DOE 02/12/2021 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIII Nº269 | FORTALEZA, 02 DE DEZEMBRO DE 2021
princípios e valores castrenses, atentando contra a ordem institucional e social e disciplina militar, mediante a prática de atos desonrosos e ofensivos ao
decoro profissional, conforme farta prova carreada aos autos, denotando na conduta do acusado incontornável incompatibilidade com a função policial militar,
a ensejar sanção disciplinar razoável e proporcional ao bem jurídico aviltado, qual seja, a exclusão do militar em tela, nos exatos termos do art. 24 da Lei nº
13.407/03. Nesse caminho, o Códex Processual (Lei nº 13.407/03) esclarece que: “Art. 12. Transgressão disciplinar é a infração administrativa caracterizada
pela violação dos deveres militares, cominando ao infrator as sanções previstas neste Código, sem prejuízo das responsabilidades penal e civil. § 1º. As
transgressões disciplinares compreendem: I – todas as ações ou omissões contrárias à disciplina militar, especificadas no artigo seguinte, inclusive os crimes
previstos nos Códigos Penal ou Penal Militar; II – todas as ações ou omissões não especificadas no artigo seguinte, mas que também violem os valores e
deveres militares. § 2º. As transgressões disciplinares previstas nos itens I e II do parágrafo anterior, serão classificadas como graves, desde que venham a
ser: I – atentatórias aos Poderes Constituídos, às instituições ou ao Estado; […];III – de natureza desonrosa. (grifou-se); CONSIDERANDO que nesse sentido,
sem embargos, o conjunto probatório produzido nos autos revelou-se suficientemente coeso para viabilizar a conclusão de punição expulsória em relação ao
CB PM RR Flávio Alves Sabino, posto também terem restado caracterizadas ao final da instrução, além das transgressões equiparadas aos crimes militares,
as seguintes transgressões tipificadas especificamente Código disciplinar, Art. 13, §1º, incs. XXVII (aconselhar ou concorrer para não ser cumprida qualquer
ordem legal de autoridade competente, ou serviço, ou para que seja retardada, prejudicada ou embaraçada a sua execução), XXIX (recriminar ato legal de
superior ou procurar desconsiderá-lo), XXXIII, (desconsiderar ou desrespeitar, em público ou pela imprensa, os atos ou decisões das autoridades civis ou
dos órgãos dos Poderes Constituídos ou de qualquer de seus representantes), LVII (comparecer ou tomar parte de movimento reivindicatório, no qual os
participantes portem qualquer tipo de armamento, ou participar de greve) e LVIII (ferir a hierarquia ou a disciplina, de modo comprometedor para a segurança
da sociedade e do Estado), c/c § 2º, inc. XX (desrespeitar medidas gerais de ordem militar, judiciária ou administrativa, ou embaraçar sua execução) e XLIX
(autorizar, promover ou participar de petições ou manifestações de caráter reivindicatório, de cunho político-partidário, religioso, de crítica ou de apoio a ato
de superior, para tratar de assuntos de natureza militar, ressalvados os de natureza técnica ou científica havidos em razão do exercício da função militar),
todos da Lei nº 13.407/03, as quais, em sua totalidade, ensejaram um juízo por parte da Comissão Processante de que o acusado é culpado das acusações
constantes na Exordial Acusatória e está incapacitado de permanecer nos quadros da PMCE, mais especificamente na condição na situação de inatividade
(reserva remunerada) em que se encontra; CONSIDERANDO ser forçoso ainda asserir que as infrações funcionais levadas a efeito pelo aconselhado são de
patente natureza desonrosa e atentatórias aos poderes constituídos, por implicarem em todos os prejuízos sociais já aduzidos, motivo pelo qual as transgres-
sões são todas de natureza grave, conforme preceitua o art. 12, §2º, I e III, da Lei nº 13.407/03; CONSIDERANDO que, no caso concreto em análise, as
transgressões perpetradas pelo aconselhado Flávio Alves Sabino transcenderam as balizas do texto da Lei nº 13.407/03, havendo várias faltas funcionais que
são equiparadas a crimes militares. Não se busca aqui, obviamente, de julgá-lo por tais crimes, o que deve ser feito na instância competente, mas, por força
do inciso art. 12, §1º, I, do código disciplinar, os ilícitos praticados previstos também como crimes, ao projetarem-se sobre a instância disciplinar, devem ser
objeto de apreciação. Em outros termos, o enquadramento jurídico do fato e sua gravidade reclamam uma análise para além dos tipos transgressivos previstos
nos parágrafos do artigo 13 da lei nº 13.407/03; CONSIDERANDO que, diante dessas considerações, é necessário sublinhar, o que assevera Célio Lobão,
