DOE 20/04/2021 - Diário Oficial do Estado do Ceará
76
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIII Nº092 | FORTALEZA, 20 DE ABRIL DE 2021
rísticas dos acusados, vestimenta e possível rota de fuga, o que levou os
policiais, logo em seguida a se depararem com o casal no exato instante em
que realizavam outro roubo, in casu, contra a vítima fatal, resultando na troca
de tiros. Nesse sentido, aduz-se que a intervenção realizada deu-se dentro de
um contexto de clara reação a uma agressão injusta por parte do casal, posto
a efetivação de tiros quando da aproximação da viatura, o que resultou em
uma avaria no para-brisa e uma lesão no pé direito do aconselhado, forçando
os policiais militares (1º SGT PM Pereira e 2º SGT PM J. Paulo), a revidarem
de pronto os disparos executados em suas direções. De qualquer modo, é
preciso acentuar, que as declarações dos militares, evidenciam divergência
em face da abordagem policial, concernente à distância da parada da viatura
em relação aos dois assaltantes, haja vista que o 2º SGT PM J. Paulo (patru-
lheiro), afirmou que fora de aproximadamente 05 (cinco) metros, enquanto
o SD PM R. Luiz (motorista), declarou tratar-se de 15 (quinze) metros, e o
aconselhado, por fim, relatou ter a viatura parado praticamente do lado dos
acusados; CONSIDERANDO que, além disso, de acordo com o apurado,
durante a abordagem em si, o aconselhado efetuou 12 (doze) disparos com
arma de fogo, consoante justificativa de disparo de arma de fogo sob cautela
constante às fls. 76/77, dos quais 02 (dois) fatidicamente vieram a atingir a
vítima da tentativa de roubo (Shyslane Nunes de Sousa) que veio a falecer
posteriormente. Desse modo, depreende-se que a atuação do 1º SGT PM
Pereira, resultou na morte da vítima, haja vista que o laudo de microcompa-
ração balística concluiu que 02 (dois) projéteis retirados do corpo da ofendida
percorreram o cano da mesma arma, ou seja, da pistola, marca Taurus, modelo
PT 100 AF, calibre .40, nº série SAX04892, em posse do aconselhado (fls.
122/125); CONSIDERANDO que nessa perspectiva, diante do caso concreto,
verifica-se de modo claro, a circunstância de legítima defesa real com “aber-
ratio ictus”, haja vista que o aconselhado ao repelir a agressão injusta (disparos
iniciados pela dupla em direção à viatura), por erro na execução, diante da
situação excepcional, ao revidar, atingiu bem de pessoa diversa da que o
agredia. Com efeito, embora o alvo tenha sido identificado, terceira pessoa
foi atingida por acidente ou erro no uso dos meios de execução. Nessa senda,
o Art. 73 do CP, trata da Aberratio Ictus, o qual assim dispõe: “Quando por
acidente ou erro nos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa
que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse prati-
cado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no parágrafo 3º do
artigo 20 deste código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente
pretendia ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste código”. Assim sendo,
o instituto da Aberratio Ictus, leva-se em consideração as qualidades da pessoa
visada, e não da pessoa atingida; CONSIDERANDO que dessa forma, o erro
que ocorre durante a execução dos atos necessários ao exercício da legítima
defesa, como o do caso sub oculi, tal excludente não será afastada, haja vista
que, à luz da interpretação do Art. 73, do CP, a pessoa que está se defendendo
responderá pelo fato como se tivesse atingido o agressor. Nessa esteira,
Rogério Greco, assim, opina sobre o tema: “Pode ocorrer que determinado
agente, almejando repelir agressão injusta, agindo com animus defendi, acabe
ferindo outra pessoa que não o seu agressor ou mesmo a ambos (agressor e
terceira pessoa). Nesse caso, embora tenha sido ferida ou mesmo morta outra
pessoa que não o seu agressor, o resultado advindo da aberração no ataque
(aberratio ictus) estará também amparado pela causa de justificação da legí-
tima defesa, não podendo, outrossim, por ele responder criminalmente
(GRECO, Rogério. Op. cit. p. 367.)”; CONSIDERANDO entretanto, que
apesar das provas dos autos indicarem que os disparos efetuados pelo 1º SGT
PM Pereira, ocorreram em legítima defesa, é perceptível que o aconselhado,
também excedeu na reação, mormente na quantidade de disparos, no total de
12 (doze), somente de sua parte, haja vista que as circunstâncias exigiam
mais prudência, pois trava-se de área urbana e residencial, com iluminação,
horário, tráfego de pessoas, e principalmente, naquela ocasião, já estava
cientificado das características dos 02 (dois) acusados (biótipo e vestimentas),
in casu, um casal, estando um armado de revólver, e o primordial, a existência
de uma terceira pessoa em plena rendição, diante de um delito que naquele
momento era executado pela dupla, como se depreende das declarações dos
próprios PPMM (fls. 223/224, fls. 312/313, fls. 225/226, fls. 444/445 e fls.
