DOE 02/12/2021 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIII Nº269 | FORTALEZA, 02 DE DEZEMBRO DE 2021
não se sujeitarão ao Código Disciplinar. Deixando de se verificar tal condição e retornando ao serviço ativo ou à reserva remunerada, submeter-se-ão ao
regime jurídico disciplinar reitor da categoria, caso do aconselhado. Nessa esteira, obiter dictum, apenas para reforçar a conclusão de que a não incidência
do Código Disciplinar vincula-se ao exercício dos cargos citados, acresça-se que o Supremo Tribunal Federal fixou tese (Ação Penal nº 937) na qual conferiu
interpretação restritiva ao foro por prerrogativa de função, o qual só se aplica aos crimes praticados no exercício do cargo e em razão da função exercida.
Embora se trate de decisão sobre imunidade parlamentar, as razões jurídicas ali contidas, por também envolver garantias ao exercício de função pública, com
as devidas adequações à presente situação, também são aplicáveis ao processo disciplinar castrense, em sintonia com os brocardos hermenêuticos ubi eadem
ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento, haverá o mesmo direito) e ubi eadem legis ratio ibi eadem (onde há a mesma razão de ser, deverá
prevalecer a mesma razão de decidir). Assim, por inadmitir-se tal privilégio, bem como pela própria interpretação literal da Lei 13.407/03, ao aconselhado
Flávio Alves Sabino não é lícito se valer do fato de já ter sido parlamentar para tentar se subtrair do regime disciplinar castrense ao qual está legalmente
vinculado; CONSIDERANDO que quanto ao fato de ser suplente de deputado federal, observe-se o seguinte trecho de texto publicado na revista CONJUR
pelo ex-ministro do STJ Maurício Correa, sob o título “Suplente não tem nem direitos nem deveres de parlamentar”: “Já de início pode-se dizer acerca da
diferença conceitual entre as figuras de titular e suplente de mandato eletivo. Titular é o candidato que se elegeu para determinada vaga parlamentar, foi
diplomado e está apto a investir-se nas funções do mandato. Instalada a sessão administrativa, toma solenemente posse e passa a gozar das prerrogativas e
restrições impostas pelas leis. Entre as prerrogativas está a de ser somente processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal, que é seu foro por prerro-
gativa de função. […] O suplente não. Só passa a gozar dessas mesmas prerrogativas se convocado a ocupar a vaga do titular, em razão de renúncia, perda
do mandato ou licença. […] Dito isso, fica claro que o suplente, se não ocupar o lugar do titular, apenas possui expectativa de direito de poder ser convocado.
Enquanto o evento não se der, é cidadão comum, devendo como tal responder pelos atos comuns da vida civil. (Disponível em https://www.conjur.com.
br/2007-jul-16/suplente_nao_nem_direitos_nem_deveres_parlamentar); CONSIDERANDO que, no tocante à alegação de que seria radialista, se trata de
situação ainda mais frágil para afastar a aplicação do regime disciplinar. O aconselhado não pode se despir, no momento em que entender pertinente, da sua
posição jurídica de policial militar, valendo-se de outra condição, no caso a de radialista, como se isso pudesse ser um salvo-conduto para a violação dos
deveres e valores consubstanciados na ordem jurídica regente de sua categoria. Por outro lado, a alegação de que tenha atuado como jornalista não se mostra
consentânea com prova dos autos, as quais, em verdade, revelaram-se mais adequadas para comprovar que o CB PM RR Flávio Alves Sabino de fato atuou
como um dos “cabeças” do motim de parte dos policiais militares de 2020, ao incitar o movimento, antes da deflagração e durante o movimento, conclamando
mais militares para aderirem à paralisação de seus serviços, como restou fartamente demonstrado ao se descrever toda a instrução processual. Noutros termos,
não obstante o aconselhado possa ostentar a profissão de radialista, as provas dos autos não apontam que tenha comparecido à Assembleia legislativa e ao
18º BPM nessa condição; CONSIDERANDO, em resumo, que o aconselhado não pode se furtar de sua condição de militar estadual, que decorre da lei, em
detrimento de uma função na qual possui apenas expectativa de direito (suplente de deputado), bem como não poder se arvorar da condição de jornalista
como se isso lhe conferisse alguma espécie de imunidade disciplinar. Em deslinde dessa questão, o acusado é alcançado pela Lei nº 13.407/03 por ser membro
da Polícia Militar, instituição a qual ainda se encontra vinculado. Superada tal questão prejudicial, bem como outras de caráter preliminar, cumpre apresentar
os motivos determinantes da presente decisão. Nessa toada, no caso sub oculi, a fim de melhor retratar o contexto dos fatos e de sua gravidade, é necessário
ressaltar que os militares, sejam integrantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), sejam integrantes das Forças Auxiliares e Reserva do
Exército (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares), nas suas respectivas funções, encontram-se subordinados a um conjunto de deveres e obri-
gações (regime jurídico), baseados em dois princípios de organização tidos como pedras angulares de sua atuação, ou seja, hierarquia e disciplina, cuja não
observância confere à Administração o poder-dever de sancionar a conduta do transgressor, como forma de manter autoridade e a disciplina militar, como
vislumbrado nos arts. 42 e 142 da Constituição Federal de 1988.
