Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Este documento pode ser verificado no endereço eletrônico http://www.in.gov.br/autenticidade.html, pelo código 06002022022500016 16 Nº 40-A , sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022 ISSN 1677-7042 Seção 1 - Edição Extra 396. De acordo com as importadoras, portanto, a legislação brasileira excederia o conceito de partes relacionadas estabelecido no âmbito da OMC. Desse modo, a Adidas e a Fisia consideram esse conceito ilegal, não cabendo, a seu ver, a aplicação do referido instituto no caso da produção de calçados por meio de cadeia global de valores. 397. Com relação à ilustração apresentada pela Abicalçado em manifestação apresentada anteriormente, em que se demonstra a alegada relação entre as empresas que compõem a cadeia global de valor (CGV) de calçados importados da China, em que o "dono da marca" arcaria com todos os custos referentes a desenvolvimento do produto, projeto de matrizes, testes de laboratório, desenvolvimento de materiais, negociação e compra de materiais, processo industrial, controle de qualidade e logística, a Adidas e a Fisia repisam que as marcas internacionais seriam responsáveis apenas pelo desenvolvimento inicial do produto. 398. As etapas referentes ao desenvolvimento e à execução da produção, inclusive a negociação e aquisição das matérias-primas, seriam, segundo as importadoras, de responsabilidade exclusivas do fabricante chinês, enquanto a logística, por sua vez, ficaria a cargo das trading companies, e a importação e distribuição realizada pela Adidas e Fisia. As empresas refutaram os argumentos "sem comprovação" apresentados pela Abicalçados, que estaria tentando, a seu ver, induzir a autoridade a entender que as fábricas chinesas dependem das marcas internacionais. Ao contrário, segundo a Adidas e a Fisia, muitas fábricas de calçados chinesas possuiriam receita muito superior às próprias marcas internacionais. 399. A Adidas reiterou que, na qualidade de importadora, seria responsável apenas pela importação e revenda dos produtos objetos de dumping, e arcaria com todos os custos decorrentes dessas operações. 400. Já a Fisia reforçou ser a distribuidora autorizada da marca Nike no Brasil, sendo a responsável pela importação e revenda dos calçados, e afirmou arcar com os custos decorrentes dessas operações. Alegou não ser integrante de nenhum grupo econômico de qualquer produtor chinês ou marca internacional de calçados esportivos. 401. Ainda sobre esse assunto, a Fisia mencionou os pareceres elaborados pelo advogado Neli Ellis e juntados aos autos do processo pela Nike Inc. em 2 de dezembro, nos quais se aborda a relação da empresa com seus fornecedores chineses com base na legislação americana sobre direito antidumping e prática do Departamento de Comércio dos Estados Unidos da América. A mesma lógica deveria, segundo a Fisia, ser aplicada neste caso, pela sua relação com as demais empresas que compõem a cadeia global de valores no caso da produção de calçados da Nike na China. Reforçou que o escopo da sua atuação se limitaria à importação e distribuição de calçados. 402. Por fim, a Fisia declarou que: "uma relação comercial intensa com alto volume de comércio não caracteriza relacionamento das partes ou qualquer relação de controle ou que impacte na confiabilidade dos preços praticados. É necessário que se entenda o modelo de negócios calçadistas dentro do contexto das cadeias globais de valor e se conclua que ser um exemplo de cadeia global de valor não caracteriza dependência tecnológica, financeira ou econômica capaz de impactar no cálculo do valor normal e do preço de exportação como fez esta d. SDCOM na Nota Técnica SEI nº 53339/2021/ME." 403. A Abicalçados, com relação às manifestações apresentadas pelos Grupos Apache e Dean Shoes, questionando as conclusões acerca da caracterização da existência de dumping em suas exportações para o Brasil alegou, em 22 de dezembro de 2021, não possuir informações acerca da totalidade da cadeia de comercialização das empresas, mas presumiu haver nas exportações uma pluralidade de intervenientes. Afirmou que, em se tratando de calçados da marca Nike, as informações disponíveis no SISCORI indicariam Singapura e os EUA como países de aquisição, revelando a existência de intermediários entre a trading company do produtor chinês e o importador afiliado à marca no Brasil. 