DOE 13/07/2021 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIII Nº162 | FORTALEZA, 13 DE JULHO DE 2021
que “aos militares do Estado da ativa são proibidas manifestações coletivas sobre atos de superiores, de caráter reivindicatório e de cunho político-partidário,
sujeitando-se as manifestações de caráter individual aos preceitos deste Código.” CONSIDERANDO que não se olvida que a liberdade de expressão é um
direito fundamental, revestido de normatividade típica dos princípios, os quais ordenam que suas consequências normativas sejam realizadas na maior medida
possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas, em cada caso concreto. O fato de Wescley ser militar ao tempo da conduta apurada, e, portanto sujeito
a um regime jurídico específico, são justamente os aspectos fáticos e jurídicos que restringem a amplitude do direito a liberdade de expressão no caso concreto;
CONSIDERANDO que não são apenas os militares que tem a liberdade de expressão limitada. À guisa de exemplo, outras categorias também têm a liberdade
de expressão restringida em razão de vínculo especial com o Estado. É o caso dos membros da Magistratura, que tiveram o exercício de tal direito regulado
pelo Provimento 71/2018 da Corregedoria Nacional deJustiça do Conselho Nacional de Justiça, que estabeleceu restrições para manifestações político parti-
darias em redes sociais. Ao ser demandado para dizer o direito em relação a uma suposta violação do direito de liberdade de expressão, o STF indeferiu
liminar no MS 35.793, ementada como segue: “DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CNJ.
PROVIMENTO Nº71/2018. MANIFESTAÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA DE MAGISTRADOS EM REDES SOCIAIS. 1. Mandado de segurança impe-
trado contra o Provimento nº 71/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça, que dispõe sobre a manifestação de magistrados nas redes sociais. 2. Como regra
geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de: (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância dascompetên-
cias do Conselho; e (iii)injuridicidade ou manifesta irrazoabilidadedo ato impugnado. Não se identifica qualquer dessas hipóteses. 3. A liberdade de expressão,
com caráter preferencial, é um dos mais relevantes direitos fundamentais preservados pela Constituição. As restrições ao seu exercício serão somente aquelas
previstas na Constituição. 4. A vedação ao exercício de atividade político-partidária por membros da magistratura (CF/1988, art. 95, parágrafo único, III) é,
precisamente, uma das exceções constitucionais à liberdade de expressão plena. O fundamento dessa previsão repousa no imperativo de imparcialidade e
distanciamento crítico do Judiciário em relação à política partidária. 5. Manifestações públicas em redes sociais com conteúdo político-partidário geram
fundado receio de abalo à independência e imparcialidade do Judiciário. Magistrados não se despem da autoridade do cargo que ocupam, ainda que fora do
exercício dafunção. 6. A nova realidade da era digital faz com que as manifestações de magistrados favoráveis ou contrárias a candidatos e partidos possam
ser entendidas como exercício de atividade político-partidária. Tais declarações em redes sociais, com a possibilidade de reprodução indeterminada de seu
conteúdo e a formação de algoritmosde preferências, contribuem para se alcançar um resultado eleitoral específico, o que é expressamente vedado pela
Constituição. 7. O Provimento nº 71/2018 interpretou demaneira razoável e adequada o sentido da Constituição na matéria e é relevante parabalizar a conduta
dos seus destinatários. 8.Liminar indeferida (MS 35.793/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 6.9.2018)”; CONSIDERANDO que os militares, sejam inte-
grantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), sejam membros das Forças Auxiliares e Reserva do Exército (Polícias Militares e Corpos
de Bombeiros Militares), nas suas respectivas funções, encontram-se subordinados a um conjunto de deveres e obrigações (regime jurídico), baseados na
hierarquia e disciplina, conforme os arts. 42 e 142 da Constituição Federal de 1988, cuja não observância confere à Administração o poder-dever de sancionar
a conduta do transgressor. A organização da Polícia Militar com base nos sobreditos valores da hierarquia e disciplina tem matriz em nossa Carta Política,
e, tal qual os direitos e garantias fundamentais, são constitucionalmente protegidos, podendo servir de limites ao exercício de tais direitos, mormente quando
seu gozo se der de modo abusivo, violando o princípio da convivência das liberdades ou comprometendo fins institucionais, como no caso da conduta perpe-
trada pelo acusado, que agiu de modo ofensivo contra o Governador do Estado do Ceará, a maior autoridade hierárquica das corporações militares, conforme
previsto na Constituição Federal (art. 144, §6º) e Estadual (art. 88, IX); CONSIDERANDO que, nos termos do art. 88, IX, da Constituição do Ceará, compete
privativamente ao Governador do Estado exercer o comando supremo das organizações militares estaduais. Deste modo, agir de modo ofensivo e desrespei-
toso contra a maior autoridade a qual se está subordinado denota um grau de reprovabilidade acentuado, ensejando uma reprimenda disciplinar proporcional
a envergadura da falta funcional cometida, que caracterizou transgressão disciplinar de natureza grave, por atentar contra o Poder Constituído do Cargo de
Governador do Estado; CONSIDERANDO que o Código de Penal Militar prevê como crime, em seu art. 166, “Publicar o militar ou assemelhado, sem
licença, ato ou documento oficial, ou criticar públicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Govêrno.”
