131 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIII Nº216 | FORTALEZA, 21 DE SETEMBRO DE 2021 A razão desse entendimento jurisprudencial reside na necessidade de serem levadas em conta diversas circunstâncias que podem ter influência na produção da prova como particularidades da memória humana que, diante de uma situação traumática, pode induzir ao erro, sem mencionar os estereótipos, preconceitos, raiva, reticências psicológicas. Para chegar a essa conclusão, entendemos que os tribunais não consideraram apenas o formalismo legal, mas a necessidade de que sejam examinadas as diversas circunstâncias que podem influenciar a produção da prova, como as peculiaridades da memória humana, que muitas vezes podem induzir ao erro. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nesse sentido. Vejamos um trecho do acórdão da lavra do Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, nos autos do HC 598.886 – SC (2020/0179682-3), nesse diapasão : HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDa. (...) “2. Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis. (…) 4. O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático, máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais, já previamente selecionadas pela autoridade policial. E, mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato.“ O Ilustre Ministro propôs nova interpretação do art. 226 do CPP, para estabelecer que “O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa”. A quinta turma se alinhando ao entendimento da sexta turma, decidiu na mesma linha: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ROUBO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO E PESSOAL REALIZADOS EM SEDE POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. INVALIDADE DA PROVA. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA. AUTORIA ESTABELECIDA UNICAMENTE COM BASE EM RECONHECIMENTO EFETUADO PELA VÍTIMA. ABSOLVIÇÃO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018) 2. A jurisprudência desta Corte vinha entendendo que “as disposições contidas no art. 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento pessoal) de forma diversa da prevista em lei” (AgRg no AREsp n. 1.054.280/PE, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, DJe de 13/6/2017). Reconhecia-se, também, que o reconhecimento do acusado por fotografia em sede policial, desde que ratificado em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, pode constituir meio idôneo de prova apto a fundamentar até mesmo uma condenação. 3. Recentemente, no entanto, a Sexta Turma desta Corte, no julgamento do HC 598.886 (Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 18/12/2020, revisitando o tema, propôs nova interpretação do art. 226 do CPP, para estabelecer que “O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa”. (...) 6. O reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, ainda que confirmado em juízo, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial. O Supremo Tribunal Federal possui diversos precedentes seguindo esse entendimento: NULIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA – DEFENSOR PÚBLICO – NOMEAÇÃO. A nomeação de defensor público, ocorrida ante a inércia da defesa constituída e após a regular intimação do acusado para que indicasse novo advogado, não constitui cerceamento de defesa a implicar nulidade. RECONHECIMENTO PESSOAL – ARTIGO 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – VALOR PROBATÓRIO. O valor probatório do reconhecimento pessoal há de ser analisado considerado o atendimento às formalidades do artigo 226 do Código de Processo Penal, bem assim o confronto da descrição fornecida com os atributos físicos da pessoa identificada, de modo que a discrepância da narrativa com as verdadeiras características do acusado reduz significativamente a relevância probatória do reconhecimento. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO – FUNDAMENTO – DECISÃO CONDENATÓRIA. A utilização do reconhecimento fotográfico na condenação pressupõe existirem outras provas, obtidas sob o crivo do contraditório, aptas a corroborá-lo, revelando-se desprovida de fundamentação idônea decisão lastreada, unicamente, nesse meio de prova. (STF, HC 157007, Primeira Turma, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Julgado em 11/05/2020). Recurso ordinário em habeas corpus.2. Extorsão mediante sequestro e roubo majorado pelo emprego de arma de fogo e concurso de agentes. Condenação. Fixação do regime inicial fechado. 3. Reconhecimento fotográfico no âmbito do inquérito corroborado por outras provas dos autos. Possibilidade. 4. Elementos do tipo “extorsão mediante sequestro” devidamente configurados. 5. Provas demonstram emprego de arma de fogo e concurso de pessoas. 6. Fixação da pena-base acima do mínimo legal. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Ausência de ilegalidade. 7. Mantida a condenação, não há que se falar em alteração do regime prisional. 8. Recurso ordinário a que se nega provimento. (RHC 117980, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 03/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-120 DIVULG 20-06-2014 PUBLIC 23-06-2014) Por todo o exposto, verifica-se que o Reconhecimento de Pessoas, tanto na modalidade presencial, quanto na fotográfica deve obedecer o disposto do Art, 226, do Código Penal Brasileiro e para que se considere prova a subsidiar uma condenação, deve ser corroborada por outros meios de prova. III – CONCLUSÃO Com o objetivo de sempre qualificar o inquérito policial realizado pela Polícia Civil do Estado do Ceará e, nesse sentido, colaborar com justiça para a realização de um processo justo, assim como de seguir o entendimento dos tribunais superiores, que visam a um processo penal de matiz garantista e alinhada ao respeito à dignidade da pessoa humana, festejada pela Carta magna, propomos as seguintes medidas para o reconhecimento de pessoas, seja presencial ou fotográfico, a serem seguidas pelos Delegados de Polícia do Estado do Ceará, resguardada a sua independência funcional: 1 – a observância do disposto no art. 226, do CPP, de maneira a assegurar a melhor acuidade possível na identificação a ser realizada, sobretudo quanto a ordem das providências elencadas nos seus incisos, tanto para o reconhecimento presencial quanto fotográfico, atentando ao disposto no inciso I (descrição da pessoa a ser reconhecida), passo inicial importante para um reconhecimento eficiente; 2 – a colocação de pessoas semelhantes ao lado do suspeito será feita sempre que possível, devendo a impossibilidade ser devidamente justificada, a fim de evitar a invalidade do ato;Fechar