DOU 25/02/2022 - Diário Oficial da União - Brasil 4

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Nº 40-A , sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022
ISSN 1677-7042
Seção 1 - Edição Extra
396. De acordo com as importadoras, portanto, a legislação brasileira excederia
o conceito de partes relacionadas estabelecido no âmbito da OMC. Desse modo, a Adidas
e a Fisia consideram esse conceito ilegal, não cabendo, a seu ver, a aplicação do referido
instituto no caso da produção de calçados por meio de cadeia global de valores.
397. Com relação à ilustração apresentada pela Abicalçado em manifestação
apresentada anteriormente, em que se demonstra a alegada relação entre as empresas
que compõem a cadeia global de valor (CGV) de calçados importados da China, em que o
"dono da marca" arcaria com todos os custos referentes a desenvolvimento do produto,
projeto de matrizes, testes de laboratório, desenvolvimento de materiais, negociação e
compra de materiais, processo industrial, controle de qualidade e logística, a Adidas e a
Fisia repisam que as marcas internacionais seriam responsáveis apenas pelo
desenvolvimento inicial do produto.
398. As etapas referentes ao desenvolvimento e à execução da produção,
inclusive a negociação e aquisição das matérias-primas, seriam, segundo as importadoras,
de responsabilidade exclusivas do fabricante chinês, enquanto a logística, por sua vez,
ficaria a cargo das trading companies, e a importação e distribuição realizada pela Adidas
e Fisia. As empresas refutaram os argumentos "sem comprovação" apresentados pela
Abicalçados, que estaria tentando, a seu ver, induzir a autoridade a entender que as
fábricas chinesas dependem das marcas internacionais. Ao contrário, segundo a Adidas e
a Fisia, muitas fábricas de calçados chinesas possuiriam receita muito superior às próprias
marcas internacionais.
399. A Adidas reiterou que, na qualidade de importadora, seria responsável
apenas pela importação e revenda dos produtos objetos de dumping, e arcaria com todos
os custos decorrentes dessas operações.
400. Já a Fisia reforçou ser a distribuidora autorizada da marca Nike no Brasil,
sendo a responsável pela importação e revenda dos calçados, e afirmou arcar com os
custos decorrentes dessas operações. Alegou não ser integrante de nenhum grupo
econômico de qualquer produtor chinês ou marca internacional de calçados esportivos.
401. Ainda sobre esse assunto, a Fisia mencionou os pareceres elaborados pelo
advogado Neli Ellis e juntados aos autos do processo pela Nike Inc. em 2 de dezembro, nos
quais se aborda a relação da empresa com seus fornecedores chineses com base na
legislação americana sobre direito antidumping e prática do Departamento de Comércio
dos Estados Unidos da América. A mesma lógica deveria, segundo a Fisia, ser aplicada
neste caso, pela sua relação com as demais empresas que compõem a cadeia global de
valores no caso da produção de calçados da Nike na China. Reforçou que o escopo da sua
atuação se limitaria à importação e distribuição de calçados.
402. Por fim, a Fisia declarou que:
"uma relação comercial intensa com alto volume de comércio não caracteriza
relacionamento das partes ou qualquer relação de controle ou que impacte na
confiabilidade dos preços praticados. É necessário que se entenda o modelo de negócios
calçadistas dentro do contexto das cadeias globais de valor e se conclua que ser um
exemplo de cadeia global de valor não caracteriza dependência tecnológica, financeira ou
econômica capaz de impactar no cálculo do valor normal e do preço de exportação como
fez esta d. SDCOM na Nota Técnica SEI nº 53339/2021/ME."
403. A Abicalçados, com relação às manifestações apresentadas pelos Grupos
Apache e Dean Shoes, questionando as conclusões acerca da caracterização da existência
de dumping em suas exportações para o Brasil alegou, em 22 de dezembro de 2021, não
possuir informações acerca da totalidade da cadeia de comercialização das empresas, mas
presumiu haver nas exportações uma pluralidade de intervenientes. Afirmou que, em se
tratando de calçados da marca Nike, as informações disponíveis no SISCORI indicariam
Singapura e os EUA como países de aquisição, revelando a existência de intermediários
entre a trading company do produtor chinês e o importador afiliado à marca no Brasil.
