DOE 17/02/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIV Nº038 | FORTALEZA, 17 DE FEVEREIRO DE 2022
tal alegativa não se demonstra verossímil, ante a explícita prova material carreada aos autos. CONSIDERANDO que nessa perspectiva, o aconselhado (CB
PM Claude), ao tentar justificar o ocorrido, por ocasião do seu interrogatório (fls. 607/610), inferiu que as circunstâncias que causaram a ação praticada pelo
Oficial que comandava a operação, bem como a efetiva colaboração de sua parte, tinha como intenção, tão somente realizar uma assepsia no rosto do adoles-
cente, posto que encontrava-se com um corte na face decorrente de socos desferidos pelo 1º TEN PM Leonardo Lírio, após uma suposta ameaça e tentativa
de agressão ao Oficial em tela, haja vista que o adolescente lesionado, imbuído pelo desejo de receber uma suposta recompensa oferecida por uma organização
criminosa local (CV), pela “cabeça” do 1º TEN PM Leonardo Lírio, teria investido contra o referido oficial, momento em que foi esmurrado e imobilizado,
tendo se utilizado de uma técnica de Judô para derrubá-lo, montando sobre seu corpo. Asseverou ainda, que por receio de populares, ao ver o menor com
vestígio de sangue, o Oficial, preocupado, tentou estancar o sangramento, limpando a região facial ferida, ordenando que sua pessoa trouxesse uma garrafa
com água potável utilizada pelos componentes do CPCães (Canil), bem como uma flanela pendurada em um varal, a fim de auxiliá-lo no ato de assepsia dos
ferimentos. Aduziu, que o menor, não teria cooperado quanto à suposta profilaxia, o que teria motivado o Oficial a permanecer imobilizando-o sob a posição
de guarda montada. Desta forma, enquanto o 1º TEN PM Leonardo Lírio limpava com um pano a face do menor suja de areia e sangue, posicionou-se de
joelhos, e passou a despejar água no seu rosto, sempre que determinado pelo seu superior, tendo tal procedimento não perdurado por mais de 02 (dois)
minutos, até o menor não mais resistir e passar a cooperar, instante em que foi liberado; CONSIDERANDO, contudo, face o exposto, tal versão não encontra
plausibilidade alguma, haja vista não haver se constatado nos presentes autos, principalmente no que se refere ao exame de corpo de delito realizado no
adolescente (fls. 425/428-V), qualquer referência a cortes profundos em sua face (vide fotografias às fls. 426/428-V) que pudessem ensejar tamanha preo-
cupação, no sentido de estancar suposto sangramento, haja vista que o exame mencionado, constatou apenas a presença de edemas, equimoses e escoriações,
e nenhuma evidência de laceração (corte profundo na pele) decorrente de golpes traumáticos (socos), como fora declarado em meio aos depoimentos colhidos.
E, ainda que se considerasse os argumentos proferidos pelo CB PM Claude e demais militares envolvidos, ao narrarem uma circunstância em que houve a
necessidade de imobilizar o adolescente lesionado, em razão de encontrar-se sangrando e não cooperar com a hipotética assepsia, seria bastante questionável
o procedimento adotado pelo Oficial e o aconselhado em epígrafe. Dessa forma, a providência mais sensata diante do aduzido, seria a iniciativa, no sentido
de conduzi-lo à Unidade de Saúde mais próxima, já que dispunha de meios para o transporte, evitando assim o risco de uma infecção ou qualquer outro efeito
negativo decorrente de uma assistência desprovida dos equipamentos necessários para o caso; CONSIDERANDO que da mesma maneira, os Manuais de
Abordagem Tático – Policial, no que diz respeito à conduta adotada pelos militares envolvidos na imobilização do menor, como no caso em tela, não faz
quaisquer orientações que enseje atos similares ao que fora percebido nas filmagens e que originaram as investigações, principalmente no tocante ao adoles-
cente, desarmado e sem compleição física, que suscitasse qualquer ameaça a um agente de segurança (fotos – às fls. 426/428-V). Assim sendo, verifica-se
diante do cenário e condições destacadas pelos PPMM (1º TEN PM Leonardo Lirio e CB PM Claude), que a ação adotada em desfavor do adolescente fora
por demais desproporcional, levando-se em consideração o fato de que no local da operação policial, havia vários agentes de segurança fardados e armados,
pelo menos 12 (doze) PPMM (fl. 641), além da presença de cães, quadro este que, em tese, deve suprimir qualquer tentativa de ataque a policial nas circuns-
tâncias verificadas, principalmente partindo de apenas uma pessoa, ainda em fase de puberdade, desarmado e com biótipo bem inferior (fotos – às fls.