E, por força do disposto no art. 12, §1º, I, da Lei nº 13.407/03, são transgressões disciplinares os fatos compreendidos como crime, como se observa pela
literalidade do dispositivo: “Art. 12. […]§1º. […] I - todas as ações ou omissões contrárias à disciplina militar, especificadas no artigo seguinte, inclusive os
crimes previstos nos Códigos Penal ou Penal Militar”; CONSIDERANDO que A constitucionalidade do art. 166 do CPM foi defendida pela pela Procuradoria
Geral da República, nos autos da ADPF nº 475/DF, in verbis: “… 2. A disciplina e hierarquia são vetores constitucionais estruturantes das instituições mili-
tares e conformadores de todas as suas atividades. Não são meros predicados institucionais, mas verdadeiros pilares que distinguem as organizações militares
das demais organizações civis ou sociais. Esse regime jurídico especialíssimo diferencia, em termos de exercício dos direitos individuais, os militares dos
servidores públicos civis e demais cidadãos. Precedentes. 3. A manifestação pública de crítica a superior hierárquico ou a assunto atinente à disciplina militar,
além de romper com a disciplina e hierarquia, coloca em descrédito a própria instituição militar. Por tal motivo, é natural uma maior rigidez para o militar
expressar sua opinião acerca de temas atinentes à esfera castrense. 4. A relação especial de sujeição militar, pautada na disciplina e na hierarquia, impõe
restrições ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação, que têm o seu âmbito de proteção reduzido para preservar a integridade da insti-
tuição militar. 5. Eventuais abusos no exercício do direito à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento que impliquem ruptura com a disciplina
e hierarquia militar e consequente descrédito da instituição devem ser examinados caso a caso e não por fórmula generalizada que reconheça a atipicidade
de toda e qualquer conduta baseada na liberdade de expressão ou de informação…”; CONSIDERANDO, por todo o exposto, ser patente que as transgressões
narradas na portaria e confirmadas nos presentes autos se subsomem ao tipo penal do art. 166 do CPM, constituindo transgressão na forma do aludido art.
12, §1º, I, da Lei nº 13.407/03. O fato é que a conduta do acusado transcendeu os limites da mera opnião e o que ele chamou de liberdade expressão configurou
abuso de tal direito, revestindo-se de ilicitude ao exceder manifestamente os limites impostos pelo regime militar no qual estava inserido; CONSIDERANDO
que além de estar plenamente caracterizada a transgressão equiparada ao crime militar de publicação de crítica indevida aos seus superiores hierárquicos
máximos, o Governador e o Secretário de Segurança Pública, é evidente que, ao proferir a expressão “já era pra ter parado, porém a tropa bem que podia
pedir a renúncia dele e aumento” (fls. 60/61, 140/141 e 152/153), tinha a intenção clara de incitar os demais profissionais de segurança pública a se rebelarem
contra o Estado, o que faz tal conduta incidir claramente em falta disciplinar assemelhada ao tipo penal de incitamento, previsto art. 155 do Código Penal
Militar, com a seguinte redação: “Incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar.” É axiomático que tal comportamento, por provocar
militares à paralisação e ainda condicionar tal ato ilícito a um pedido de renúncia do Governador do Estado, também é de natureza bastante grave, por igual-
mente ser atentatório aos poderes constituídos, à instituição Polícia Militar, à coletividade e ao Estado, enquadrando-se no art. 12, §2º, I da Lei nº 13.407/03.