404. Com relação aos calçados da marca Adidas, a Abicalçados apontou que as
informações disponibilizadas no SISCORI revelariam a existência de intermediários em
países europeus, em particular nos Países Baixos. Adicionalmente, as exportações do
Grupo Apache para as Adidas America Inc. e Adidas Intl Trading B.V., quando destinadas
ao mercado dos Estados Unidos e Canadá, seriam realizadas, segundo a Abicalçados, pela
empresa matriz do Grupo Apache nas Bahamas, apesar de a mercadoria fisicamente ser
embarcada no porto de Yantian, na China, e desembarcada em portos da Califórnia, da
Carolina do Sul ou outros da América do Norte, não passando, todavia, fisicamente pelos
portos das Bahamas.
405. Isso posto, a Abicalçados reforçou que as informações disponibilizadas
revelariam ser toda comercialização dos produtos fabricados pela Apache Qingxin efetuada
pela marca internacional. Reiterou, nesse sentido, não existir nenhuma liberdade por parte
dos produtores chineses. As marcas globais dominariam toda a cadeia, desde o
desenvolvimento do produto, dos moldes a serem empregados, das matérias-primas a
serem utilizadas, os preços a serem pagos pela prestadora de serviços de montagem do
calçado. Além disso acompanhariam a produção física do calçado dentro da unidade de
montagem, desde o início do processo industrial até o seu despacho e comercialização do
produto.
406. Com relação aos argumentos apresentados pela Nike, a Abicalçados
primeiramente ressaltou que a Nike teria apenas "requentado" argumentos trazidos ao
conhecimento da autoridade investigadora em 2016.
407. Em seguida, no tocante ao documento produzido pelo Sr. Neil R. Ellis, a
Abicalçados considera irrelevante a discussão nesta revisão de possíveis conclusões da
autoridade investigadora dos EUA, tendo por base o arcabouço jurídico daquele país.
Ressaltou que a própria Nike reconheceria "o absurdo de seu argumento, mas insiste em
insinuar que a legislação brasileira estaria em discordância com as regras da OMC porque
não estaria alinhada com a norma dos EUA".
408. A Abicalçados foi taxativa ao afirmar que nem a legislação dos EUA, nem
a legislação interna de nenhum outro Membro da OMC, vincularia a autoridade
investigadora brasileira.
409. E, ainda, a Abicalçados fez referência ao argumento apresentado pela Nike
ao citar a caracterização de relacionamento entre a Nike e suas fábricas como sendo entre
partes relacionadas.
"Apesar da análise apresentada não vincular a autoridade brasileira, já que diz
respeito à legislação americana e sua aplicação, tal indicação deve servir de alerta para o
fato de que, como amplamente discutido nos autos, a caracterização do relacionamento
entre Nike e suas fábricas como sendo entre partes relacionadas é totalmente equivocada
e inovadora quando consideradas as múltiplas jurisdições que se submetem às regras da
OMC" (grifo nosso)
410. De acordo com a Abicalçados, o uso do pronome possessivo revelaria a
percepção da marca em relação aos fabricantes contratados para a produção de seus
calçados.
411. Por fim, a Abicalçados relembrou toda a discussão acerca desta questão
em sede da última revisão e ressaltou ter ficado evidenciada, à época, a forte influência
e poder exercidos pelas marcas globais em face das empresas que fabricam seus calçados.
Portanto, a seu ver, não restariam dúvidas acerca da existência de relacionamento que
"em muito, se afasta da clássica relação de compra e venda entre fornecedor e
adquirente, implicando a existência de preços não confiáveis nas operações entre tais
partes."
412. Em relação aos argumentos apresentados pela Ápice, a Abicalçados
reforçou que ela teria apenas reapresentado argumentos já debatidos e rebatidos
anteriormente e ressaltou que em mais de 8 anos da implementação do Regulamento
Antidumping Brasileiro, tal Regulamentação não teria sido alvo de disputa, não havendo,
portanto, nenhuma indicação que este Regulamento viola as regras multilaterais de
comércio.
413. Diante de todo o exposto, a Abicalçados apontou que a decisão de
adquirir calçados chineses, recolhendo ou não direitos antidumping quando estes
ingressam no Brasil, passaria apenas pela diferença entre o preço CIF internado do calçado
adquirido na China e o preço CIF internado do mesmo modelo de calçado quando
exportado pelo Vietnã, pela Indonésia, ou pelo Camboja, ou qualquer outro país onde as
marcas igualmente adquirem seus calçados.
