DOE 02/12/2021 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIII Nº269 | FORTALEZA, 02 DE DEZEMBRO DE 2021
a referência genérica a irregularidades, nem a simples indicação de dispositivo legal supostamente violado, porque ninguém pode defender-se de capitulação
jurídica. Deve estar indicado um comportamento singular do servidor, identificável no tempo, no espaço e na forma de concretização. A tipificação da infração
disciplinar deve ser realizada no momento da instauração do processo disciplinar, embora possa ser revista, como adiante será analisado, no momento da
indiciação do servidor. É preciso repisar que o princípio do contraditório incide na fase de instauração do processo disciplinar, e não somente na fase poste-
rior – o impropriamente chamado ‘inquérito administrativo’. O Supremo Tribunal Federal deixou implícito tal ponto de vista quando considerou a existência
da figura do acusado já na fase instrutória do ‘processo disciplinar’. Se a instauração não correspondesse a uma acusação, não seria possível ter um acusado
na instrução, fase imediatamente posterior àquela. Como ressaltou o ministro Moreira Alves, ‘a ampla defesa que o artigo 153 da referida lei assegura ao
acusado, com a observância do princípio do contraditório, não abarca apenas o indiciado, mas também o acusado em sentido estrito, que é a qualificação que
se dá, na fase instrutória do inquérito, ao ainda não indiciado’.” (Processo Administrativo Disciplinar, 3. ed. Saraiva, 2012. p. 257-8) (Grifo nosso) Portanto,
não merece prosperar a alegativa de qualquer irregularidade ou vício na portaria inicial, mormente de acordo com os requisitos legais e em simetria com a
boa doutrina e jurisprudência predominante. Quanto a participação da Comissão Externa, criada pelo Decreto nº 33.507/2020, incumbe à mesma “atuar como
observadora externa dos atos praticados pela CGD na condução dos feitos relacionados ao movimento de paralisação”, conforme o Despacho nº 020/2020-
GAB/PGE, de 28/09/2020, feita juntada aos autos (fls. 145/147-CD). No referido despacho é esclarecido que impõe a CGD notificar a Comissão dos atos a
serem praticados, “não configurando, porém, qualquer nulidade a ausências de seus membros à prática do correspondente ato, já que não figura como parte
integrante do processo”. Portanto, o não comparecimento do Ministério Público (Federal e Estadual) e da Ordem dos Advogados, apesar de previamente
cientificados dos atos que seriam realizados, não traz qualquer irregularidade ao feito. Pertinente às reflexões feitas na Defesa Prévia, pugnando pela inépcia
da portaria instauradora, elas já foram devidamente analisadas e decididas, conforme o Despacho nº 10.638 / 2020, (fls. 184/188-CD), reiterando-se o seu
inteiro teor e principalmente o entendimento esposado diante dos pedidos feitos pela Defesa. Com relação às alegações referentes ao mérito e outras arguições,
dentre as quais a negativa de ter exercido qualquer liderança no movimento paredista, o rol excessivo de supostas transgressões disciplinares atribuídas ao
ACUSADO e o pedido de arquivamento dos autos pela improcedência das acusações que lhes são imputadas, retratadas nos itens 5 à 10 do presente despacho,
tais arguições, por adentrarem ao mérito do já processado, somente serão analisadas ao final da instrução processual, por ocasião da sessão específica de
deliberação e julgamento, razão pela qual esta Trinca Processante deixa de se manifestar a respeito neste momento. Com efeito, ressalte-se que o questiona-
mento referente a ausência de perícia nas fotografias, áudios e vídeos colecionadas aos autos, pedido nesse sentido já foi apreciado e negado na análise da
Defesa Prévia, ao que transcrevemos a seguir na íntegra: “A respeito da veracidade ou comprovação de contemporaneidade das mídias apostas no processo
(fotos e vídeos), interessante destacar, sem ter a pretensão de se abordar com profundidade o tema sobre a Teoria Geral da Prova, que a prova digital, ou
prova eletrônica, indubitavelmente tem validade jurídica no processo administrativo disciplinar, sendo que não é destinada à formação da convicção do juiz,
como no processo judicial, mas sim à comissão e, posteriormente, à autoridade julgadora. Apesar de o uso de informações obtidas em fontes abertas como