476/479). Nesse sentido, cabia ao aconselhado (comandante da guarnição),
profissional de segurança pública com vasta experiência e treinado, diante
da situação descrita nos autos, o dever de observância (cautela), seja em
relação à abordagem propriamente dita (haja vista a divergência da distância
de parada da viatura em relação aos assaltantes), seja no manuseio e uso da
arma de fogo, o que evitaria danos desproporcionais à coletividade, como
ocorreu no presente caso. Desse modo, inobstante a circunstância de excludente
verificada (legítima defesa a fim de repelir injusta agressão) em face de dois
assaltantes, os meios necessários devem ser utilizados de forma moderada,
caso contrário, pune-se o excesso culposo, que no caso levou a óbito, terceira
pessoa, inserida sob a mesma conjuntura fática; CONSIDERANDO que desse
modo, a partir do acima explicitado, ficou evidenciado que o miliciano agiu
em legítima defesa real, pois outra conduta não seria esperada dele diante de
uma injusta agressão atual ou iminente, entretanto, nas situações em que o
agente, agindo amparado por uma causa justificante, ofende bem jurídico
alheio, deverá também guardar o devido cuidado a fim de não cometer
excessos, o qual poderá recair tanto na escolha do meio (que deve ser neces-
sário) quanto no seu uso efetivo (que deve ser moderado). Nessa esteira, tanto
a desnecessidade do meio, quanto a imoderação podem caracterizar o excesso
previsto no parágrafo único, Art. 23, do CP: “o agente, em qualquer das
hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. Nesse
sentido, Fernando Capez, assim define o excesso: “é a intensificação desne-
cessária de uma ação inicialmente justificada. Presente o excesso, os requisitos
das descriminantes deixam de existir, devendo o agente responder pelas
desnecessárias lesões causadas ao bem jurídico ofendido (CAPEZ, Fernando.
Op. cit. p. 286)”. Nessa toada, o excesso culposo acontece quando, o agente,
embora não queira o resultado, por não tomar o cuidado objetivo devido,
acaba causando um resultado superior ao necessário (desatenção, imponde-
ração ou demasiada precipitação); CONSIDERANDO que nessa perspectiva,
a legítima defesa, assim como todas as demais causas de excludentes de
ilicitude, deve obedecer aos limites legais, não podendo o agente exceder do
seu direito, posto que o excesso é a intensificação desnecessária de um fato
típico inicialmente amparado por uma causa de justificação; CONSIDE-
RANDO que diante dessa realidade é preciso ter cautela quando se aborda o
erro na execução, tendo em vista que a teoria deve ser aplicada conforme
cada caso concreto e de acordo com o acervo probatório, pois no caso de
aberratio ictus (erro na execução) por mais que seja remota, existe a chance
de o agente que lesionar terceiro agir de forma culposa, devendo ser respon-
sabilizado por suas práticas; CONSIDERANDO que dessa maneira, é de se
confessar que a análise do instituto da legítima defesa no que se refere ao
excesso na conduta dolosa e culposa é bastante complexa e subjetiva, por
isso vejamos as palavras de Rogério Greco, (2017, p. 493, 494), que contribui
e acrescenta: Ocorre o excesso culposo nas seguintes situações: “(…) quando
o agente, em virtude da má avaliação dos fatos e da sua negligência no que
diz respeito à aferição das circunstâncias que o cercavam, excede-se em
virtude de um “erro de cálculo quanto à gravidade do perigo ou quanto ao
modus da reação” (excesso culposo em sentido estrito). Nesse caso, trata-se
da desnecessária intensificação de uma conduta inicialmente legítima. Nesse
diapasão, predomina na doutrina o entendimento de que o excesso decorre
tanto do emprego do meio desnecessário como da falta de moderação. Assim,
ante a configuração do excesso culposo o agente responderá por aquilo que
ocasionar, pois o excesso não provoca a exclusão total da legítima defesa;
CONSIDERANDO que o aconselhado agiu com excesso diante da legítima
defesa, posto a falta de dever de cuidado objetivo ao repelir a agressão (erro
de calculo), excedendo culposamente os limites do seu exercício do seu direito
de defesa; CONSIDERANDO que dessa maneira, exclui-se o dolo baseando-se
no Art. 20 do CP, tendo em vista que o autor não tinha nenhuma intenção de
que o resultado fosse atingir terceira pessoa; CONSIDERANDO todo o
apurado, não há respaldo probatório para indicar o dolo do aconselhado em
disparar a arma de fogo com o intuito de destruir a vida da vítima, pelo
