DOE 20/05/2021 - Diário Oficial do Estado do Ceará
omissões contrárias à disciplina militar, especificadas no artigo seguinte, inclusive os crimes previstos nos Códigos Penal ou Penal Militar”; CONSIDERANDO
que, partindo-se da premissa de que o fato imputado se assemelha ao aludido delito (art. 121 do CP), analisar-se-á o caso, mutatis mutandis, à luz do enten-
dimento que se daria na seara Penal, posto comungarem da mesma ratio juris; CONSIDERANDO que, no caso sob julgamento, a materialidade é um fato
incontroverso diante da morte de Antônio Carlos Pinheiro da Silva, conforme atestada no laudo cadavérico de fls. 127/129. Outra premissa que pode ser
estabelecida com certeza inquestionável é que a causa da morte de Antônio Carlos foi um tiro disparado pela arma portada pelo SD PM José Josivan Freitas
de Araújo, acusado neste Processo Administrativo Disciplinar, destinado a, na forma do art. 88 c/c art. 103 da Lei nº 13.407/03, apurar a falta funcional
imputada e se, estando ela comprovada, o acusado reúne ou não capacidade moral para permanecer no serviço ativo da PMCE; CONSIDERANDO que, ante
a esses pressupostos, isto é, que o resultado transgressivo possui nexo de causalidade incontestável com a conduta do acusado, o cerne da presente decisão
consiste em apurar a ilicitude ou licitude do fato sob apuração; CONSIDERANDO, inicialmente, ser preciso fixar que, por se tratar de uma transgressão que
se equipara a um crime de homicídio, estamos diante de um fato regido pela indiciariedade da ilicitude (teoria da ratio cognoscendi), segundo a qual, havendo
fato típico, presume-se, de modo relativo (juris tantum), sua antijuridicidade, que só é afastada quando demonstrada uma causa de justificação ou mesmo se
houver fundada dúvida sobre sua existência; CONSIDERANDO que a causa de excludente alegada pelo acusado e seus patronos foi a legítima defesa,
justificante que repousa na noção de ser autorizado se repelir uma injusta agressão, atual ou iminente, usando moderadamente dos meios necessários. Isto
posto, cumpre se verificar se os elementos de prova jungidos ao caderno processual autorizam inferir se o acusado foi sujeitado a uma injusta agressão por
parte do falecido; CONSIDERANDO que, na busca de estabelecer com precisão os elementos de prova que possam deslindar com segurança se houve ou
não uma injusta agressão autorizadora da legítima defesa, exsurge de todo o cenário das provas testemunhais que a vítima não estava armada ou portando
qualquer outro objeto que pudesse representar risco ao acusado. Por mais que parte das testemunhas tenham se referido a um volume em sua cintura, tal arma
não foi visualizada e muito menos apreendida de modo se comprovar tal alegação. Até mesmo a testemunha que afirmou ter ouvido a vítima dizer “vou dar
um rajada” antes de ser baleada, mencionou que não viu de fato uma arma e nem observou qualquer volume suspeito na cintura do ofendido. Mesmo se
compreendermos que de fato a expressão “vou dar um rajada” tenha sido proferida pela vítima no momento da discussão, tanto não há aí uma injusta agressão
real, como também é impossível se sustentar a ocorrência de uma legítima defesa putativa, porquanto o próprio acusado alega que praticou uma legitima
defesa real, aduzindo que visualizou, em mais de um instante, Antônio Carlos armado com um revólver. A propósito, além de nenhuma testemunha ter visto
a vítima Antônio Carlos armada e nenhuma arma ter sido apreendida, há uma circunstância de ordem lógica que se destaca ainda mais como elemento de
cognição apto a afastar a tese da legítima defesa narrada no interrogatório, que é exatamente a postura do acusado após o evento em questão, dado que se
ausentou do local e não comunicou, ao menos via CIOPS, que havia sido vítima de um roubo com emprego de arma de fogo, bem como não solicitou reforço
para que a arma que alegou estar na posse do suposto assaltante fosse procurada pelos policiais de serviço da área e que a vítima do disparo fosse socorrida,
conduta em total desacordo com a expectativa razoável da atuação de um agente de segurança pública frente a um ilícito. Aliás, o militar, em decorrência do