meio de prova ter suscitado questionamentos quanto à legalidade de sua obtenção, bem como questões relacionadas à proteção da intimidade e privacidade,
não se pode ignorar que as plataformas sociais podem ser também utilizadas para o cometimento de crimes e transgressões disciplinares, o que não pode ser
tolerado pelo Direito em nome da proteção à privacidade. Em verdade, o entendimento jurisprudencial caminha no sentido de que é válida a utilização de
provas obtidas na rede mundial, inclusive em grupos fechados (comunidades virtuais, grupos de WhatsApp, etc), quando divulgados por um de seus parti-
cipantes, a exemplo de decisão da Primeira Turma do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujo excerto destaco: É lícita a prova fornecida por um dos
integrantes do ato comunicativo. Precedentes das Cortes Supremas brasileira e alemã. Situação que equivale à gravação ambiental de conversas por um dos
interlocutores, manobra cuja legalidade é afirmada de maneira uníssona pela jurisprudência. De todo modo, a disponibilização do conteúdo na rede mundial
de computadores levanta seu sigilo. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça e deste TJRJ. (RI 0253910-96.2013.8.19.0001 RJ 0253910-96.2013.8.19.0001
TJRJ, 2013) (Grifei) Como percebe-se no caso concreto, várias fotos e vídeos foram extraídas da página do ACUSADO mantida no facebook, conforme o
Relatório Técnico nº 063/2020 - COINT/CGD - 20/02/2020. Assim, mesmo com a alegativa de que o presente processo é baseado exclusivamente em rela-
tório interno feito unilateralmente pela PMCE e que as mídias constantes dos autos não tem atestado sua veracidade ou comprovação de contemporaneidade,
indefere-se que as mesmas sejam submetidas à perícia, pelo menos neste momento, em virtude da comprovação dos fatos independer de conhecimento
especial de perito, a exemplo do que é previsto para o servidor público federal nos parágrafos 1º e 2º do artigo 156 da Lei nº 8.112/1990, e, ainda, por o
pedido não ter nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos e da verdade, podendo esta Comissão Processante se valer de elementos outros de convicção
para formar seu juízo acerca da autoria e materialidade dos fatos que lhe são imputados, conforme previsto no parágrafo único do art. 315 do CPPM, usado
subsidiariamente pela intelecção do art. 73 da Lei nº 13.407/2003 (Código Disciplinar PM/BM). Ainda, sobre essa questão destaca-se abaixo alguns reper-
tórios jurisprudenciais: PEDIDO DE PERÍCIA EM FITA DE VÍDEO. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA
DE SENTENÇA PENAL TRANSITADA EM JULGADO OU DE INQUÉRITO POLICIAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA
E PENAL. INOCORRÊNCIA DE FLAGRANTE PREPARADO. REEXAME DAS PROVAS PRODUZIDAS PELA COMISSÃO PROCESSANTE.
IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, assim como a do Supremo Tribunal Federal, têm firme
entendimento no sentido de que a nulidade do processo administrativo disciplinar é declarável quando restar evidente a ocorrência de prejuízo à defesa do
servidor acusado, observando-se o princípio pas de nullité sans grief. 2. Do indeferimento do pedido de perícia da fita de vídeo que teria servido de base para
a acusação contra o impetrante não lhe adveio qualquer prejuízo, por isso que a comissão processante se valeu de elementos outros de convicção para formar
seu juízo acerca da autoria e materialidade dos fatos que lhe foram imputados. 3. “O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados imperti-
nentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos; Será indeferido o pedido de prova pericial, quando a comprovação
do fato independer de conhecimento especial de perito.” ( parágrafos 1º e 2º do artigo 156 da Lei nº 8.112 /90). 4. “Doutrina e jurisprudência são unânimes
quanto à independência das esferas penal e administrativa; a punição disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite o servidor pela
mesma falta, nem obriga a Administração Pública a aguardar o desfecho dos mesmos.” (MS 7.138/DF, Relator Ministro Edson Vidigal, in DJ 19/3/2001).
Precedente do STF. 5. Obtida a vantagem ilícita pelo servidor, com violação de dever funcional, não há falar em ocorrência de flagrante preparado (Enunciado
nº 145 da Súmula do Supremo Tribunal Federal). (MS 7863 DF 2001/0101945-5 (STJ). (Grifei) ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.
SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. ANULAÇÃO PARCIAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PROS-
SEGUIMENTO APÓS SANADO O VÍCIO. REGULARIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. DEFESA ADMINISTRATIVA
EFETIVADA. FATOS PROVADOS. ALEGAÇÕES QUANTO A PARTE DAS ACUSAÇÕES QUE NÃO SÃO SUFICIENTES POR SI SÓ PARA
ALTERAR RESULTADO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. 1. O mandado de segurança foi impetrado contra ato atribuído ao Ministro
de estado da Cultura consubstanciado na portaria n. 44/2011, que aplicou a pena de demissão ao impetrante por manter conduta desidiosa no desempenho
da função de fiscal de contrato de manutenção e abastecimento de veículos (arts. 116, vários incisos e 117, XV, da Lei n. 8.112/1990). 2. Anulação parcial
ou total de processo administrativo disciplinar, a teor da atual redação do art. 169 da Lei 8.112/1990, pode ser feita pela autoridade que instaurou o processo
ou por qualquer outra superior após a fase instrutória, na qual são efetivamente apurados, e não na portaria de instauração ou na citação inicial do processo
administrativo. Após anulação parcial, o novo termo de indiciamento (fls. 618/6262-STJ) observou exigências legais e constitucionais, perúnico. Salvo no
caso de exame de corpo de delito, o juiz poderá negar a perícia, se a reputar desnecessária ao esclarecimento da verdade. mitindo o exercício da ampla defesa.
Defesa essa efetivamente elaborada por advogado. 4. Não implica cerceamento de defesa o indeferimento de requerimento de produção de prova pericial, se
tal meio de prova não se faz necessário diante do quadro probatório. Ademais, provas que não poderiam ser infirmadas por perícia eram capazes por si sós
de conduzir à conclusão de que as condutas praticadas eram grave a ponto de determinar a imposição da penalidade de demissão. (MS 17227 DF 2011/0136408-4
STJ) (Grifei)” Portanto, não se tem como considerar o lastro de mídia audiovisual colecionado nos autos como provas ilícitas, mas ao contrário, podendo o
mesmo ser aceito no presente processo. Ex positis, com arrimo nas considerações e fundamentações suso expostas, INDEFERE-SE os pedidos feitos nas
Razões Finais de Defesa do ACUSADO.”; CONSIDERANDO que, cumpri acolher toda fundamentação da Comissão Processante em relação às alegações
de ordem preliminar e quanto ao mérito levantadas em sede de defesa final. Pertine, todavia, antes da análise da sessão de deliberação e julgamento e do
Relatório Final, apenas por reforço argumentativo, rebater duas arguições da defesa. Em relação à alegação de desconformidade na Portaria de Instauração,
bem como de “inequívoca ausência de imparcialidade da autoridade instauradora”, “porquanto já se parte da situação e entendimento configurado em desfavor
do ACUSADO, ao declarar a preexistência da incapacidade moral de o mesmo permanecer nos quadros da PMCE”, cabe um adendo, qual seja, a defesa
cometeu um equívoco, uma vez que não se referiu a um ato da autoridade instauradora, a Portaria, mas sim à portaria de Instalação (fl. 45), ato praticado
pela comissão processante. Acresça-se que a Comissão apenas cometeu um mero erro material ao utilizar a expressão no serviço ativo, o que, todavia, não
gera nenhuma irregularidade ao processo. Forçoso pontuar que o Conselho de Disciplina destina-se, legalmente, consoante o caput do art. 88 da Lei nº
13.407/03, “(…) a apurar as transgressões disciplinares cometidas pela praça da ativa ou da reserva remunerada e a incapacidade moral desta para permanecer
no serviço ativo militar ou na situação de inatividade em que se encontra.” Não reside aí nenhum vício que macule a imparcialidade da autoridade instaura-
dora, haja vista que na Portaria Inaugural constou que o Conselho tem por fim apurar “a incapacidade moral do mesmo de permanecer nos quadros da
POLÍCIA MILITAR DO CEARÁ”; CONSIDERANDO que, quanto à contestação de que os vídeos e imagens constantes nas mídias dos relatórios técnicos
da PMCE e COINT/CGD sejam provas ilícitas, inicialmente, calha pontuar que o material impugnado foi produzido por órgãos oficiais do estado (COINT/
CGD e ASSINT/PMCE), e, por tal razão, goza de presunção relativa de veracidade, que só deve ceder frente a prova que a infirme. Ressalte-se que, tanto
no relatório nº 063/2020 da COINT/CGD (fls. 09/20), como no Relatório nº 18/2020 da ASSINT/PMCE (fls. 26/29), constam os respectivos links de onde
as informações foram extraídas, inclusive de redes sociais do próprio aconselhado. Portanto, para que o questionamento da defesa fosse acolhido e ocorresse
a submissão dos vídeos à perícia, deveria ter havido fundamentação idônea que apontasse de modo plausível a ausência de autenticidade e veracidade do
material colhido. O fato de o aconselhado apenas alegar que não reconhece a autenticidade dos vídeos é inapto para afastar a legalidade da prova. Noutras
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