404. Com relação aos calçados da marca Adidas, a Abicalçados apontou que as informações disponibilizadas no SISCORI revelariam a existência de intermediários em países europeus, em particular nos Países Baixos. Adicionalmente, as exportações do Grupo Apache para as Adidas America Inc. e Adidas Intl Trading B.V., quando destinadas ao mercado dos Estados Unidos e Canadá, seriam realizadas, segundo a Abicalçados, pela empresa matriz do Grupo Apache nas Bahamas, apesar de a mercadoria fisicamente ser embarcada no porto de Yantian, na China, e desembarcada em portos da Califórnia, da Carolina do Sul ou outros da América do Norte, não passando, todavia, fisicamente pelos portos das Bahamas. 405. Isso posto, a Abicalçados reforçou que as informações disponibilizadas revelariam ser toda comercialização dos produtos fabricados pela Apache Qingxin efetuada pela marca internacional. Reiterou, nesse sentido, não existir nenhuma liberdade por parte dos produtores chineses. As marcas globais dominariam toda a cadeia, desde o desenvolvimento do produto, dos moldes a serem empregados, das matérias-primas a serem utilizadas, os preços a serem pagos pela prestadora de serviços de montagem do calçado. Além disso acompanhariam a produção física do calçado dentro da unidade de montagem, desde o início do processo industrial até o seu despacho e comercialização do produto. 406. Com relação aos argumentos apresentados pela Nike, a Abicalçados primeiramente ressaltou que a Nike teria apenas "requentado" argumentos trazidos ao conhecimento da autoridade investigadora em 2016. 407. Em seguida, no tocante ao documento produzido pelo Sr. Neil R. Ellis, a Abicalçados considera irrelevante a discussão nesta revisão de possíveis conclusões da autoridade investigadora dos EUA, tendo por base o arcabouço jurídico daquele país. Ressaltou que a própria Nike reconheceria "o absurdo de seu argumento, mas insiste em insinuar que a legislação brasileira estaria em discordância com as regras da OMC porque não estaria alinhada com a norma dos EUA". 408. A Abicalçados foi taxativa ao afirmar que nem a legislação dos EUA, nem a legislação interna de nenhum outro Membro da OMC, vincularia a autoridade investigadora brasileira. 409. E, ainda, a Abicalçados fez referência ao argumento apresentado pela Nike ao citar a caracterização de relacionamento entre a Nike e suas fábricas como sendo entre partes relacionadas. "Apesar da análise apresentada não vincular a autoridade brasileira, já que diz respeito à legislação americana e sua aplicação, tal indicação deve servir de alerta para o fato de que, como amplamente discutido nos autos, a caracterização do relacionamento entre Nike e suas fábricas como sendo entre partes relacionadas é totalmente equivocada e inovadora quando consideradas as múltiplas jurisdições que se submetem às regras da OMC" (grifo nosso) 410. De acordo com a Abicalçados, o uso do pronome possessivo revelaria a percepção da marca em relação aos fabricantes contratados para a produção de seus calçados. 411. Por fim, a Abicalçados relembrou toda a discussão acerca desta questão em sede da última revisão e ressaltou ter ficado evidenciada, à época, a forte influência e poder exercidos pelas marcas globais em face das empresas que fabricam seus calçados. Portanto, a seu ver, não restariam dúvidas acerca da existência de relacionamento que "em muito, se afasta da clássica relação de compra e venda entre fornecedor e adquirente, implicando a existência de preços não confiáveis nas operações entre tais partes." 412. Em relação aos argumentos apresentados pela Ápice, a Abicalçados reforçou que ela teria apenas reapresentado argumentos já debatidos e rebatidos anteriormente e ressaltou que em mais de 8 anos da implementação do Regulamento Antidumping Brasileiro, tal Regulamentação não teria sido alvo de disputa, não havendo, portanto, nenhuma indicação que este Regulamento viola as regras multilaterais de comércio. 413. Diante de todo o exposto, a Abicalçados apontou que a decisão de adquirir calçados chineses, recolhendo ou não direitos antidumping quando estes ingressam no Brasil, passaria apenas pela diferença entre o preço CIF internado do calçado adquirido na China e o preço CIF internado do mesmo modelo de calçado quando exportado pelo Vietnã, pela Indonésia, ou pelo Camboja, ou qualquer outro país onde as marcas igualmente adquirem seus calçados. 