DOE 17/02/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIV Nº038 | FORTALEZA, 17 DE FEVEREIRO DE 2022
na Lei nº 9.455/1997. Dada a importância da correlação, frise-se que no ordenamento jurídico pátrio, a prática da tortura reveste-se de tal gravidade que a
Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. III, prevê que é direito fundamental do ser humano de não ser torturado. Além disso, o inc. XLIII, considera a tortura
um crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia. Portanto, a Lei de Tortura atende a um mandado expresso de criminalização. É conduta equiparada
a hediondo (pois recebe o mesmo tratamento). Dessa forma, o legislador constituinte definiu a necessidade de dar tratamento mais rígido a esse tipo de
comportamento. Assim dispõe o Texto Constitucional de 1988: “[…] Art. 5º (…) III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante; (grifou-se) (…) XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpe-
centes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se
omitirem; (grifou-se) […]”; CONSIDERANDO que na mesma esteira, segundo o STF, “a tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois
reflete – enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva – um aceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a
autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento positivo”. (HC 70389). No mesmo sentido, o Estado
Brasileiro é signatário de 02 (dois) tratados internacionais que tratam do tema, ocasião em que se obrigou a reprimir os crimes de tortura. Na mesma pers-
pectiva, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, conceitua tortura como: “qualquer ato pelo qual
dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações
ou confissões; de castigá-la por ato cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de
qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimento são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua
instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos consequência unicamente de sanções legí-
timas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.”. Nesse contexto, diante do caso concreto dos autos, a Lei Federal nº 9.455/1997, definiu os
crimes de tortura nos seguintes termos: “[…] Art. 1º. Constitui crime de tortura: I constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causan-
do-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; (grifou-se) (…) Pena – reclusão,
de dois a oito anos. § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a
quatro anos. (grifou-se) (…) § 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I – se o crime é cometido por agente público; […]”; CONSIDERANDO que
com efeito, a Lei nº 9.455/1997, ao descrever em seu Art. 1º, inc. I, “a”, a conduta de: (“constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,
causando-lhe sofrimento físico ou mental: com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”), trata da denominada
tortura probatória, posto que tem o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa. Nessa perspectiva, a lei protege a
incolumidade física da vítima em sentido amplo, ou seja, a integridade corporal, mental e a saúde da pessoa. Além disso, tutela, garantias constitucionais e
legais das pessoas em geral frente aos arbítrios cometidos por funcionários públicos e/ou por particulares. Nessa esteira, é evidente a adequação da conduta
descrita acima, ao fato concreto protagonizado pelo CB PM Jean Claude Rosa dos Santos; CONSIDERANDO que noutro sentido, o art. 1º, §2º, ao dispor
que: (“Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a 4 anos”), traz a
figura da denominada tortura-omissão ou tortura-imprópria, entretanto, excluído desse conceito o caráter de hediondez. Desta forma, no caso da participação
por omissão, o omitente, tendo o dever jurídico de evitar o resultado (garante), concorre para ele, ao quedar-se inerte, enquanto os autores realizam a conduta
comissiva, como no caso dos autos, em que o 2º SGT PM José Alexandre Sousa da Costa e o CB PM Carlos Henrique dos Santos Uchôa, assistem a uma
cena de agressão, sem nada fazer, e de certa forma, anuem na realização do ato. Pois, ao permanecerem inertes, aderiram com a sua omissão à vontade do 1º
TEN PM Leonardo Lírio e do CB PM Claude, que realizavam a ação principal, devendo, portanto, ser responsabilizados pela passividade, entretanto na
medida de suas culpabilidades; CONSIDERANDO que dessa maneira, ao analisar os fatos narrados, concernentes ao comportamento dos policiais militares,
CB PM Claude, 2º SGT PM Alexandre Costa e CB PM Uchôa, quanto às condutas imputadas na Portaria Inaugural, de maneira geral, ficaram plenamente
evidenciadas, mormente diante das imagens captadas, constantes na (mídia DVD-R à fl. 449), bem como, através dos testemunhos colhidos e das declarações
