DOE 18/01/2021 - Diário Oficial do Estado do Ceará
necessário esclarecer que, diferente do que se arguiu em sede de defesa final
(inépcia da denúncia), este processo regular, quando de sua instauração,
obedeceu fielmente o que preconiza as exigências constitucionais, em que
pese a estrita presença dos conectivos pré-processuais de autoria e materia-
lidade transgressiva. Nessa perspectiva, a despeito da tese alegada, é crista-
lina a descrição dos fatos e a eventual conduta considerada transgressiva,
além de indicar o envolvimento do acusado, daí porque não há que se falar
em sentido contrário. In casu, pode-se aferir que o material colacionado serviu
ao propósito colimado, apontando as possíveis condutas irregulares e a iden-
tificação completa do acusado, fls. 02/90; CONSIDERANDO que no mesmo
sentido, é cediço na doutrina e jurisprudência dominantes, que não existe
ilegalidade na portaria inaugural do processo administrativo disciplinar quando
ela contiver os elementos essenciais, mormente o raio apuratório, verbis:
“[…] MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. DEMISSÃO. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA.
INOCORRÊNCIA. 1. Em se identificando os membros da comissão proces-
sante, inclusive o seu presidente, o acusado, e os fatos a serem apurados, não
há que se falar em ilegalidade da portaria instauradora do processo adminis-
trativo disciplinar. STJ. MS 8146. DF. (2002/0003956-0) […]”. In casu, a
portaria instauradora do presente PAD, ao contrário do que expôs a defesa
(inépcia da denúncia), contém todos os requisitos legais exigidos, com a
identificação do colegiado processante, do acusado e dos fatos. Avançando
nessa esteira de raciocínio, pode-se descartar a tese de que a exordial inaugural
não contempla a individualização das condutas e as respectivas transgressões
imputáveis; CONSIDERANDO ainda, não se olvida que, conforme tem
decidido o STF, não é inepta a denúncia que contém descrição mínima dos
fatos imputados ao acusado, não exigindo a doutrina ou a jurisprudência
descrição pormenorizada da conduta, devendo a responsabilidade ser apurada
no curso da instrução. É por essa razão que a Corte Suprema, por mais de
uma vez (RTJ 64/342), já decidiu que: “Não é essencial ao oferecimento da
denúncia a instauração de inquérito policial, desde que a peça acusatória
esteja sustentada por documentos suficientes à caracterização da materialidade
do crime e de indícios suficientes da autoria” (RTJ 76/741, Rel. Min. CUNHA
PEIXOTO). Nesse diapasão, é impossível a alegação de inépcia, quando esta
contém os requisitos necessários e possibilita ampla defesa ao acusado, ora,
no presente caso, a Portaria Inaugural e as demais peças que a acompanham
são precisas, ao descreverem os atos supostamente praticados pelo acusado,
permitindo assim, a verificação mínima de possível transgressão disciplinar
embasada em elementos de provas de efetiva ocorrência dos fatos; CONSI-
DERANDO por fim, a portaria inaugural, ao atribuir fatos específicos ao
aconselhado, individualizou sua conduta. Com efeito, as ações supostamente
transgressivas vieram à tona através da Comunicação Interna nº 1869/2016
– GTAC/CGD, oriunda do Grupo Tático de Atividade Correicional, datada
de 13/10/2016, que analisando o ocorrido, sugeriu-se a instauração de Processo
Regular em desfavor do CB PM Johnatan Tiago Silva de Andrade (fls. 06).
Na mesma esteira, acompanhado da C.I supra, acostou-se aos autos, relatório
de sobreaviso – GTAC (fls. 07/08), trechos de matérias jornalísticas de circu-
lação nacional e regional (G1 e O Povo online, às fls. 09/13), além da cópia
parcial do Inquérito Policial nº 323-58/2016-DAI, referente ao Auto de Prisão
em Flagrante Delito (APFD), datado de 12/10/2016, constante às fls. 14/60.