426/428-V) aos autores da imobilização. Ainda no tocante à suposta prática de tortura, como descreve a denúncia ministerial (fl. 533 e fl. 593), quando se
observa o teor do registrado no Protocolo de Istambul (Manual para a Investigação e documentação eficazes da Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis,
Desumanos ou Degradantes) do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, referido documento, com relação à aparente prática de
“asfixia” adotada pelos PPMM quando estes detiveram o adolescente, no caso dos autos, para que através do mesmo, se extraísse informações acerca do
entorpecente encontrado no local da operação policial, trás em seu bojo, comentários a respeito do citado procedimento: “[…] A quase asfixia por sufocação
é um método de tortura cada vez mais comum. Em geral não deixa quaisquer vestígios e a recuperação é rápida. Este método de tortura foi tão utilizado na
América Latina que a sua designação em espanhol, submarino, se tomou pane do vocabulário dos direitos humanos. A respiração normal pode ser impedida,
por exemplo, cobrindo a cabeça com um saco de plástico, obstruindo a boca e o nariz, comprimindo ou ligando a zona em redor do pescoço ou obrigando a
vítima a aspirar pó, cimento, pimenta ou substâncias análogas. Estas modalidades de tortura são também conhecidas como ‘submarino a seco’. Esta forma
de tortura é conhecida como ‘submarino molhado’ (grifou-se) […]”; CONSIDERANDO que em última análise, ressalte-se que em relação às pretensões
arguidas pela defesa após findada a instrução processual, com os autos conclusos à Autoridade Controladora (fls. 716/751), frise-se que estas já foram devi-
damente analisadas e confrontadas pela Trinca Processante ao longo da instrução, notadamente no bojo dos diversos Despachos exarados pela Comissão. De
todo modo, concernente ao pleito de juntada (para fins de compartilhamento e exame) do Parecer Técnico exarado pelo Eng.º Ranvier Feitosa Aragão (Viproc
nº 06541320/2021, às fls. 716/751), referente ao vídeo (mídia DVD-R), depreende-se que referida análise (opinião) se sustentou na tese de que, na ausência
de elementos objetivos, restaram componentes subjetivos, sugerindo que pelas imagens analisadas, a situação configuraria efetivamente uma higienização
hídrica no rosto do menor. Entretanto, como a própria análise propõe, trata-se de uma observação meramente subjetiva, que não se ampara quando sopesada
com as demais provas colhidas nos fólios. Demais disso, o nobre parecerista não participou diretamente dos procedimentos periciais constantes nos autos, o
que só então, lhe permitiria imprimir uma opinião mais abalizada concernente a outros aspectos e variáveis identificadas no curso da investigação e não
levadas em consideração no vertente estudo técnico; CONSIDERANDO que do mesmo modo, em referência ao Laudo Pericial nº 2019.0003797, proveniente
da PEFOCE (perícia em informática realizada das imagens), atestou-se que nenhum vestígio de edição foi encontrado no arquivo em questão, muito embora
tenha concluído que pelo ângulo das imagens, não foi possível afirmar ou negar que o menor tenha sofrido vedação de suas narinas. Entretanto, o laudo
também aferiu que o menor foi imobilizado por dois outros, assim como constatou-se que um policial militar posicionou os antebraços e mãos na região da
face e/ou tronco do indivíduo mobilizado; CONSIDERANDO que na mesma esteira, inobstante o argumento da defesa em afirmar que o laudo pericial (fls.
425/428-V) em nenhum momento concluiu por qualquer espécie de constrição das vias respiratórias, afogamento ou indícios de água presentes no pulmão
do adolescente ou mesmo de que o laudo aferiu que não há elementos para afirmar ou negar a prática de tortura física ou psicológica, o que segundo sua ótica
só então caracterizaria “tortura”, não encontra nenhuma sustentação. Ademais, frise-se, que consoante o exame de corpo de delito (lesão corporal) registrado
sob o nº 760003/2018, realizado na vítima às fls. 425/428-V, firmado pela médica perita de CRM nº 5802, no âmbito da Perícia Forense do Estado do Ceará
– PEFOCE, constatou uma série de lesões decorrentes da ação dos militares, destacou-se, in verbis: “(…) EXAME FÍSICO. - Edema traumático com área
equimótica em região orbitária direita. - Edema traumático em região nasal com área equimótica. - Equimoses em região temporal, malar, bucinadora,
mandibular e cervical lateral esquerdas. - Equimoses em mucosa labial superior associada a edema traumático. - Edema contuso em região occipital. Esco-
riações lineares em região escapular esquerda. - Escoriação linear em região cervical lateral esquerda. - Equimoses em região torácica anterior; - Escoriações
com crostas em cotovelos. - Escoriações em placas com presença de crostas hemáticas em ambos os punhos; (…) DISCUSSÃO. 1) Com os achados do
presente exame pericial pode se afirmar que lesões infligidas ao periciando são de origem traumática e decorridas em um mesmo espaço de tempo. 2) As
lesões nos punhos são compatíveis com as produzidas por objetos utilizados para envolvê-los. 3) Não há sinais visíveis de lesões características de esganadura.
