DOE 01/11/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIV Nº218 | FORTALEZA, 01 DE NOVEMBRO DE 2022
CONTROLADORIA GERAL DE DISCIPLINA DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PENITENCIÁRIO
O CONTROLADOR GERAL DE DISCIPLINA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 5º, inciso I, da Lei Complementar n° 98, de 13 de junho de
2011 c/c Art. 32, inciso I da Lei nº 13.407, de 21 de novembro de 2003, e CONSIDERANDO os fatos constantes no Processo Administrativo Disciplinar
registrado sob o SPU n° 200511927-4, instaurado sob a égide da Portaria CGD nº 720/2021, publicada no D.O.E. CE nº 280, de 16 de dezembro de 2021,
visando apurar a responsabilidade disciplinar do militar estadual SD PM MARCELO HENRIQUE ARAÚJO, em razão de, em tese, no dia 11 de maio de
2020, na Av. Carneiro da Cunha, nº 310, bairro Jacarecanga, nesta urbe, fazer uso de instrumento perfurocontundente, ou seja, uma arma de fogo pertencente
à carga da PMCE, e tentar ceifar as vidas de Maria Regina Costa Lima e Gabriel Runjk Costa Barros (mãe e filho, respectivamente), além de haver discutido
com sua ex-companheira, Heliane dos Santos Lima. Noticiam os autos que na mencionada data, Maria Regina Costa Lima, encontrava-se em sua residência,
na companhia de seu filho, Gabriel Runjk Costa Barros, quando, por volta das 19h00, ouviu uma discussão entre o militar em tela e sua ex-companheira. Na
ocasião, Heliane dos Santos Lima, teria clamado por socorro e ajuda, instante em que a vítima, Maria Regina Costa Lima, foi até a porta de sua própria
residência e visualizou o militar em uma motocicleta discutindo com Heliane dos Santos Lima, a qual estava acompanhada de seu filho, Anderson Marcondes
Lima Alves e com a filha de 02 (dois) anos nos braços. A vítima (Maria Regina Costa Lima) então, resolveu se envolver na discussão, e informou que acio-
naria a polícia, contudo o militar sacou de sua arma e efetuou vários disparos, dos quais 04 (quatro) atingiram Maria Regina Costa Lima, na região do abdômen
e braço esquerdo, tendo comprometido de maneira parcial os movimentos dos dedos e da mão esquerda, e 03 (três) lesionaram Gabriel Runjk Costa Barros,
no ombro esquerdo e antebraço direito, sendo que todos os projéteis transfixaram. Consta ainda no raio apuratório, que em desfavor do militar tramita perante
a 1ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza/CE, a ação penal nº 0242376-74.2020.8.06.0001, haja vista o recebimento da denúncia ofertada pelo MPCE, com
fulcro no Art. 121, § 2º, II e IV, c/c Art. 14, II, ambos do Código Penal (homicídio na forma tentada); CONSIDERANDO que os fatos em comento vieram
à tona, por meio da Ouvidoria Setorial (e-mail denuncia@cgd.ce.gov.br – protocolado sob o nº 05119274/2020), datado de 12/05/2020, tendo de pronto, a
Autoridade Controladora determinado a instauração da devida Investigação Preliminar (fls. 06/09); CONSIDERANDO a título ilustrativo, pelos mesmos
motivos, e em observância ao princípio da independência das instâncias, o acusado figura atualmente como réu nos autos da ação penal sob n° 0242376-
74.2020.8.06.0001, ora em trâmite na 1ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza/CE, com recebimento da denúncia, por tentativa de homicídio qualificada,
datada de 15/09/2021, incurso nas penas do Art. 121, § 2º, II (motivo fútil) e IV (à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido) c/c Art. 14, II (tentado) do CPB, contra Maria Regina Costa Lima e Gabriel Runjk Costa Barros (fls.
105/108-V e fl. 212 – mídia DVD-R, prova compartilhada); CONSIDERANDO que durante a instrução probatória o acusado foi devidamente citado (fl.
124) e apresentou Defesa Prévia às fls. 141/146, momento processual em que arrolou 06 (seis) testemunhas, ouvidas à fl. 160, fl. 215 e fl. 238 – mídia DVD-R.