Aliás, segundo o STF, “O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado a todos os servidores públicos que atuem diretamente
na área de segurança pública. STF. Plenário. ARE 654432/GO, Rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 5/4/2017
(repercussão geral) (Info 860)”. Nesse diapasão, qualquer conduta que vise provocar paralisação das forças de segurança, ainda que apenas induzindo ou
instigando o ato, é extremamente condenável, por colocar em risco a ordem pública e a incolumidade das pessoas; CONSIDERANDO que importa ainda
enfatizar que a acusação envolveu um conjunto de condutas graves, devidamente comprovadas, levadas a efeito por alguém que, com pouquíssimo tempo
na vida castrense, violou reiteradamente os valores e deveres institucionais, circunstância que alavanca o grau de reprovação das ações funcionais ilícitas;
CONSIDERANDO que, a toda evidência, assiste razão ao posicionamento da comissão processante de enquadrar as transgressões do ex-policial militar
Wescley Oliveira dos Santos como violadoras dos valores do art. 7º, incisos II, III, IV, V, VI e VII, bem como dos deveres expressos no art. 8º, incisos IV,
V, VI, VIII, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVIII, XIX, XXI (alínea “c”), XXIII e XXVII, caracterizando ainda transgressão disciplinar na forma do art. 12, § 1º,
incisos I e II, e § 2º, inciso I, c/c art. 13, § 1º, incisos XXVIII, XXX, XXXIII e LVIII, e §2º, IX, XX e LIII, todos da Lei nº 13.407/03. Além do enquadramento
feito pela comissão processante, as transgressões capitaneadas pelo acusado, também ficam sujeita à seguinte tipificação disciplinar: Art. 12, §1º, I, da Lei
nº 13.407/03 combinado, de modo equiparado, com o art. 155 e 166, do CPM; CONSIDERANDO que se sobressai que as faltas funcionais se mostraram
atentatórias aos Poderes Constituídos, às instituições ou ao Estado, condição prevista legalmente no art. 12, § 2º, I da Lei nº 13.407/03 como uma das neces-
sárias para classificar uma transgressão como de natureza grave, devendo-se ainda essa motivação determinante ser levada em conta, na forma do art. 33 do
mesmo diploma legal, como circunstância desfavorável na aplicação da sanção; CONSIDERANDO que a gravidade de um fato dessa ordem exige uma
atuação efetiva do poder disciplinar, resguardando a expectativa social de que a Administração Pública tem compromisso com a atuação legal de seus agentes.
Dessarte, tendo havido comprovadamente um ato incompatível com a função militar estadual, é evidente que a aplicação da sanção de DEMISSÃO do
acusado impõe-se como a medida que o caso requer, com efeitos apenas declaratório, pois qualquer decisão diversa da ora imposta seria desproporcional ao
nível de violação do pundonor militar provocado pela ação transgressiva. Com efeito, os atos ofensivos ao decoro da classe ensejam como sanção legal
cabível ao caso a DEMISSÃO, incidindo apenas com efeitos declaratórios pelos motivos já enfrentados, na forma do caput do art. 23 da Lei nº 13.407/03,
haja vista a aviltante violação do pundonor castrense; CONSIDERANDO que, levando-se em conta o resumo de assentamentos funcionais do ex policial
militar (fls. 80/81), durante o tempo em que esteve na instituição, verifica-se que ele ingressou na PMCE em 04/01/2019, não possui registro de elogio. Existe
registro de uma reprimenda disciplinar (repreensão publicada no BI nº 032/2019 - 22ºBPM). Registro de 03 (três) procedimentos arquivados, 04 (quatro)
procedimentos instaurados e afastamento preventivo Encontrava-se no comportamento bom; CONSIDERANDO que urge ainda pontuar que não se vislum-
brou neste processo qualquer óbice ou vício de formalidade, de modo que, por isto, concordo com a pertinente análise feita pelo então Sr. Orientador da
Célula de Disciplina Militar - CEDIM/CGD (fls. 317/318), corroborada pela Coordenação de Disciplina Militar - CODIM/CGD (fls. 319/322); CONSIDE-
RANDO que a Autoridade Julgadora, no caso, o Controlador Geral de Disciplina, acatará o relatório da Autoridade Processante (Sindicante ou Comissão
Processante), salvo quando contrário às provas dos autos, consoante descrito no Art. 28-A, §4° da Lei Complementar n° 98/2011; RESOLVO: a) Acatar o
Relatório Final da Comissão Processante (fls. 293/316) e punir, apenas com efeitos declaratórios, o ex-militar estadual MÁRCIO WESCLEY OLIVEIRA
DOS SANTOS - M.F. nº 309.162-0-4, com a sanção de DEMISSÃO, nos moldes do Art. 23, inc. II, alínea “c”, c/c Art. 33, em face da prática de atos que
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