DOE 16/09/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIV Nº188 | FORTALEZA, 16 DE SETEMBRO DE 2022
mostrou que levou uma pancada muito grande em sua face, ficou com um olho vazado. Disse ainda que, em decorrência dessa pancada, “fiquei tonto, fiquei
atordoado. Segundo o interrogado, o local do acidente ficava próximo de sua residência. Ao ser interpelado para esclarecer como se deu o acidente e se estava
sóbrio na ocasião, falou que estava sóbrio e que a colisão de seu veículo ocorreu ao fazer uma conversão à esquerda. Disse que após o acidente, esperou
socorro por algum tempo, mas, como estava próximo de sua residência, foi até sua casa caminhando e lá chegando, chamou um guincho, que só chegou após
meio dia. Interpelado se ligou 190 depois do acidente, respondeu que como não lesionou ninguém, gerando apenas danos materiais em seu próprio veículo,
achou melhor ligar para um guincho. Indagado por qual motivo não procurou ligar ou comunicar os fatos ocorridos à CIOPS ou ao oficial de serviço, falou
que “eu procurei a delegacia, eu me apresentei”. Instado a esclarecer em qual momento se deu essa apresentação, se somente depois que o vídeo começou a
circular, disse que compareceu à delegacia no dia seguinte, no período da noite. Mencionou ainda que ficou com uma parte do tórax lesionada e parte da
face, procurando primeiro tomar remédios e melhorar pra poder se apresentar. […] Perguntado se sua arma tinha registro e por que foi indiciado por porte
ilegal de arma, respondeu que possuía o CRAF do armamento, e que causou-lhe espanto o indiciamento por tal razão. […] Perguntado há quanto tempo a
arma se encontrava no deck, disse “lá é um local que eu já tinha há muitos meses, já era um local propício que dava pra dormir lá, dava pra fazer refeições,
tinha banheiro, tinha local pra armar rede, local pra colocar colchão, Lá tinha bebedouro, lá tinha geladeira, salvo engano, tinha mais de mês que essa arma
ficava lá. Eu tenho duas armas registradas, uma ficava na minha residência e a outra ficava lá.” Afirmou que era um local seguro, com cerca elétrica e muro
alto, mas, quado questionado se, ao entregar a chave da residência a terceiros, não lembrou que arma estava em um móvel de fácil acesso, disse que como
não portava tal arma há muito tempo, não lembrou que ela estava lá. Passada a palavra à defesa, disse que, além dos ofendículos, havia um cão pitbull para
proteger o local. Reforçou que a intenção de emprestar o local ao grupo de pessoas se deu para que pudessem ser futuros locadores do espaço, assim que
ficasse completamente pronto. Mencionou que a arma ficava guardada e escondida num móvel MDF, acreditando que Aquiles (Chaguinha) deva ter encon-
trado a pistola ao procurar algum utensílio de cozinha e nesse momento a Natalhia possa ter visto onde a arma estava. Respondendo pergunta de seu defensor
legal, atribuiu que o acidente ocorreu por conta de ter ficado atordoado e nervoso com o ocorrido no deck. […] Foi ainda solicitado que explicasse porque
estava recolhido no presídio militar se no processo penal sobre os fatos apurados teve deferida em seu favor a substituição da prisão por medidas cautelares
diversas, tendo ele informado que estava preso por outro fato. Por fim, reforçou que, por ser um policial militar, com técnica de tiro, saber manusear o arma-
mento, se tivesse a intenção de matá-la, teria ocorrido algo mais grave […]”; CONSIDERANDO que, acerca do interrogatório, causa estranheza ao senso
lógico de qualquer pessoa o acusado, possuidor da qualidade de garantidor, afirmar que após a vítima ser atingida, ele queria apenas ir para sua casa. Mesmo
se sua história, que não se sustenta, correspondesse à verdade, ainda assim ele estaria, ao não socorrer a vítima, violando, de modo grave, valores que deveria
velar enquanto policial militar. Não faz sentido a narrativa dele de que no local em que estava, o qual também era sua propriedade, havia toda uma estrutura
para hospedagem e ele ainda resolveu ir para casa. Deste modo, além de ter de ficar no local como garantidor do socorro da vítima, sua versão de que queria
ir para sua casa é inverossímil, posto que podia e devia permanecer naquele local, o que denota uma clara intenção de fuga. Oportuno frisar que não é das