citando Esmeraldino Bandeira, ao relatar que a infração propriamente militar recebeu definição precisa no direito romano e consistia naquele: “que só o
soldado pode cometer”, porque “dizia particularmente respeito à vida militar, considerada no conjunto da qualidade funcional do agente, da materialidade
especial da infração e da natureza peculiar do objeto danificado, que devia ser – o serviço, a disciplina, a administração ou a economia militar”; CONSIDE-
RANDO que, como delito propriamente militar, entende-se a infração penal, prevista no Código Penal Militar, específica e funcional do ocupante do cargo
militar, compreendida também como transgressão por lesionar bens ou interesses das instituições militares, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia,
do serviço e do dever militar; CONSIDERANDO que, desse modo, no presente caso concreto, a notícia da existência de militares estaduais em realização
de movimento reivindicatório ilegal que deflagrou o movimento grevista de parte do efetivo da PMCE e do CBMCE, culminando no amotinamento de
militares no 18º BPM e em outros quartéis, disseminou incerteza, pânico e indignação dentre os cidadãos; CONSIDERANDO que para que seja possível
prestigiar uma reconstrução processual dos fatos do modo mais aproximado possível com a realidade, possibilitando a solução processual mais apropriada,
é preciso aferir a condição de liderança do CB PM RR Sabino na deflagração e no curso do movimento paredista, com o adequado contorno jurídico de tal
expressão, que necessita na hipótese do empréstimo do conceito de “cabeça”, previsto no art. 53, §4º, do Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001, de 21
de outubro de 1969). “Art. 53. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a êste cominadas. […] Cabeças § 4º Na prática de crime de
autoria coletiva necessária, reputam-se cabeças os que dirigem, provocam, instigam ou excitam a ação.” Portanto, a condição de “cabeça” pressupõe aquele
que, nos crimes de concurso necessário, a exemplo do motim, dirige, provoca, instiga ou excita a ação. Especificamente quanto ao núcleo excitar e instigar,
os elementos de provas colhidos revelaram, de modo inconteste, que o aconselhado CB PM RR Sabino praticou tais condutas, pois conclamou militares a
aderirem ao movimento. Se resta evidenciado sua condição de “cabeça”, emprestada do art. 53, §4º, do CPM, a consequência jurídica que se impõe ao
aconselhado, mesmo na seara disciplinar, é o aumento do grau de reprovabilidade de suas condutas transgressivas; CONSIDERANDO que, a título de
esclarecimento, a condição de “cabeça” pressupõe não apenas aquele que lidera no sentido de quem dirige as ações, mas também o que as instiga ou as excita.
E é notório que os discursos proferidos pelo aconselhado CB PM RR Sabino tinham inequívoca intenção de conclamar militares a participarem do movimento,
pois a interpretação da literalidade das falas são exatamente no sentido de que ele exerceu nítido papel de conclamador de militares ao motim, sendo tal
conclusão alcançável pelos sentidos de qualquer pessoa dotada de mínima capacidade cognitiva. Eis um dos discursos mais contundentes do aconselhado, o
qual, se compreendido em outro sentido senão incentivar a adesão à paralisação, implica em abdicar da lógica como ferramenta cognitiva de apreciação
probatória, senão vejamos: “Pessoal, saiu a determinação do comando geral que quem tá escalado carnaval comparecer amanhã 7 horas ou no Quartel do
Comando-Geral ou nas suas unidades ou nos locais aí da saída de cada município. Meus irmãos, amanhã se vocês forem se apresentar, vocês vão trair o
movimento. É traição mesmo! Meu amigo, falta de serviço não é crime. Crime é você abandonar o posto de serviço. Faltar ao serviço é transgressão disciplinar
e transgressão disciplinar vai ser coberta pela anistia administrativa. Nós não vamos sair daqui sem anistia, pessoal. Então, assim, você quer que dê certo,
meu irmão, tá dependendo mais de você, agora, do que de nós. A nossa parte nós já fizemos, tamos aqui. E você, vai fazer a sua quando, irmão? Meu irmão,
você tá de serviço hoje a noite? Seu posto de serviço é aqui com seus irmãos. Essa guerra é sua, meu irmão.” (fls. 59 – Mídia); CONSIDERANDO que a
argumentação de que tal discurso representa atividade jornalística ofende a lógica mais elementar e constitui verdadeira falácia que não pode servir de
subterfúgio para o cometimento de ilícitos criminais e funcionais. Em suma, querer dissimular as transgressões sob o paleo de exercício de atividade jorna-
lística não se sustenta com fulcro na prova dos autos, seja porque as atitudes e discursos claramente foram além do intuito de informar, seja pelo fato de o