contrário, contudo exime-se de qualquer dúvida que, o aconselhado, profis-
sional treinado e preparado, com larga experiência, faltou com o dever de
cuidado com seu armamento e agiu fora dos padrões de segurança exigidos,
mormente, diante da técnica de abordagem policial, no sentido de pôr risco
a vida e a integridade física de pessoas inocentes e que não ofereciam nenhum
risco, resultando numa fatalidade, in casu, a morte de terceira pessoa; CONSI-
DERANDO por fim, que as instâncias administrativa e penal são parcialmente
inter-relacionadas, interagindo na medida da lei, de modo que a independência
entre as esferas aparece como a regra; CONSIDERANDO o resumo de assen-
tamentos do 1º SGT PM Pereira, sito às fls. 192/193, o qual conta com mais
de 26 (vinte e seis) anos de efetivo serviço, 08 (oito) elogios, encontrando-se
no comportamento EXCELENTE; CONSIDERANDO que faz-se imperioso
salientar que a douta Procuradoria-Geral do Estado, em atenção à consulta
solicitada pela Polícia Militar do Ceará, através do Viproc nº 10496900/2020,
no tocante a aplicação das sanções disciplinares de permanência e custódia
disciplinares, após o advento da Lei Federal nº 13.967/2019, exarou o seguinte
entendimento, in verbis: “(…) A interpretação alternativa (total revogação
das sanções de permanência disciplinar e custódia disciplinar) seria absurda,
uma vez que impossibilitaria a sanção por faltas médias e por faltas graves
para as quais não caiba demissão ou expulsão, relaxando indevidamente a
disciplina constitucionalmente exigida dos militares (art. 42, caput, da CRBF).
Por todo o exposto, permite-se concluir que, a partir de 27/12/2020, (1) não
pode mais haver restrição à liberdade dos militares estaduais em decorrência
da aplicação das sanções de permanência disciplinar e custódia disciplinar,
mesmo que aplicadas em data anterior; (2) pode haver aplicação das sanções
de permanência disciplinar e custódia disciplinar, nas hipóteses do art. 42, I,
II e III, da Lei estadual 13.407/2003, com todos os efeitos não restritivos de
liberdade daí decorrentes” (sic). grifo nosso. Nessa toada, o Excelentíssimo
Senhor Procurador-Geral Executivo Assistente da PGE, ratificou o entendi-
mento acima pontuado, contudo, destacou a seguinte ressalva, in verbis: “(…)
No opinativo, o d. consultor traz alguns exemplos desses efeitos que se mantém
hígidos. Um desses efeitos que entende ainda prevalecer consiste na perda
da remuneração do militar pelos dias de custódia, estando essa previsão
albergada no art. 20, §1º, da Lei Estadual nº 13.407/2003, que estabelece que,
“nos dias em que o militar do Estado permanecer custodiado perderá todas
as vantagens e direitos decorrentes do exercício do posto ou graduação,
inclusive o direito de computar o tempo da pena para qualquer efeito”. Para
exame fiel do tema sob o novo prisma legal, crucial é não confundir efeitos
da sanção custódia disciplinar, estes, sim, passíveis de subsistir se não impli-
carem restrição ou privação da liberdade do militar, com consequências legais
que vêm à baila não propriamente por conta da custódia disciplinar, mas,
sim, da privação ou restrição de liberdade dela decorrente. Este parece ser o
caso justamente da perda da remuneração. Essa última apresenta-se uma
consequência legal motivada diretamente não pela sanção de custódia disci-
plinar, mas pelos dias que o agente, porquanto restrito ou privado de sua
liberdade, não pôde trabalhar. A perda da remuneração, pois, não constitui,
propriamente, sanção, diferente do que se daria em relação da multa como
sanção disciplinar. Diante disso, deixa-se aprovado o opinativo, apenas quanto
à ressalva consignada nesta manifestação (…)” (sic) grifos nosso; CONSI-
DERANDO ainda, que diante do que fora demonstrado acima, tal servidor
não preencheu os requisitos legais para aplicabilidade, ao caso “sub examine”,
dos institutos despenalizadores previstos na Lei nº 16.039/2016, consoante
o disposto no Art. 3º, inc. III; CONSIDERANDO que a Autoridade Julgadora,
no caso, o Controlador Geral de Disciplina, acatará o relatório da Autoridade
Processante (Sindicante ou Comissão Processante), salvo quando contrário
às provas dos autos, consoante descrito no Art. 28-A, §4° da Lei Complementar
n° 98/2011; RESOLVE, por todo o exposto: a) Acatar o entendimento
exarado no Relatório Final da Comissão Processante, por maioria de votos
(fls. 537/559), e aplicar ao policial militar 1º SGT PM ARLEUDO
Fechar