CONCLUSÃO: I – Lesões contusas. II – Não há no exame pericial atual elementos suficientes para afirmar ou negar a prática de tortura física ou psicológica.
Respostas aos quesitos formulados pela Delegacia de Combate a Exploração da Criança e do Adolescente; 1) Há achados médico legais que caracterizam a
prática de tortura física contra a vítima? R – Sem elementos para responder. 2) Há indícios clínicos de [sic] caracterizam a prática de tortura psíquica contra
a vítima? R – Sem elementos para responder. 3) Há achados médico legais que caracterizem execução sumária? R – Prejudicado. 4) Há achados médico
legais que sugerem crime de tortura, mas excepcionalmente poderiam ser produzidos por outra causa? R – Sem elementos para responder. (grifou-se) (…)”.
Laudo, este instruído com 11 (onze) fotografias que registram as lesões sofridas pelo adolescente; CONSIDERANDO assim, restou configurada a materia-
lidade das agressões praticadas e, muito embora o laudo não tenha sido conclusivo quanto à prática da tortura, o conjunto probatório aponta para a prática
de agressões análogas a tal ilícito. Ademais, faz-se mister observar que no delito de tortura, há em seus elementos caracterizadores o intenso sofrimento físico
ou mental, sendo que, quanto a este último, se dá de variadas formas, v.g., ameaças, etc., logo, sequer se afigura indispensável a prática de agressões e/ou a
presença de lesões corporais. Entretanto, o Laudo Pericial nº 760003/2018, acostado às fls. 425/428-V, ainda assim constatou uma série de lesões na vítima,
decorrentes da ação do CB PM Claude e do 1º TEN PM Leonardo Lírio; CONSIDERANDO que, destarte, diante do exposto, ao agir em unidade de desíg-
nios com o Oficial PM – TEN Leonardo Lírio, o CB PM Claude, concorreu para o resultado da ação. Nesse sentido, consoante o Art. 29, do CPM (“Quem,
de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”). Igualmente, a doutrina, tem definido o concurso
de agentes como a reunião de duas ou mais pessoas, de forma consciente e voluntária, concorrendo ou colaborando para o cometimento de certa infração
penal. Diante dessa realidade, o comportamento do aconselhado (CB PM Claude), demonstrou obtuso desprezo ao sofrimento alheio (ser humano), conduta
esta a ser repreendida no seio da Corporação, traduzindo qualquer conivência nesse sentido uma verdadeira autodestruição institucional. Desta forma, a ação
do militar deve ser vista como grave violação à dignidade da pessoa humana e à cidadania (fundamentos da República Federativa do Brasil, art. 1º, da CF/88),
posto que nenhum cidadão pode ser submetido a tratamento desumano ou degradante. Nessa vertente, a violência fardada distorce o conceito de ética e moral,
e ainda alimenta um sentimento de descontrole e insegurança à sociedade; CONSIDERANDO que nesse sentido, restou plenamente comprovado que o
aconselhado, CB PM Claude, praticou parte das condutas descritas na exordial acusatória, fato inescusável, afrontando a dignidade do cargo, onde ficou
demonstrada a incompatibilidade do miliciano em permanecer nos quadros da Polícia Militar, pois de seus integrantes se esperam homens e mulheres que
mantenham a disciplina, o senso do dever e o firme propósito de cumprir valores e deveres militares estaduais com o intuito único de servir a sociedade,
objetivos que não foram observados na conduta do militar em epígrafe. Portanto, presentes a materialidade e autoria transgressiva, estreme de dúvidas, a
punição disciplinar capital é medida que se impõe ao CB PM Claude, posto que os elementos colhidos durante a instrução formaram um robusto conjunto
probatório, no sentido da comprovação da culpabilidade do acusado em epígrafe, ante as condutas dispostas no raio apuratório, na sua devida medida;
CONSIDERANDO ainda que em se tratando de militar graduado com larga experiência profissional (atualmente com mais de 11 anos de serviço ativo), e
na época dos fatos com aproximadamente 08 (oito) anos de serviço, a infração disciplinar resta agravada, posto que mesmo tendo alcançado a estabilidade
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