Nessa perspectiva, hierarquia e disciplina militares não podem ser vistos como meros
atributos de organização e atuação da Administração Pública, mas como relevantes princípios de direito, de natureza axiológica e finalística, sob os quais se
sustentam todas as organizações militares. Dessa forma, enquanto a hierarquia delimita a atuação de cada agente militar dentro de suas atribuições, a disciplina
garante que os mesmos se mantenham fidedignos às suas missões constitucionais. Destarte, realizadas estas considerações, cabe destacar que, no presente
Conselho de Disciplina (CD), a pretensão acusatória deduzida na portaria tem substrato fático que se amolda tanto a tipos penais, como se enquadra em
transgressões disciplinares. Não obstante essa projeção do mesmo fato em instâncias punitivas distintas, o processo disciplinar não se presta a apurar crimes
propriamente ditos, mas sim averiguar a conduta do militar diante dos valores, deveres e disciplina de sua Corporação, à luz do regramento legal ao qual
estão adstritos, bem como, a relevância social e consequência do seu comportamento transgressivo em relação à sociedade; CONSIDERANDO, preliminar-
mente, cumprir sublinhar o enunciado contido no § 4º do Art. 28-A, da Lei Complementar nº 98, de 13/06/2011, in verbis: “ […] O Controlador-Geral de
Disciplina após o recebimento do processo proferirá a sua decisão. […] § 4º O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas
dos autos. […]”; CONSIDERANDO ser cediço que ao militar do Estado do Ceará compete, conforme prescreve o Art. 8º, IV e §3º, do Código Disciplinar
da Polícia Militar do Ceará e do Corpo Bombeiros Militar do Ceará, “servir a comunidade, procurando, no exercício de sua suprema missão de preservar a
ordem pública e de proteger a pessoa, promover, sempre, o bem-estar comum dentro da estrita observância das normas jurídicas e das disposições deste
Código”; CONSIDERANDO que, mesmo com o § 4º do art. 8º da Lei nº 13.407/03 preceituando, em sua primeira parte, que “É assegurado ao militar do
Estado inativo o direito de opinar sobre assunto político e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria pertinente ao interesse
público”, ainda assim os militares inativos alcançáveis pelo Codex devem observar limites no exercício de tal direito, porquanto a parte final do dispositivo
dispõe que nesses casos deve-se “observar os preceitos da ética militar e preservar os valores militares em suas manifestações essenciais.” Ou seja, trata-se
da noção elementar de que direito não se confunde com abuso de direito, afinal, também comete ato ilícito aquele que, ao exercer um direito, excede mani-
festamente os limites impostos pela finalidade normativa. Não se concedeu, por óbvio, tal direito aos militares da inatividade para que dele abusem. Nessa
oportunidade, cabe rechaçar argumentação da defesa na qual, valendo-se do dispositivo comentado, sustentou que “ainda que se adote a tese de que a atuação
do aconselhado foi na condição de militar da reserva, situação abraçada por mera conjectura, não há cometimento de nenhuma figura transgressional, porquanto
seu agir está albergado pela permissividade legal do artigo acima mencionado.” (fl. 440) Como pontuado, e partindo-se da premissa inarredável de que o
conselhado é militar da reserva, não é porque ele tem o direito de opinar sobre assunto político e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou
relativo à matéria pertinente ao interesse público que pode subverter os valores fundamentais de disciplina da tropa incitando e participando de uma parali-
sação. Direitos não podem servir de escudo para o cometimento de transgressões disciplinares, mormente no caso dos autos, em que o ordenamento jurídico
confere acentuada reprovabilidade a tais ações, enquadrando-as inclusive como crimes, consoante o extenso enquadramento típico-penal que o ministério
público militar fez ao oferecer denúncia contra o aconselhado (fls. 228/238); CONSIDERANDO, in casu, os eventos evidenciados nos presentes autos
(incitação, na condição de “cabeça” do movimento grevista – paredista, e participação no motim) demonstraram acentuada reprovabilidade do comportamento