Portanto, verifica-se que a denúncia descreve atos concretamente imputáveis
ao militar, constitutivos da plataforma indiciária mínima reveladora de sua
contribuição dolosa para a infração; CONSIDERANDO do mesmo modo, a
defesa ter aduzido suposto defeito da pistola modelo PT 24/7 PRO, marca
Taurus, calibre .40, nº de série SCP57539, utilizada pelo processado para
atentar contra a vida de duas pessoas, e ter requerido à Comissão Processante
(fls. 244/343), que se oficiasse ao Centro de Avaliação do Exército – CAEX,
objetivando nova perícia para apurar o correto funcionamento do dispositivo,
bem como oitivar mais duas testemunhas. Diante dessas considerações, em
resposta à demanda supra, a Comissão Processante emitiu o Parecer nº 17/2018
(fls. 350/351), fundamentado e denegando tal pleito. Desta forma, demons-
trou-se a impropriedade jurídica das imprecações, restando deliberado pela
comissão, seu indeferimento. Nessa perspectiva, ficou evidenciado, que o
rogo da hipotética realização de uma segunda perícia, além de intempestivo,
tem viés eminentemente protelatório e portanto dispensável do ponto de vista
da instrução, já que as imagens (às fls. 90), concernentes à ação do acusado
no preciso instante em que transcorreram as ações delituosas, somadas aos
depoimentos das testemunhas presenciais, mormente das declarações das
vítimas, contrariam, de modo pleno, qualquer esforço defensivo; CONSIDE-
RANDO que no mesmo contexto, é de bom alvitre, observar, que conforme
prevê o Código de Processo Penal Militar (Lei subsidiária do Códex militar),
em referência à apuração de crime, em seu art. 315, parágrafo único, somente
será obrigatória a perícia quando a infração deixar vestígios, podendo ser
negada se for desnecessária ao esclarecimento da verdade. Ademais, o Laudo
Pericial Balístico acostado aos autos às fls. 753/768 (mídia DVD-R), registrado
sob o n°138253-10/2016B, realizado na arma em questão, se apresenta sufi-
cientemente elucidativo: “[…] Processo: REsp 335683 SP2001/0095672-9
(…) Relator(a): Ministro HUMBERT O GOMES DE BARROS. Julgamento;
15/04/2002. Órgão julgador: T1 – Primeira Turma. Publicação: DJ 24.06.2002.
pag. 206. Ementa: PROCESSUAL – PROVA – PERÍCIA DESNECESSÁRIA
– INDEFERIMENTO (CPC, art. 332). Se nos autos contém provas suficientes,
o juiz deve indeferir o requerimento de perícia desnecessária. […]; CONSI-
DERANDO que da mesma forma, é entendimento pacífico no STJ, o qual
aduz que o deferimento de diligências é ato que se inclui na discricionariedade
regrada do juiz, cabendo a ele aferir, em cada caso, a real necessidade da
medida para a formação de sua convicção, intelecção do art. 411, § 2º, do
CPP. Ressalte-se ainda, que o mesmo Tribunal, em julgamento da 5ª Turma
realizado em 21/03/2006 (DJ, pág. 229, de 10/04/2006), aduziu que o inde-
ferimento motivado de pedido de perícia não importa em cerceamento de
defesa quando o conjunto probatório dos autos torna desnecessária a produção
de nova perícia. Não destoante é a entendimento jurisprudencial da Corte
Suprema, STF: “[…] RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL MILITAR. ART. 427 DO CPPM.
PEDIDO DE PERÍCIA MÉDICA. INDEFERIMENTO MOTIVADO.
DESNECESSIDADE DA PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DO
QUESITO ALEGADO PELA DEFESA. SUFICIÊNCIA DA PROVA ATÉ
ENTÃO PRODUZIDA. INTUITO PROTELATÓRIO. RECURSO DESPRO-
VIDO. 1. A fase instaurada por força do art. 427 do Código de Processo Penal
Militar tem por objetivo permitir às partes a produção de provas complemen-
tares àquelas produzidas no curso da instrução criminal. 2. Tal oportunidade
residual probatória não é de ser usada como instrumento de dilação indevida
da instrução processual. Pelo que ao juiz do processo é conferido o poder de
decidir sobre a conveniência e a imprescindibilidade da produção de outras
provas, a par das que já foram coletadas. 3. No caso, o indeferimento do pleito
defensivo ressalta a desnecessidade da diligência, considerado conjunto
probatório já formado. Não é de prosperar o intuito meramente protelatório
do pedido. 4. Recurso desprovido. (STF – RHC: 100045 MS, Relator: Min.
AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 24/08/2010, Segunda Turma, Data
de Publicação: DJe-185 DIVULG 30-09-2010 PUBLIC 01-10-2010 EMENT
VOL-02417-02 PP-00296) […]”; CONSIDERANDO ainda que em relação
ao pleito concernente à indicação de mais duas testemunhas, posto que trariam
à tona “fatos novos”, no sentido de demonstrar que as lesões provocadas no
Sr. Bruno de Castro Francilino, não resultaram em uma paraplegia definitiva,
ressalte-se que a alteração no estado de saúde da vítima não modifica a conduta
disciplinar do acusado, podendo tal circunstância influenciar, ou não, no tipo
penal aplicável ao caso concreto, fato que foge à competência deste processo
regular, posto que este não busca avaliar o dolo em matéria criminal, tampouco,
apreciar qual figura típica se aplica aos fatos investigados, às quais deverão
ser analisadas nos autos do Processo Criminal ora em andamento na 2ª Vara
do Júri da Comarca de Fortaleza. Desse modo a relação processual no âmbito
do Poder Administrativo trata da responsabilidade administrativa, que concerne
ao vínculo entre o Estado-Administração e seus servidores, cujo objetivo é
preservar a regularidade do serviço público, a disciplina funcional e apurar
possíveis ofensas ao padrão de probidade e decoro exigidos dos titulares de
cargo na Administração Pública, em observância aos valores deontológicos
dos militares estaduais. Nessa esteira, o processo disciplinar leva em consi-
deração, transgressões de condutas em referência à disciplina militar, da
moral, de valores, constituindo-se num verdadeiro Tribunal de Ética; CONSI-
DERANDO que nessa perspectiva, não há que se falar em ofensa à ampla
defesa e contraditório (cerceamento de defesa), pois com fundamento no
princípio da persuasão racional, afasta-se a produção das provas consideradas
desnecessárias, pois é por intermédio da prova que a autoridade julgadora
assenta sua convicção segura sobre o cometimento de falta disciplinar ou
sobre a inocência do servidor acusado. Assim sendo, existem nos autos,
elementos probatórios idôneos, suficientes para formar o convencimento da
autoridade julgadora; CONSIDERANDO igualmente a arguição concernente
à tese de legítima defesa, causa de exclusão transgressiva (art. 34, III, da Lei
nº 13.407/2003) e de antijuridicidade, prevista no art. 23 do CP, e regulada
no art. 25 do mesmo diploma legal a qual dispõe: “Entende-se em legítima
defesa quem, usando moderadamente os meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, também não se
sustenta diante do conjunto probatório. Nesse diapasão, temos assim a demons-
tração na letra da lei dos requisitos mínimos para a caracterização da exclu-
dente no caso concreto. Logo, no ocorrido daquela fatídica madrugada,
analisando-se os requisitos acima, verifica-se sem muito esforço, a ausência
destes na conduta do aconselhado. Nesse contexto, a legítima defesa foi
idealizada para legalizar a tutela de um direito e não para a punição do agressor,
portanto no caso sub oculi, é veemente a ausência de qualquer dos requisitos
na conduta do CB PM Andrade, pois naquele dia, faltou-lhe dentre outras
atitudes, maturidade, percepção, prudência e responsabilidade ao se envolver
em um entreveiro fútil que provocou (possível discussão por sentir-se prete-
rido em uma fila seguida de tentativa de agressão), culminando com seu
prolongamento e resultando em lesão a bala a duas pessoas, já após a cessação
do imbróglio, sem que algum fato de maior gravidade tivesse ocorrido;
CONSIDERANDO que no mesmo contexto, corroborando o entendimento
legal e doutrinário traz-se à colação, esclarecedoras decisões sobre a inocor-
rência da legítima defesa: “[…] A legítima defesa para que possa ser acolhida,
precisa ficar provada, e a prova é ônus do réu, sendo insuficiente a simples
alegação (TACRIM-SP – AC – Rel. Hélio de Freitas – RT 671/346) […]. Da
mesma forma: “[…] Não pode invocar legítima defesa quem deu causa aos
acontecimentos (TJMT, RT783/686; TACrSP, RT, 511/403) […]”. Igualmente:
“[…] LEGÍTIMA DE DEFESA DE TERCEIRO NÃO CONFIGURADA.
CONDENAÇÃO MANTIDA. (…) Não caracteriza a legítima defesa de
terceiro quando já cessada a agressão. No presente, as testemunhas ouvidas
confirmam que, quando cessada a agressão indicada pelo réu, a vítima ainda
não havia sido lesionada. APELAÇÃO NÃO PROVIDA (TJRS – Apelação
Crime ACR 70063375646 RS) […]”; CONSIDERANDO por fim, que anali-
sando os fatos, verifica-se que a conduta do policial militar processado em
tentar vitimar fatalmente Bruno de Castro Francilino, sem qualquer chance
de defesa por parte de tal indivíduo (conforme relataram as testemunhas
oculares do ocorrido, a própria vítima e as imagens do circuito interno do
evento), pegando-o de inopino, efetuando disparos (imbuído de animus
necandi) contra o mesmo de modo a ceifar sua vida, só cessando a ação, por
circunstâncias alheias à sua vontade (mediante a intervenção de terceiros),
como constataram as análises e conclusões da perícia médico-legal exaradas
nos autos de exames de corpo de delito (lesões corporais) às fls. 58 e 105,
demonstra, de forma inconteste, que o acusado não pode ser amparado pelo
instituto da legítima defesa, pois conforme o art. 25 do CPB, diz-se que atua
em legítima defesa quem “repele agressão injusta, atual ou iminente, a direito
seu ou a direito de outrem, com uso dos meios necessários”, com moderação
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIII Nº013 | FORTALEZA, 18 DE JANEIRO DE 2021
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