militares, infração penal quali-
ficada pelo VII do §2º do art. 121 do Código Penal Brasileiro, embora a
autoridade policial tenha pontuado a ocorrência de causa extintiva da puni-
bilidade pela morte do agente. No epigrafado inquérito, consta a apreensão
de quatro estojos de munição de calibre 38, e uma munição intacta, material
bélico utilizado no ataque contra a composição do RAIO (fls. 44 e 55-V);
CONSIDERANDO que, ao lado das munições apreendidas, os ferimentos
produzidos no SD PM Raphael Gomes Holanda foram de natureza grave e
colocaram sua vida em risco, inclusive, conforme consta expressamente no
laudo sito às fls. 36/37, o militar passou por cirurgia, sendo “submetido à
correção de trauma vascular em membro inferior esquerdo, tendo sido achados
lesão de parede anterior de artéria e veias femorais”. Tal exame pericial torna
evidente que os quatro policiais militares envolvidos na ocorrência foram
sujeitados a uma situação clara de injusta agressão, e estavam, portanto, diante
da atualidade da ofensa contra suas vidas, legalmente autorizados a repeli-la
com os meios disponíveis na ocasião, havendo assim a causa de exclusão da
transgressão por legítima defesa própria ou de outrem, conforme prevê a Lei
nº 13.407/03, em seu art. 34, III; CONSIDERANDO que, diante do contexto
fático de real ameaça em que se encontravam os agentes de segurança pública,
e na esteira do que pontuou a comissão processante, é desarrazoado comprender
que houve excesso por parte dos aconselhados; CONSIDERANDO que, em
que pese a prova pericial de fls. 287/304 esclarecer a autoria dos fatos em
apuração, apontando que os projéteis alojados no corpo de Walisson partiram
das armas dos militares, tal conclusão não se presta a solucionar o ponto
controvertido que move a pretensão disciplinar no presente caso, que é saber
se ação foi ou não legal, isto é, se estava albergada ou não por alguma causa
excludente de transgressão disciplinar. Noutros termos, não é a existência do
fato em si que constitui a vexata quaestio, pois esta é inconteste, mas sim se
a conduta foi ou não lícita. Na hipótese dos autos, como pontuado, o conjunto
probatório foi tendente a demonstrar que a ação policial se encontrava alber-
gada por uma causa justificante da conduta; CONSIDERANDO que o parecer
da Comissão Processante foi integralmente acolhido pela Orientação da Célula
de Processo Regular militar, mediante o Despacho nº 6968/2020 (fls. 359/360),
no qual se asseriu que “[…]muito embora comprovada a autoria do homicídio
como decorrência de intervenção policial atribuída aos policiais militares em
evidência, restou configurada que a conduta dos aconselhados estava ampa-
rada por causa excludente de ilicitude, tendo em vista que as provas carreadas
aos autos são conclusivas no sentido de que agiram naquela ocasião para
repelir violenta, injusta, atual e iminente agressão por eles sofrida, tanto é
que o SD PM Holanda restou gravemente lesionado por disparos realizados
por um dos suspeitos […]”. A Coordenação da da CODIM ratificou esse
entendimento (fls. 361); CONSIDERANDO que, como demonstrado, a
instrução documentada nos autos não permite estabelecer cognitivamente
uma realidade processual na qual se atribua responsabilização disciplinar aos
acusados. Ao contrário, as informações dos vertentes fólios autorizam o
acolhimento da tese de legítima defesa, porquanto tal alegativa se encontra
amparada por um standard probatório que se revela além da dúvida razoável
no sentido de confirmar a exclusão de ilicitude, dado que tanto a ação policial
se deu no contexto de uma troca de tiros com pelo menos cinco opositores,
da qual inclusive um dos militares resultou lesionado gravemente por disparos
de arma de fogo, como não há qualquer prova que aponte excessos na conduta
de repelir a injusta agressão de que foram vítimas os agentes de segurança.
É dizer, a narrativa dos aconselhados, além de verossímil, não é infirmada
por nenhum elemento probatório constante no caderno processual, confir-
mando-se, deste modo, a legitimidade do ato praticado; CONSIDERANDO,
noutro giro, que, por força do art. 386, VI, do CPP, com aplicação subsidiária
franqueada pelo art. 73 da Lei nº 13.407/03, a carga probatória exigida para
o reconhecimento de uma excludente de antijuridicidade se perfaz não apenas
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº284 | FORTALEZA, 22 DE DEZEMBRO DE 2020
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