declarações do acusado que devemos extrair sua real intenção, mas das circunstâncias do caso concreto, que revelam, repita-se, um comportamento de evidente
fuga. Deste modo não se sustenta sua alegação de que ficou nervoso e quis ir pra casa. Tratou-se de uma fuga. Ou seja, se sua versão fosse verdadeira, deveria,
ao menos, ter acionado e esperado o socorro da pessoa lesionada com sua arma. Ao ter adotado um comportamento completamente atípico para um policial
militar, Mayron, em que pese negue, fugiu, tentando escamotear sua responsabilidade pelo evento transgressivo. Com relação a seu estado de embriaguez,
sua versão é igualmente inverossímil. O estado notoriamente cambaleante do processado é típico de uma pessoa embriagada. À propósito, Wilson Luiz
Palermo Ferreira (p. 386, 2020) cita que dentre as manifestações clínicas da embriaguez estão as alterações do equilíbrio, da marcha, como se vê no vídeo,
o qual é plenamente válido para fazer prova do estado ébrio do acusado. Quanto a ter feito um exame toxicológico (fls. 239/240), não consta álcool dentre
as substâncias analisadas, em nada elidindo sua condição de embriagado no dia dos fatos. Continuando na análise de suas afirmações, como se explicaria
que alguém que acabou de sofrer um acidente de trânsito e alega ter ficado tonto e atordoado, tenta reunir forças para empurrar um veículo, conforme se vê
no vídeo de fls. 26-V, senão com a intenção de continuar sua fuga? Claramente trata-se de uma tentativa de construção de uma narrativa que possa sustentar
sua versão duvidosa de que não estava alcoolizado. O lapso temporal até sua apresentação na delegacia também depõe contra ele, não se sustentando que
tenha demorado mais de 24 horas para se apresentar com a intenção de recuperar sua saúde. O que soa estranho nessa demora para se apresentar é que, após
as lesões que afirmou ter sofrido por conta da colisão de seu veículo, que alega terem deixado-o tonto e desnorteado, não procurou qualquer unidade hospi-
talar para atendimento, consoante consta expressamente no exame de corpo de delito que realizou após apresentar-se na delegacia, mas no vídeo, mesmo
alegando tais debilidades, demonstrou força para empurrar um veículo. Assim, conclui-se, com a segurança processual devida, que Mayron estava embriagado
e fugiu. Ainda em relação ao acusado ter dito que possuía registro do armamento, não consta o respectivo CRAF nos autos. Em suma, crer na versão do
acusado seria ofensivo à lógica mais elementar, não tendo sua alegativa força sequer para constituir uma dúvida que lhe seja favorável, posto não ser plausível
que um profissional de segurança pública, tendo por volta de 10 (dez) anos na função policial, e alegando estar sóbrio, se depare com um acidente envolvendo
sua própria arma e sequer providencie o socorro da vítima, pois fugiu do local dos fatos; CONSIDERANDO que, em sede de alegações finais (213/238), a
defesa, em síntese, alegou a improcedência das acusações e tentou sustentar que os disparos em Natalhia se deram de forma acidental, quando o CB PM
Mayron e Valéria tentavam tirar a arma da mão dela, sem que houvesse intenção de nenhum deles atirar nela, ou seja, embasou-se apenas na versão que seria
favorável ao processado, partindo da premissa de que tais afirmações seriam verdadeiras. Asseriu que o acusado não fez uso de bebida alcoólica e que os
sintomas de embriaguez demonstrado no vídeo que se encontra nos autos foram produzidos pela colisão do veículo com um poste, o que causou desorientação
no processado. Também mencionou que realizou exame toxicológico e Argumentou também que Mayron não descuidou de sua arma, pois ela se encontrava
guardada em um móvel. Arguiu também que Mayron ficou assustado com a situação, por nunca ter vivenciado algo do tipo, e foi para casa assustado. Ao
fim, pugnou pela absolvição do acusado e permanência nas fileiras da Corporação; CONSIDERANDO no que concerne aos argumentos da defesa, não podem
ser acolhidos porque a versão do acusado não se sustenta. Sem embargo, as provas dos autos confirmam a hipótese acusatória; CONSIDERANDO que, Após
a regular instrução do presente processo, a Trinca Processante se reuniu na forma do art. 98 da Lei nº 13.407/03, para sessão de deliberação e julgamento (fl.