mister constitucional de mantenedor da ordem pública que lhe é atribuído, tinha o dever de comunicar imediatamente ao policiamento que havia uma pessoa
armada e ferida, bem como narrado as circunstâncias do ocorrido; CONSIDERANDO, no mesmo sentido, ser contraditória a afirmação do próprio acusado
de que teria retornado ao local do fato para saber o que teria ocorrido com a vítima. Tal alegação é, do ponto de vista lógico, inverossímil, posto ser desar-
razoado que ele tenha deixado o local por temer por sua vida e retornado a este mesmo lugar desacompanhado de apoio policial; CONSIDERANDO, noutro
giro, ser pertinente rechaçar o argumento da defesa de que a ficha criminal da vítima, com passagens pela polícia por crime de homicídio e tráfico de drogas,
comprova que ele estaria armado, já que tal alegativa não importa necessariamente nessa conclusão e também não impede, por óbvio, que ele possa ser sujeito
passivo do crime de homicídio; CONSIDERANDO que, em suma, sem que tenha restado apreendido algum instrumento utilizado pela vítima para causar
injusta agressão contra o militar ora acusado, bem como inexistindo testemunhas que sustentem com segurança que a vítima estava armada, e ainda sem que
a atitude do acusado após os fatos corresponda a razoável atitude esperada e devida de um policial militar, não há como acolher a tese de que o SD PM José
Josivan Freitas de Araújo foi injustamente agredido ou ficou na iminência de sê-lo. Assim, afastada a tese da legítima defesa, por ausência de força probatória
que a alicerce, ainda que a título de dúvida razoável, estabelece-se, com o grau de certeza devido para as finalidades de um processo acusatório, que o servidor
processado desferiu um disparo de arma de fogo que vitimou a vítima Antônio Carlos, causando ilicitamente sua morte, é dizer, à ausência de qualquer prova
material ou mesmo testemunhal da qual se depreenda realmente uma injusta agressão, a alegação de legítima defesa aventada se limita ao campo puramente
argumentativo; CONSIDERANDO que, estando superado fundamentadamente o tópico referente a ilicitude, tem-se por comprovada a transgressão disciplinar,
restando perquirir as circunstâncias que orbitam em torno do fato, destacando-se, no caso, a motivação para a prática do ato, que supostamente teria decorrido,
segundo deduzido na Portaria de Instauração do presente feito, de uma discussão por motivos eleitorais. Aliás, rememore-se que, com supedâneo em todo o
acervo probante, é ponto incontroverso que houve uma discussão entre o processado e a vítima do disparo; CONSIDERANDO, sem embargo, que todos os
depoentes que contribuíram para a formação do acervo probatório testemunhal firmaram compromisso legal de dizer a verdade, e devem, caso não haja
indícios da prática de crime de falso testemunho, ter seus termos interpretados de acordo com o princípio da boa-fé, é forçoso reconhecer que as divergências
acerca de certas circunstâncias fáticas não autorizam que se firme entendimento seguro sobre a conotação política que supostamente envolveu a prática do
ato. Como se observa, apenas os familiares da vítima mencionaram que o militar acusado fez referência a um dos candidatos por meio de um grito. As demais
testemunhas não ouviram tal exclamação. Note-se que não se olvida que os depoimentos dos familiares são plenamente válidos sob o prisma jurídico, conforme
registrou a comissão no relatório final, por não haver impeditivo legal para que testemunhem, mas acolhê-los como verdade em detrimento dos outros teste-
munhos pode conduzir a uma reconstrução enviesada do caso. Também é digno de nota a divergência entre o depoimento da vó do ofendido (fls. 56/56-V)
e o que ela supostamente teria dito aos policiais encarregados da ordem de missão nº 92/2016 – DAI/CGD (fls. 34 do IP), segundo os quais a referida teste-
munha teria dito não ter presenciado o evento apurado. Sobreleve-se ainda que algumas testemunhas também afirmaram que a vítima não estava com qual-
quer bandeira que fizesse referência a candidato a cargo político no momento em que discutia com o militar; CONSIDERANDO que, em se comprovando