414. Assim, declarou que: "A decisão de onde alocar a produção, em um país ou outro, é puramente financeira, já que os modelos são desenvolvidos pelas marcas globais, a tecnologia de produção ser de domínio das empresas que regularmente fornecem para as marcas globais nos diversos países, e as principais matérias-primas estarem disponíveis para qualquer fabricante a custos comparáveis, normalmente negociados pela própria marca." 415. A Abicalçados concluiu afirmando que, caso o direito antidumping não seja prorrogado, o Governo Brasileiro "abrirá enorme porteira à desova chinesa de todo tipo de calçado, cujo preço médio, segundo o TradeMap, não ultrapassou US$ 5,24/par, em 2019". Tal decisão causaria, segundo a Abicalçados, o fechamento de inúmeras fábricas de calçados no Brasil e o consequente desemprego em áreas de elevado nível de pobreza no País. 5.1.4.2 Dos comentários acerca das manifestações sobre o relacionamento entre as partes envolvidas no modelo global de produção 416. Inicialmente, acerca do questionamento da Ápice de não ter sido abordado anteriormente as manifestações a respeito do "relacionamento entre os produtores/exportadores chineses e as marcas internacionais", importa esclarecer que não se trata de mera questão de direito, a permitir, de pronto, decisão acerca do tema. Trata- se de campo que envolve essencialmente elementos factuais, como bem se depreende desde o debate iniciado no âmbito do processo de revisão anterior. Entendeu-se, assim, que qualquer análise sobre o tema, deveria apenas se concretizar após o encerramento da fase probatória, momento até o qual as partes têm a possibilidade de submeter elementos de prova que sustentem as suas alegações, de acordo com o que dispõe o art. 59 do Decreto nº 8.058 de 2013, além de estar em consonância com o art. 3º, III, da Lei nº 9.784, de 1999. 417. Quanto à afirmação da Ápice de que o inciso IX, § 10 do art. 14 do Decreto no 8.058, de 2013, que trata de relacionamento por dependência econômica, financeira e tecnológica, seria ilegal, por ser alegadamente contrário às disposições do Acordo Antidumping e da jurisprudência da OMC, há de se destacar que essa afirmação está completamente apartada da realidade, inclusive quando se toma por fundamento o caso aduzido pela própria Associação: Korea - Certain Paper. 418. No caso citado, não há qualquer abordagem que impeça a autoridade investigadora de caracterizar como partes relacionadas produtores/exportadores estrangeiros para fins de determinação de dumping em investigações de prática de dumping. Muito pelo contrário, o painel em seu relatório deixa evidente que o conceito de partes relacionadas não se restringiria apenas ao artigo 4.1 do Acordo Antidumping, e poderia ser aplicado entre empresas produtoras/exportadoras estrangeiras: "Article 6.10 does not necessarily preclude treating distinct legal entities as a single exporter or producer for purposes of dumping determinations in anti-dumping investigations. Having said that, however, we do not consider that Article 6.10 provides the IA with unlimited discretion to do so ¼ In our view, in order to properly treat multiple companies as a single exporter or producer in the context of its dumping determinations in an investigation, the IA has to determine that these companies are in a relationship close enough to support that treatment." (Panel Report, Korea - Certain Paper, para. 7.161) (grifo nosso) 419. Evidente que à autoridade investigadora, conforme se depreende do trecho acima, não são conferidos poderes ilimitados para atribuir esse tratamento. Essa definição, como todas as determinações que são elaboradas no âmbito dos procedimentos de defesa comercial, deverá estar amparada nos elementos de prova reunidos nos autos da investigação. Esse é o entendimento extraído do relatório do painel (Panel Report, Korea - Certain Paper, para. 7.161): "Whether or not the circumstances of a given investigation justify such treatment must be determined on the basis of the record of that investigation. In our view, in order to properly treat multiple companies as a single exporter or producer in the context of its dumping determinations in an investigation, the IA has to determine that these companies are in a relationship close enough to support that treatment." (grifo nosso). 