252), na qual decidiram de forma unânime, in verbis: “[…] Empós análise minuciosa de tudo contido nos autos, considerando os argumentos apresentados
pelos integrantes do Processo Administrativo Disciplinar, por UNANIMIDADE DE VOTOS, conclui-se que o acusado: SD PM 25.373 MAYRON MYRRAY
BEZERRA ARANHA, MF 304.090-1-9: I – É culpados das acusações formuladas no bojo do processo; II – ESTÁ incapacitado de permanecer no quadro
efetivo da Polícia Militar do Ceará. Foi deliberado, por unanimidade, no sentido permanecer os efeitos do Art. 88, §6º da Lei nº 13.407/03. Finalmente, o
senhor presidente determinou que fosse elaborado Relatório conclusivo, e a remessa dos autos deste Processo Administrativo Disciplinar à autoridade dele-
gante […]”; CONSIDERANDO que a Comissão Processante emitiu o Relatório Final nº 1117/2022, no intervalo entre as fls. 255/262, no qual, analisando
todos os aspectos probatórios da instrução, firmando fundamentadamente entendimento pela culpabilidade do acusado, com sugestão de demissão, sob os
seguintes posicionamentos, in verbis: “[…] DO PARECER DA COMISSÃO: Ab initio, o presente Processo Administrativo Disciplinar foi instaurado para
apurar a culpabilidade e a capacidade de permanência do CB PM 25.373 MAYRON MYRRAY BEZERRA ARANHA – MF: 304.090-1-9, nas fileiras da
Polícia Militar do Ceará, por ter no dia 08/05/2020, por volta das 8h, próximo à Avenida Leão Sampaio, em frente a empresa IBK, na cidade de Barbalha/
CE, alvejada por disparos de arma de fogo a pessoa de NATHALIA MARIA DA SILVA. Diante da hipótese acusatória, o militar teria infringindo as normas
axiológicas e principiológicas do art. 7º, II, IV, V, VI, VII, X, e viola os deveres éticos consubstanciados no art. 8º, caput, incisos XIII, XV, XVIII, XXVII,
XXIX e XXXIV, caracterizando transgressões disciplinares, de acordo com o art. 12, § 1º, I e II, e § 2º, II, III, c/c art. 13, §1º, XXX, XXXII, XLIX, L e LI,
§2º, LIII, tudo da Lei nº 13.407/2003. Analisando as provas carreadas, afere-se que há nos Autos elementos de cognição suficientemente capazes de subsidiar
uma análise do que ocorreu no dia dos fatos envolvendo o acusado. De acordo com a portaria do Processo Administrativo Disciplinar, o acusado no dia
08/05/2020 teria efetuado disparos de arma de fogo contra a VÍTIMA NATHALIA MARIA DA SILVA, atingindo-a conforme auto de exame de corpo de
delito, fls. 69/70v, acostada aos autos da ação penal nº 0050451.57.2020.8.06.0043, que descreve que NATHALIA foi vítima de disparo de arma de fogo em
braço direito com fratura na diáfise do úmero, sendo feita revascularização de artéria braquial e com achado de dano neurológico radial. A vítima também
apresentava abrasões e escoriações em joelhos e mãos, bem como a presença de sutura em face interna de coxa direita devido a intervenção cirúrgica para
colher material orgânico para revascularização do braço, além da presença de quatro suturas em face anterior de braço direito e uma sutura maior em face
medial de braço direito. Membro superior direito edemaciado com incapacidade de rotação, elevação e abdução de membro superior direito. Limitação na
flexão de quirodáctilos direitos, cujas lesões foram causadas por instrumento perfurocontundente, havendo nexo de causalidade entre o disparo e os ferimentos
suportados pela vítima, a qual correu risco de morte, de modo que o crime de homicídio não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do acusado.
Conforme se verifica no relatório de ordem de missão, fls. 54/55, e nos vídeos extraídos durante o percurso realizado pelo carro onde a vítima estava e pelo
carro do indiciado mostram que no dia 08 de maio, por volta das 05h30min, a vítima e o indiciado saem da antiga chácara de Ana Cleide e se dirigem até o
deck do acusado, local onde ocorreu o fato transgressivo. […] Percebe-se que a vítima, embora com comportamento alterado pelo uso de bebida alcoólica,
entrou em uma contenda com o acusado como relatou NATHALIA em seu depoimento, (fls. 183), sendo esta atingida com disparos de arma de fogo, em
virtude do alto grau de embriagues do acusado, concluindo que o policial militar se utilizou de arma de fogo, e inconsequentemente efetuou um disparo que
a atingiu por mais de uma vez a Srª. NATHALIA no braço direito. Nos sopesamentos entre as provas testemunhais e periciais, há de se valorizar o depoimento
da vítima e o que apresentou o laudo pericial nº 2020.0082283, fls. 69/70, bem como as circunstâncias em que se deram os disparos. O argumento de que
ocorrera uma luta corporal entre, VALÉRIA, NATHALIA e o acusado para a tomada da posse da arma não deve prosperar. Isso porque vislumbrando o local
atingido pelos disparos na vítima, torna-se impossível que a vítima tenha sido atingida com dois disparos de arma de fogo acidental, em uma luta corporal
na qual o acusado em seu interrogatório disse a priori que NATHALIA apontou a arma para cima e quando estava tentando tomá-la de suas mãos, apontou-a
para baixo. Pelo exposto, verifica-se que os depoimentos prestados pelas testemunhas FRANCISCO AQUILES DA SILVA, fls. 185 e FRANCISCA VALÉRIA
QUEIROZ DE OLIVEIRA, fls. 196, são inverossímeis, não condizentes com as demais provas carreadas nos autos. As demais testemunhas em nada contri-
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