que a motivação do disparo foi por divergência de ordem político-partidária, teríamos evidente configuração de motivo torpe, por seu caráter repugnante e
vil ao convívio em uma sociedade democrática. Todavia, como não foi possível esclarecer com certeza o conteúdo da conversa travada entre o ofensor e o
ofendido, isto é, se ouve ou não um grito referindo-se a algum político ou se a vítima portava ou não uma bandeira de um dos candidatos amarrada em sua
bicicleta desde o início da desavença, duvidas que se extraem dos depoimentos com afirmações discordantes em relação a essas circunstâncias, resta apenas
a conclusão de que houve de fato uma discussão de trânsito, por motivo não conhecido, que precedeu o desfecho fatal. De todo modo, é imprescindível deixar
assentado que efetuar um disparo de arma de fogo contra alguém após um desentendimento no trânsito, configura, por si só, motivo fútil, que também e uma
qualificadora do crime de homicídio, e, por via de consequência, da transgressão disciplinar que lhe é equiparada; CONSIDERANDO que o fato de o episódio
transgressivo ter ocorrido no dia da eleição, bem como a circunstância de o carro do acusado estar adesivado com imagens representando um dos lados da
disputa eleitoral e de ter sido apreendida uma bandeira do outro candidato que estaria no local do crime, ao lado das afirmações dos familiares, até autoriza
inferir a possibilidade de que a discussão travada antes do tiro tenha sido de cunho político, constituindo um nível de prova (standard probatório) conhecido
como evidencia preponderante (preponderance of evidence) ou mesmo de fato mais provável que sua negação (more probable than not). Todavia, o processo
punitivo acusatório só se contenta com prova robusta e inequívoca, isto é, além da dúvida razoável; CONSIDERANDO que, na hipótese do caso concreto,
ainda que a defesa do acusado tenha lançado dúvida sobre o motivo torpe decorrente de eventual discussão política por conta das testemunhas juramentadas
que arguiram dúvida quanto a essa motivação, persiste o motivo fútil para um disparo que retirou a vida de uma pessoa, porquanto é manifestamente despro-
porcional e banal que se mate alguém após uma discussão eventual no trânsito, tal qual fez o militar ao efetuar um disparo fatal contra uma vítima desarmada,
conforme se depreende dos depoimentos nos quais, repita-se, ninguém visualizou Antônio Carlos Pinheiro da Silva armado; CONSIDERANDO que, à luz
das razões expostas, o suporte fático probatório sito aos autos é suficientemente robusto para encerrar um juízo de certeza acerca da ocorrência do fato
transgressivo equiparado ao delito de homicídio pelo motivo fútil, diante do que se analisa, doravante, se, em consequência dessa falta funcional, o acusado
reúne capacidade moral para permanecer no serviço ativo da PMCE, nos termos do art. 103 c/c art. 98 da Lei 13.407/03; CONSIDERANDO que, de tudo
quanto já foi relatado, se sobressai que a falta funcional se mostrou atentatória aos direitos humanos fundamentais, condição prevista legalmente no art. 12,
§ 2º, II, da Lei nº 13.407/03, como uma das necessárias para classificar uma transgressão como de natureza grave, haja vista a ofensa ao bem jurídico vida,
em conduta levada a efeito por motivo fútil, devendo-se ainda essa motivação determinante ser levada em conta, na forma do art. 33 do mesmo diploma legal,
como circunstância desfavorável na aplicação da sanção; CONSIDERANDO que a transgressão equiparada ao delito homicídio, portanto, fica sujeita ao
seguinte enquadramento disciplinar: Art. 12, §1º, I e II, da Lei nº 13.407/03 combinado, de modo equiparado, com o art. 121, §2º, II, do CPB, afora as trans-
gressões do art. 13, §1º, XXXII e §2º, XV, bem como a violação dos valores previsto no Art.7º, incisos II, IV, V e X, e dos deveres consubstanciados no
Art.8º, incisos II, VIII, XIII, XV, XVIII, XXIX e XXXIV, todos da Lei nº 13.407/03; CONSIDERANDO que a gravidade de um fato dessa ordem exige
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIII Nº118 | FORTALEZA, 20 DE MAIO DE 2021
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