414. Assim, declarou que:
"A decisão de onde alocar a produção, em um país ou outro, é puramente
financeira, já que os modelos são desenvolvidos pelas marcas globais, a tecnologia de
produção ser de domínio das empresas que regularmente fornecem para as marcas globais
nos diversos países, e as principais matérias-primas estarem disponíveis para qualquer
fabricante a custos comparáveis, normalmente negociados pela própria marca."
415. A Abicalçados concluiu afirmando que, caso o direito antidumping não seja
prorrogado, o Governo Brasileiro "abrirá enorme porteira à desova chinesa de todo tipo de
calçado, cujo preço médio, segundo o TradeMap, não ultrapassou US$ 5,24/par, em 2019".
Tal decisão causaria, segundo a Abicalçados, o fechamento de inúmeras fábricas de
calçados no Brasil e o consequente desemprego em áreas de elevado nível de pobreza no
País.
5.1.4.2 Dos comentários acerca das manifestações sobre o relacionamento
entre as partes envolvidas no modelo global de produção
416. Inicialmente, acerca do questionamento da Ápice de não ter sido
abordado anteriormente as manifestações a respeito do "relacionamento entre os
produtores/exportadores chineses e as marcas internacionais", importa esclarecer que não
se trata de mera questão de direito, a permitir, de pronto, decisão acerca do tema. Trata-
se de campo que envolve essencialmente elementos factuais, como bem se depreende
desde o debate iniciado no âmbito do processo de revisão anterior. Entendeu-se, assim,
que qualquer análise sobre o tema, deveria apenas se concretizar após o encerramento da
fase probatória, momento até o qual as partes têm a possibilidade de submeter elementos
de prova que sustentem as suas alegações, de acordo com o que dispõe o art. 59 do
Decreto nº 8.058 de 2013, além de estar em consonância com o art. 3º, III, da Lei nº
9.784, de 1999.
417. Quanto à afirmação da Ápice de que o inciso IX, § 10 do art. 14 do
Decreto no 8.058, de 2013, que trata de relacionamento por dependência econômica,
financeira e tecnológica, seria ilegal, por ser alegadamente contrário às disposições do
Acordo Antidumping e da jurisprudência da OMC, há de se destacar que essa afirmação
está completamente apartada da realidade, inclusive quando se toma por fundamento o
caso aduzido pela própria Associação: Korea - Certain Paper.
418. No caso citado, não há qualquer abordagem que impeça a autoridade
investigadora 
de 
caracterizar 
como 
partes 
relacionadas 
produtores/exportadores
estrangeiros para fins de determinação de dumping em investigações de prática de
dumping. Muito pelo contrário, o painel em seu relatório deixa evidente que o conceito de
partes relacionadas não se restringiria apenas ao artigo 4.1 do Acordo Antidumping, e
poderia ser aplicado entre empresas produtoras/exportadoras estrangeiras:
"Article 6.10 does not necessarily preclude treating distinct legal entities as a
single exporter or producer for purposes of dumping determinations in anti-dumping
investigations. Having said that, however, we do not consider that Article 6.10 provides the
IA with unlimited discretion to do so ¼ In our view, in order to properly treat multiple
companies as a single exporter or producer in the context of its dumping determinations
in an investigation, the IA has to determine that these companies are in a relationship
close enough to support that treatment." (Panel Report, Korea - Certain Paper, para.
7.161) (grifo nosso)
419. Evidente que à autoridade investigadora, conforme se depreende do
trecho acima, não são conferidos poderes ilimitados para atribuir esse tratamento. Essa
definição, como todas as determinações que são elaboradas no âmbito dos procedimentos
de defesa comercial, deverá estar amparada nos elementos de prova reunidos nos autos
da investigação. Esse é o entendimento extraído do relatório do painel (Panel Report,
Korea - Certain Paper, para. 7.161):
"Whether or not the circumstances of a given investigation justify such
treatment must be determined on the basis of the record of that investigation. In our
view, in order to properly treat multiple companies as a single exporter or producer in the
context of its dumping determinations in an investigation, the IA has to determine that
these companies are in a relationship close enough to support that treatment." (grifo
nosso).