acusado não poder se divorciar de sua condição legal e estatutária de militar da reserva para não ser alcançado pela legislação disciplinar castrense; CONSI-
DERANDO que, quanto à contestação da defesa em relação à validade de tais provas, o assunto já foi debatido e decidido fundamentadamente pela Comissão
Processante, tendo havido concordância, igualmente fundamentada nesta decisão, por parte desta autoridade julgadora. Em suma, é inconteste que os vídeos
carreados aos autos são válidos, bem como não constituíram o único meio probante para o convencimento da comissão e desta Autoridade, pois várias
testemunhas o viram na Assembleia e no 18º BPM; CONSIDERANDO que, demonstrando a gravidade da ação do “cabeça”, veja-se que o art. 149 do CPM
prevê majorante de um terço para os cabeças. A repercussão de tal condição no âmbito disciplinar deve implicar em uma sanção mais gravosa, por uma
questão de proporcionalidade, porquanto trata-se de comportamento mais grave, pois indubitavelmente violou a disciplina e a autoridade militar (hierarquia)
de modo mais acentuado; CONSIDERANDO, demais disso, convir ressaltar que a “greve militar”, como popularmente é conhecida, por trata-se da paralisação
das atividades profissionais por parte dos militares, pode caraterizar, em tese, delitos contra a autoridade ou disciplina militar, previstos no Código Penal
Militar, dentre os quais: “Motim e Revolta, Aliciação e Incitamento, Violência contra Superior ou Militar de Serviço, Desrespeito a Superior e a Símbolo
Nacional ou Farda, Insubordinação, Usurpação e do Excesso ou Abuso de Autoridade, Resistência, Fuga, Evasão, Arrebatamento e Amotinamento de Presos”.
Nesse contexto, como bem pontua Loureiro Neto (2010, p.7), “quando se trata do ordenamento jurídico militar, a lei penal militar visa exclusivamente os
interesses do Estado e das instituições militares”. Portanto, as infrações previstas acima, caracterizam como ato de confronto direto aos pilares da instituição
militar: a hierarquia e a disciplina. Nessa vertente, é preciso acentuar que, conforme adverte Décio de Carvalho Mitre (2000, 37): “Não existe uma definição
rigorosa para crime militar, mas pode-se conceituá-lo como a infração dos valores e dos deveres militares e para com as instituições militares”; CONSIDE-
RANDO, nesse diapasão, como pontuado pelo Membro do Ministério Público Militar na denúncia, no dia em que houve uma manifestação na Assembleia
Legislativa do Estado Ceará (dia 18/02/2020) e em seguida deflagou-se o movimento paredista, já havia sido editado pelo Parquet: “Recomendação Minis-
terial, datada de 14 de fevereiro de 2020, para que os respectivos Comandos-Gerais das corporações militares expressamente determinassem o dever da tropa
de não comparecer a tal tipo de local de crime. Ainda àquela época citou-se, discorrendo sobre a ilegalidade de tais movimentações, que o “Ordenamento
Jurídico abomina a ação de grupos armados, quer civis ou militares, que reúnam-se contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, concebendo tais
práticas como crimes inafiançáveis e imprescritíveis.”(fls. 229); CONSIDERANDO ser necessário sublinhar que os militares desde a sua formação inicial
são diuturnamente conscientizados sobre seus deveres e os valores a serem preservados, vez que fundamentais às pilastras mestras das Instituições Militares
(Hierarquia e Disciplina), contexto em que as recomendações do Comando-Geral, perfeitamente apropriadas à situação, figuram como medida preventiva e
até como excesso de zelo.
Sendo assim, todos os militares já deveriam ter conhecimento da ilegalidade de comparecer a atos reivindicatórios, antes
mesmo do dia 18/02/2020. A propósito, verifica-se que a greve, cuja impossibilidade, contida no texto constitucional, fora confirmada pelo STF no ano de
2017, já havia sido considerada irregular pelo Tribunal de Justiça do Ceará. Logo, no caso concreto dos autos, é inequívoca a conduta do processado de ter
aderido-a, e, de modo mais gravoso, incitado-a, apesar de recomendação e determinação no sentido contrário; CONSIDERANDO, portanto, ser patente que
a conduta de ter comparecido para manifestação coletiva de caráter reivindicatória à Assembleia Legislativa no dia 18/02/2020 foi ilegal por parte do CB
PM RR Sabino, o qual acabou por incentivar outros policiais militares à desobediência, à indisciplina e à prática dos delitos militares decorrentes desse ato
inicial, culminando no amotinamento em vários quartéis do Estado, incluindo o 18º BPM, local que, conforme é de conhecimento público, funcionou como
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