dos próprios militares, os quais se reconheceram nas gravações apresentadas; CONSIDERANDO que diante dessas considerações, convém ressaltar, as
aferições registradas na denúncia prolatada pelo parquet estadual e recepcionada nos mesmos termos pelo Poder Judiciário, conforme ação penal nº
001623196.2019.8.06.0001. Na oportunidade, assentou-se, in verbis (fl. 550/551): “[…] Conforme restou apurado, os denunciados e os demais integrantes
da força policial ingressaram num terreno baldio, sobre o qual havia informes de que era utilizado para esconder drogas e armas de fogo pertencentes a
facções criminosas e nele abordaram e contiveram oito pessoas suspeitas, entre elas o adolescente Robson, então com 15 anos de idade. Realizadas as buscas
no terreno e numa residência próxima, com o auxílio de cães farejadores, os agentes da força pública encontraram 500 gramas de crack e prenderam seis
pessoas em flagrante pela prática dos crimes de tráfico de drogas, de associação para o tráfico e de organização criminosa. Ocorre que, em dado momento
da operação, o Tenente PM LEONARDO LÍRIO agrediu o adolescente ROBSON com numerosos socos, causando-lhe várias lesões corporais na face e,
após derrubá-lo e imobilizá-lo, contou com a ajuda do Cabo PM JEAN CLAUDE para realizar atos de tortura física e psíquica, por meio da simulação de
afogamento conhecida como “SACO D’ÁGUA”, inicialmente com o fim de obter informações sobre a localização de drogas e armas c/ou de integrantes de
facções criminosas e posteriormente como forma de aplicação de castigo pessoal. A sequência dos atos de tortura foi filmada por uma pessoa não identificada,
sendo que as imagens passaram a circular cm grupos do aplicativo WhatsApp e na rede mundial de computadores (internet), até que posteriormente foram
exibidas pelos meios de comunicação social em todo o País. As imagens em questão mostram o Tenente PM LEONARDO LÍRIO montado sobre ROBSON
no solo, usando o peso do próprio corpo, bem como as pernas, os braços e as mãos para imobilizar-lhe o tronco e segurar-lhe a cabeça, tampando-lhe a boca
e as narinas com um pano amarelo, enquanto o Cabo PM JEAN CLAUDE despejava água de um vasilhame verde claro sob as vias respiratórias do adoles-
cente, de modo a obstruir a passagem de ar, provocando a angustiante sensação de morte por afogamento. Enquanto era submetido a tortura, o adolescente
não esboçava nenhuma reação agressiva, apenas contorcia o tronco e agitava as pernas, numa reação de desespero. (…) A prova material das agressões
sofridas pela vítima ROBSON é composta pela gravação de vídeo da sessão de tortura e pelo laudo do exame de corpo de delito de lesões corporais, realizado
no dia 29 de agosto de 2018, que repousa na fl. 71/72 dos autos do PIC 020/2018. (…) Como se vê, não há como negar a existência consistentes da autoria
e provas robustas da materialidade dos crimes (…). 3. DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DAS INFRAÇÕES. Quando, agindo em concurso, torturaram o
adolescente ROBSON por meio do que se conhece como “saco d’água” (subjugação por afogamento), causando-lhe intenso sofrimento físico e mental,
visando obter informação sobre os locais onde eventualmente poderiam ser ocultadas armas e substâncias entorpecentes, bem como pessoas ligadas a facções
criminosas e posteriormente como forma de aplicação de castigo pessoal, os denunciados LEONARDO LÍRIO c JEAN CLAUDE realizaram condutas que
correspondem à hipótese tipificada no Art. 10, Inc. I, Alínea “a”, e § 40, Inc. I, da Lei 9.455/97 (tortura na forma comissiva). Quando presenciaram a prática
de tortura por parte de LEONARDO LÍRIO e JEAN CLAUDE contra a vítima ROBSON e omitiram-se dos deveres legais inerentes aos cargos públicos que
ocupavam de coibir a prática de tal crime, os denunciados JOSÉ ALEXANDRE e CARLOS UCHOA realizaram condutas que correspondem às hipóteses
tipificadas no Art. 1º, § 2º, da Lei 9.455/97 (omissão perante a tortura). […]”; CONSIDERANDO que desse modo, além dos militares em epígrafe figurarem
como acusados no polo passivo da relação processual estabelecida no presente Conselho de Disciplina (CD), o objeto da acusação também foi perlustrado
através de procedimentos próprios, Inquérito Policial Militar de Portaria nº 375/2018 – IPM/CFJM, datada de 28/02/2020, publicada através do Boletim
Interno do CPE nº 009, de 30/08/2018 (fl. 449 e fl. 453, instaurado no âmbito da PMCE e por meio do Procedimento Investigatório Criminal nº 020/2018,
de 23/10/2018 (à fl. 551), realizado na esfera do Ministério Público do Estado do Ceará, através do Núcleo de Investigação Criminal – NUINC, constantes
no bojo da ação penal nº 0016231-96.2019.8.06.0001, que ora tramita na Auditoria Militar do Estado do Ceará, conforme consulta pública ao site do TJCE.