adotado pelo policial militar CB PM RR Flávio Alves Sabino, haja vista os danos manifestamente causados à segurança interna, ordem pública e paz social
da sociedade cearense. Tais prejuízos se deram tanto por violação ao plano normativo propriamente dito, por subversão da disciplina e da hierarquia, que
são vigas mestras das instituições militares, como, ressalte-se, no plano fático, pois a diminuição de policiais e bombeiros militares nas ruas nos dias de
paralisação comprometeu a manutenção da segurança pública e a defesa da vida, da incolumidade física, do patrimônio de toda a sociedade, o que teve
inquestionável correlação com o aumento da criminalidade nos dias em questão e nos que se seguiram, conforme pontuado pelo Ministério Público Militar
na Denúncia (fls. 228/238): “Tal subtração do efetivo de policiamento ostensivo fez o Estado tornar-se verdadeira praça de guerra. Ressalte-se que por
decorrência da paralisação parcial dos serviços de segurança pública, registrou-se o lamentável aumento de 178% de crimes violentos letais e intencionais,
gerando a marca de 456 homicídios notificados no território cearense no período da greve. Para reverter tal caos, necessitou-se que a União iniciasse operação
de Garantia da Lei e da Ordem empregando os militares federais do EXÉRCITO BRASILEIRO que servem na 10ª Região Militar, região Martins Soares
Moreno. Enquanto todo este caos social assaltava a paz dos cidadãos do Estado do Ceará, e tudo isto dando-se em meio ao período de Carnaval, o número
de militares rebelados que amotinavam-se no aquartelamento do 18º BPM só crescia”; CONSIDERANDO que no plano normativo, diversas são as disposi-
ções a serem observadas, seja de envergadura constitucional, seja de fundamentação legal. Nessa esteira, aos militares estaduais, a Carta Magna (CF/88)
trouxe em seu bojo tratamento singular, mormente, ao tratar dos 02 (dois) pilares fundamentais das instituições (hierarquia e disciplina): “DOS MILITARES
DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, institui-
ções organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (grifou-se) § 1º Aplicam-se aos militares
dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do Art. 14, § 8º; do Art. 40, § 9º; e do Art. 142, §§ 2º
e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do Art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos gover-
nadores.” Na mesma direção, o Art. 187 da Constituição Estadual do Ceará, aduz que: “DA POLÍCIA MILITAR Art. 187. A Polícia Militar do Ceará é
instituição permanente, orientada com base nos princípios da legalidade, da probidade administrativa, da hierarquia e da disciplina, constituindo-se força
auxiliar e reserva do Exército, subordinada ao Governador do Estado, tendo por missão fundamental exercer a polícia ostensiva, preservar a ordem pública
e garantir os poderes constituídos no regular desempenho de suas competências, cumprindo as requisições emanadas de qualquer destes.” (grifou-se) Não
distinta é a Lei nº 13.729/2006 (Estatuto dos Militares Estaduais PM/BM), a qual dispõe sobre a situação, direitos, prerrogativas, deveres e obrigações dos
militares estaduais e seu comportamento ético: “Art. 2º São militares estaduais do Ceará os membros das Corporações Militares do Estado, instituições
organizadas com base na hierarquia e disciplina, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinadas ao Governador do Estado e vinculadas operacionalmente
à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social, tendo as seguintes missões fundamentais”(grifou-se) CONSIDERANDO, portanto, que todo aquele que
ingressa em uma organização militarizada sabe que estará sujeito as obrigações e deveres singulares e a observância destes preceitos, sujeitando ao infrator
a sanções, que tem como objetivo evitar a prática de atos incompatíveis com a vida militar; CONSIDERANDO que, analisando detidamente o caso concreto
à luz da legislação aplicável, é forçoso repisar a reprovabilidade da conduta do CB PM RR Flávio Alves Sabino, pela sua destacada natureza insultuosa aos
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