420. Ainda com base no relatório do painel (Panel Report, Korea - Certain
Paper, para. 7.162), não devem prosperar os argumentos que tentam reduzir a definição
de relacionamento a meros critérios formais de controle ou a uma lista exaustiva de
critérios. Veja-se:
"(¼) we consider that Article 6.10, read in its context, and in particular with
Article 9.5,
could permissibly be
interpreted to
allow such treatment
in other
circumstances where the structural and commercial relationship between the companies in
question is sufficiently close to be considered as a single exporter or producer."
421. Nessa esteira, o Decreto nº 8.058, de 2013, que regulamenta os
procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação de medidas
antidumping, deve ser louvado por ter inserido, em benefício dos administrados, os
critérios para identificar as situações em que as partes deverão ser consideradas
relacionadas ou associadas, conforme estabelecido no art. 14, § 10, prestigiando a
segurança jurídica ao trazer, entre outros benefícios, previsibilidade ao procedimento
administrativo.
422. Não se trata, portanto, de inovação, como quer fazer crer a Ápice, a ir
alegadamente de encontro ao que estabelece o Acordo Antidumping, mas de oferecer um
detalhamento sobre os critérios a serem observados para se determinar se as partes serão
consideradas relacionadas ou associadas.
423. Ademais, tomando-se a parte final da Nota de Rodapé nº 11 do Acordo
Antidumping, que versa "For the purpose of this paragraph, one shall be deemed to
control another when the former is legally or operationally in a position to exercise
restraint or direction over the later", fica evidente que a "relação de dependência
econômica, financeira ou tecnológica" se lhe acomoda perfeitamente.
424. Faz-se referência à observação da Abicalçados a respeito de, até o
presente momento, não ter havido qualquer questionamento ao dispositivo apontado
como ilegal pela Ápice, pelo simples motivo de que não há qualquer violação ao arcabouço
legal da OMC:
"Agregar-se-ia a isso, o fato de após 8 (oito) anos de vigência do Decreto nº
8.058, de 2013, não existirem condenações ou disputas, quer seja "as such" ou "as
applied", a respeito da definição de partes relacionadas no âmbito multilateral. Nesse
sentido, a conclusão a respeito da ilegalidade do artigo 14, § 10, IX, do Decreto 8.058 de
2013, aventada pela Ápice, seria completamente irrelevante para os fins da presente
revisão. Para a Abicalçados, ademais, a definição considerada no inciso IX do § 10 do art.
14 do referido Regulamento estaria em consonância com as mais modernas definições
sobre a matéria, conforme, por exemplo, se observaria na Norma Brasileira de
Contabilidade Nº TSP 22, de 21 de novembro de 2019, aprovada pelo Conselho Federal de
Contabilidade."
425. No que tange às considerações da Nike Inc, como ela bem pontuou, toda
a sua argumentação se dá na esteira da legislação antidumping americana, à qual não
regula o procedimento antidumping brasileiro. Por essa razão não serão objeto de
comentários por parte desta autoridade investigadora os aspectos da legislação alienígena.
De toda forma, dado o tema sobre o qual discorreu a empresa - definição de partes
relacionadas, considera-se que já foi abordado conforme o exposto acima.
426. Consoante elucidado acima, fica totalmente afastada a alegação de
ilegalidade do artigo 14, § 10, IX, do Decreto nº 8.058, de 2013, uma vez que a
jurisprudência da OMC já admitiu a possibilidade de que em determinadas situações é
possível
a caracterização
de produtores/exportadores
estrangeiros como
partes
relacionadas para fins de determinação de margem de dumping, bem como de aplicação
do direito antidumping, além de não existirem critérios exaustivos para essa caracterização,
o que deverá ser feito de acordo com as circunstâncias que se exteriorizem em cada
caso.
427. Adentrando especificamente o caso em análise, não obstante o debate se
estenda desde a última revisão, a Ápice insistiu em interpretar de forma equivocada a
caracterização do relacionamento entre as empresas, ao afirmar que essa teria resultado
da simples constatação de que existiria uma cadeia global de valor (CGV). Nas palavras da
Associação, "a relação entre empresas por meio de uma CGV não pode ser considerada
como fundamento para considerar as empresas como partes relacionadas para fins de
dumping".
428. Esclarecedor recuperar o texto já pontuado no Parecer DECOM nº 6, de
2016, e no item 5.3.4 da Resolução CAMEX nº 20, de 2016:

                            

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