Nesta senda, os atos praticados pelos militares estaduais, CB PM Claude, 2º SGT PM Alexandre Costa e CB PM Uchôa, dentre outras condutas, convergem
para transgressões disciplinares de natureza grave, de forma que o manancial probatório acostado aos autos confere convencimento de que tal falta funcional
ocorreu e que seus autores foram os militares supra; CONSIDERANDO que ratifique-se ainda, que pelos mesmos motivos, e em observância ao princípio
da independência das instâncias, os acusados figuram como réus na ação penal sob o nº 0016231-96.2019.8.06.0001, ora em trâmite na Auditoria Militar do
Estado do Ceará (atualmente na fase de encerramento da instrução). Ao passo que, o 2º SGT PM José Alexandre Sousa da Costa e o CB PM Carlos Henrique
dos Santos Uchôa, figuram no polo passivo como incursos no crime, em tese, previsto no art. 1º, § 2º, da Lei nº 9.455/1997 (omissão perante a tortura) e o
CB PM Jean Claude Rosa dos Santos, como incurso no crime, em tese, previsto no art. 1º, inc. I, alínea “a”, e § 4º, inc. I, da Lei nº 9.455/1997 (tortura na
forma comissiva); CONSIDERANDO que de modo a exaurir a cognição e justificar a punição demissória em face do (CB PM Claude), e a sanção diversa
da demissão em relação ao (2º SGT PM Alexandre Costa e o CB PM Uchôa), é pertinente pontuar que o poder disciplinar busca, como finalidade fundamental,
velar pela regularidade do serviço público, aplicando, para tanto, medidas sancionatórias aptas a atingir tal desiderato, respeitando-se sempre o princípio da
proporcionalidade e seus corolários (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito); CONSIDERANDO que nessa esteira, a fim de avaliar
o comportamento de cada um dos PPMM e individualizá-los, preliminarmente, faz-se necessário esclarecer a conduta do CB PM Jean Claude Rosa dos
Santos. Nesse diapasão, analisando-se as imagens capturadas por um morador e amplamente divulgada por meio das redes sociais e outros meios de comu-
nicação, constantes na (mídia DVD-R à fl. 449), depreende-se que o militar durante aproximadamente um minuto e quatro segundos (1’04”), participou
ativamente, em unidade de desígnios (coautoria com o 1º TEN PM Leonardo Lirio), da sessão de agressões ao adolescente R.S.S. Diante das cenas e do
relatado pela própria vítima, torna-se evidente, a ação do aconselhado em segurar um vasilhame, ao tempo em que despejava o seu conteúdo líquido, sobre
o rosto da vítima, enquanto esta permanecia algemada e imobilizada pelo Oficial PM em questão (coautor), ocasião em que esperneava e gritava. Nessa
senda, não resta dúvida de que o aconselhado participou efetivamente da hostilidade afligida à vítima. Ao passo que, as gravações apontam, o momento em
que o militar à paisana se posiciona de joelhos, enquanto a vítima encontrava-se algemada e esbravejando, já imobilizada pelo 1º TEN PM Leonardo Lirio,
posicionado sobre o seu tronco. Como se pode ver, a violência expressa, revela completo descontrole na conduta do aconselhado, numa ação absolutamente
injustificada, e muito embora tenha procurado obstaculizar a elucidação dos fatos, ao apresentar junto com os demais acusados a versão de que no momento
da captação das imagens, na verdade, simplesmente limpava a face da vítima, haja vista ter sido agredida a socos em momento anterior pelo Oficial militar,
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