420. Ainda com base no relatório do painel (Panel Report, Korea - Certain Paper, para. 7.162), não devem prosperar os argumentos que tentam reduzir a definição de relacionamento a meros critérios formais de controle ou a uma lista exaustiva de critérios. Veja-se: "(¼) we consider that Article 6.10, read in its context, and in particular with Article 9.5, could permissibly be interpreted to allow such treatment in other circumstances where the structural and commercial relationship between the companies in question is sufficiently close to be considered as a single exporter or producer." 421. Nessa esteira, o Decreto nº 8.058, de 2013, que regulamenta os procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação de medidas antidumping, deve ser louvado por ter inserido, em benefício dos administrados, os critérios para identificar as situações em que as partes deverão ser consideradas relacionadas ou associadas, conforme estabelecido no art. 14, § 10, prestigiando a segurança jurídica ao trazer, entre outros benefícios, previsibilidade ao procedimento administrativo. 422. Não se trata, portanto, de inovação, como quer fazer crer a Ápice, a ir alegadamente de encontro ao que estabelece o Acordo Antidumping, mas de oferecer um detalhamento sobre os critérios a serem observados para se determinar se as partes serão consideradas relacionadas ou associadas. 423. Ademais, tomando-se a parte final da Nota de Rodapé nº 11 do Acordo Antidumping, que versa "For the purpose of this paragraph, one shall be deemed to control another when the former is legally or operationally in a position to exercise restraint or direction over the later", fica evidente que a "relação de dependência econômica, financeira ou tecnológica" se lhe acomoda perfeitamente. 424. Faz-se referência à observação da Abicalçados a respeito de, até o presente momento, não ter havido qualquer questionamento ao dispositivo apontado como ilegal pela Ápice, pelo simples motivo de que não há qualquer violação ao arcabouço legal da OMC: "Agregar-se-ia a isso, o fato de após 8 (oito) anos de vigência do Decreto nº 8.058, de 2013, não existirem condenações ou disputas, quer seja "as such" ou "as applied", a respeito da definição de partes relacionadas no âmbito multilateral. Nesse sentido, a conclusão a respeito da ilegalidade do artigo 14, § 10, IX, do Decreto 8.058 de 2013, aventada pela Ápice, seria completamente irrelevante para os fins da presente revisão. Para a Abicalçados, ademais, a definição considerada no inciso IX do § 10 do art. 14 do referido Regulamento estaria em consonância com as mais modernas definições sobre a matéria, conforme, por exemplo, se observaria na Norma Brasileira de Contabilidade Nº TSP 22, de 21 de novembro de 2019, aprovada pelo Conselho Federal de Contabilidade." 425. No que tange às considerações da Nike Inc, como ela bem pontuou, toda a sua argumentação se dá na esteira da legislação antidumping americana, à qual não regula o procedimento antidumping brasileiro. Por essa razão não serão objeto de comentários por parte desta autoridade investigadora os aspectos da legislação alienígena. De toda forma, dado o tema sobre o qual discorreu a empresa - definição de partes relacionadas, considera-se que já foi abordado conforme o exposto acima. 426. Consoante elucidado acima, fica totalmente afastada a alegação de ilegalidade do artigo 14, § 10, IX, do Decreto nº 8.058, de 2013, uma vez que a jurisprudência da OMC já admitiu a possibilidade de que em determinadas situações é possível a caracterização de produtores/exportadores estrangeiros como partes relacionadas para fins de determinação de margem de dumping, bem como de aplicação do direito antidumping, além de não existirem critérios exaustivos para essa caracterização, o que deverá ser feito de acordo com as circunstâncias que se exteriorizem em cada caso. 427. Adentrando especificamente o caso em análise, não obstante o debate se estenda desde a última revisão, a Ápice insistiu em interpretar de forma equivocada a caracterização do relacionamento entre as empresas, ao afirmar que essa teria resultado da simples constatação de que existiria uma cadeia global de valor (CGV). Nas palavras da Associação, "a relação entre empresas por meio de uma CGV não pode ser considerada como fundamento para considerar as empresas como partes relacionadas para fins de dumping". 428. Esclarecedor recuperar o texto já pontuado no Parecer DECOM nº 6, de 2016, e no item 5.3.4 da Resolução CAMEX nº 20, de 2016:Fechar