DOMFO 03/08/2021 - Diário Oficial do Município de Fortaleza - CE

                            DIÁRIO OFICIAL DO MUNICÍPIO 
FORTALEZA, 03 DE AGOSTO DE 2021 
TERÇA-FEIRA - PÁGINA 57 
 
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10 Declaração Universal dos Direitos da Criança (ONU – 1959), Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça 
da Infância e da Juventude (Regras de Beijing – 1985), Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança (ONU – 1989),       
Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Plano Nacional de    
Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006). 
 
1. MARCO CONCEITUAL  
 
 
Para compreender o fenômeno da Letalidade na adolescência faz-se necessário compreender as categorias de       
infância, adolescência, territórios vulneráveis e segurança pública. Segundo Ariès (2006 apud FEITOSA; SILVA, 2014, p. 04), até o 
século XVIII a criança não era reconhecida como um sujeito que possuía peculiaridades que a diferenciavam dos adultos, elas eram 
tidas como “adultos em miniatura”. 
 
 
De acordo com Mary Del Priore (1991), a concepção de infância da burguesia, infância indígena e infância negra no 
Brasil são completamente diferentes; enquanto a primeira era motivo de preocupação e investimento, as outras duas eram tratadas 
como mercadoria de compra e venda. Após a abolição da escravatura as crianças negras passaram a habitar as ruas e o olhar para 
as mesmas foi se alterando de acordo com o momento sociopolítico. No Império elas eram invisíveis e na Primeira República as    
crianças e adolescentes pobres que viviam nas ruas buscando completar o seu sustento eram chamados de “menores” e inicialmente 
foram objetos da filantropia.  
 
 
A presença destas crianças e adolescentes no espaço da rua e a realização de pequenos furtos passaram a incomodar 
a burguesia no período republicano e esses passaram de objeto da filantropia para a marginalização. A partir de então percebe-se 
uma dicotomia do conceito de criança de acordo com as classes sociais que pertenciam: as ricas eram puras e dignas de proteção, e 
as pobres, principalmente as negras, tornaram-se os “menores”, que “incomodavam” a sociedade com seus pequenos delitos. Foi 
ainda na República que nasceu o Códigos de Menores Mello Mattos11, legislando apenas para os pequenos infratores, que           
implementou programas como as FUNABEMs12 com o objetivo de higienizar as cidades dos “menores” que andavam nas ruas     
“perturbando” a sociedade. 
 
 
Nos anos 90, com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o conceito de infância e adolescência 
mudou e no Brasil passou-se a considerá-los como sujeitos de direito. A doutrina da Proteção Integral13 definiu a criança e o                 
adolescente como seres em desenvolvimento que necessitavam de prioridade absoluta nas formulações das políticas públicas. A 
palavra “sujeito” traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de personalidade e 
vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como seres passivos, subalternos ou meros “objetos”, 
 
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11 Código de Menores Mello Mattos – Decreto 17.943-a /1927, primeira lei dedicada à proteção da infância e adolescência no país. 
“Art. 1º - O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela    
autoridade competente ás medidas de assistencia e proteção”. (sic).  
 
12 Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) – Lei Federal nº 4513/1964, criada para incorporar o patrimônio e as 
atribuições do serviço de assistência a menores, e dar outras providências.  
 
13 Proteção Integral – Doutrina adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que assenta-se em três princípios:           
a) Criança e adolescente como sujeitos de direito – deixam de ser objetos passivos para se tornarem titulares de direitos; b)                
Destinatários de absoluta prioridade; c) Respeitando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.  
devendo participar das decisões que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e 
grau de desenvolvimento. O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência 
Familiar e Comunitária (2006)14 lembra-nos que: 
 
O fato de terem direitos significa que são beneficiários de obrigações por parte de terceiros: a          
família, a sociedade e o Estado. Proteger a criança e o adolescente, propiciar-lhes as condições    
para o seu pleno desenvolvimento, no seio de uma família e de uma comunidade, ou prestar-lhes 
cuidados alternativos temporários, quando afastados do convívio com a família de origem, são,      
antes de tudo e na sua essência, para além de meros atos de generosidade, beneficência, caridade 
ou piedade, o cumprimento de deveres para com a criança e o adolescente e o exercício da              
responsabilidade da família, da sociedade e do Estado. Esta noção traz importantes implicações, 
especialmente no que se refere à exigibilidade dos direitos (CNAS; CONANDA, 2006, p. 25). 
 
 
Embora percebamos um avanço na legislação e na concepção de infância e adolescência, a cultura menorista e              
adultocêntrica ainda persiste e as crianças e adolescentes negros e pobres moradores de bairros periféricos ainda são estigmatizadas 
e são os mais vulneráveis ao risco da violência letal. No Relatório Final Vida Importa (2016b) ressalta-se que as crianças e                   
adolescentes oriundos dos bairros periféricos identificados como os territórios vulneráveis são os que têm maior probabilidade de 
serem vitimadas pela violência letal. Ainda segundo o relatório, a concepção de territórios vulneráveis está associada à ausência de 
acesso à saúde, habitação e políticas básicas de educação. Percebe-se que nestes locais as taxas de homicídios e as taxas de         
tuberculose são proporcionalmente parecidas, evidenciando que a ausência de políticas públicas e o descaso governamental são 
fatores que colocam a infância e a adolescência vulneráveis à letalidade.  
 
 
Embora o Brasil tenha dado enfoque às questões étnico-raciais através da promulgação da Lei nº 12.288, que criou o 
Estatuto da Igualdade Racial no ano de 2010 e institucionalizou uma série de iniciativas nos campos da educação, cultura, esporte, 
lazer, justiça, saúde, trabalho, moradia, acesso à terra, segurança e comunicação, pelos direitos dos negros e negras, a atual         
condição de miserabilidade econômica e de invisibilidade sofrida pelos negros ainda é reveladora do reflexo de uma violência real e 
simbólica, da discriminação racial, por vezes velada, pela qual sofrem diariamente milhares de pessoas negras no país, incluindo 
crianças e adolescentes.  

                            

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