Demais disso, a comissão processante ouviu 10 (dez) testemunhas (fl. 151, fl. 203, fl. 216 e fl. 238 – mídia DVD-R). Frise-se que duas testemunhas arroladas
pela defesa do acusado, foram inicialmente oitivadas pela Trinca Processante, conforme consignado na ata da 1ª sessão, datada de 31/01/2022. Posteriormente,
o acusado foi interrogado às (fl. 222 e fl. 238 – mídia DVD-R), na oportunidade, abriu-se prazo para apresentação da Defesa Final; CONSIDERANDO que
em sede de razões prévias (fls. 141/146), a defesa do aconselhado, em síntese, após descrever a imputação constante na exordial, mormente, o relato de uma
das vítimas, Maria Regina Costa Lima, protestou pela sua improcedência, pois o aconselhado teria agido com o intuito de salvaguardar sua vida (legítima
defesa). Na mesma senda, aduziu que os fatos foram absolutamente distorcidos com o objetivo de proporcionar credibilidade à acusação. Nesse sentido, deu
outra versão para os fatos, e arguiu que no dia dos eventos, o aconselhado encontrava-se sentado em sua moto de costas para a entrada da residência das
vítimas, quando percebeu que alguém furiosa e rapidamente se aproximava, o que fez com que o PM sacasse sua arma para defender-se, disparando contra
um homem que caminhava em sua direção para agredi-lo, evadindo-se em seguida, por trata-se de local dominado por facção criminosa. Aduziu que na
ocasião, o PM disparou para trás, pois estava de costas para a entrada da residência das supostas vítimas e apenas com o intuito de evitar que sofresse agressão
iminente de alguém que se aproximava rápida e ameaçadoramente, bem como para movimentar-se e sair rapidamente da localidade, com incidência de
criminosos de altíssima periculosidade. Afirmou que posteriormente veio a saber que seu pretenso agressor seria filho de Maria Regina Costa Lima, de nome
Gabriel Runjk Costa Barros, e que ambos haviam sido atingidos pelos disparos. Ademais, ressaltou que na ocasião, sequer mirou a arma, tendo apenas em
desespero, efetuado disparos para fazer seu suposto agressor recuar e que em relação às primeiras declarações, estas devem ser analisadas com a devida
reserva, pois são das próprias vítimas, já que simplesmente teria se defendido de iminente agressão física, após ter sido vítima de agressões verbais. Na
sequência afirmou que de fato, o militar efetuou os disparos, porém albergado pela excludente da legítima defesa. Assim sendo, não haveria se falar na
incidência da qualificadora da futilidade, e muito menos na utilização de qualquer recurso que tenha dificultado ou impedido a chance de defesa dos ofendidos,
posto que o processado estava preste a ser agredido fisicamente por Gabriel Runjik Costa Barros. Na mesma perspectiva, passou a discorrer sobre alguns
institutos do direito penal e processual penal – ausência de dolo, legítima defesa e inexigibilidade de conduta diversa e para tal fim, citou doutrina pátria.
Arguiu ainda, sobre a falta de provas, haja vista que a acusação teria sido totalmente embasada apenas nos depoimentos das vítimas, sem qualquer prova
robusta como os fatos realmente ocorreram, cabendo a acusação, diante do sistema processual vigente demonstrar a existência do ilícito e a relação direta
com sua autoria. Da mesma forma, asseverou que de forma leviana, instaurou-se o presente processo administrativo, desprovido de provas cabais a demons-
trar como realmente ocorreu o fato investigado, consubstanciado unicamente em indícios que maculam a finalidade do procedimento. Do mesmo modo,
afirmou que com base nas próprias declarações acostadas ao presente processo, é perfeitamente possível verificar a ausência de quaisquer evidências que
confirmem que os fatos aconteceram tais como narrados pelas supostas vítimas, posto que não haveria provas que sustentem as alegações trazidas no processo,
e sequer indícios contundentes foram juntados, devendo o presente processo ser imediatamente arquivado, com a aplicação imediata do princípio do in dubio
pro reo. Nessa perspectiva citou o doutrinador Noberto Avena: “(…) Apenas diante de certeza quanto à responsabilização penal do acusado pelo fato prati-
cado é que poderá operar se a condenação. Havendo dúvidas, resolver-se-á esta em favor do acusado. Ao dispor que o juiz absolverá o réu quando não houver
provas suficientes para a condenação, o art. 386, Vil, do CPP agasalha, implicitamente, tal princípio. (Processo penal. 1O ed. Editora Método, 2018. Versão
ebook, 1.3.15) (…)”. Em seguida, ressaltou que trata-se da devida materialização do princípio constitucional da presunção de inocência – art. 5º, inc. LVII
da Constituição Federal, pela qual cabe ao Estado acusador apresentar prova cabal a sustentar suas acusações, ainda que na seara administrativa, impondo-se
ao Julgador fazer valer o brocado: allegare sino probaro et non allegare paria stint – alegar e não provar é o mesmo que não alegar. Por fim, diante da exis-
tência de circunstâncias que excluem o fato como ilícito, requereu a absolvição do acusado e o consequente arquivamento do feito, e no caso de não aceitação
do pleito, pugnou pela produção de toda prova admitida em direito, em especial a testemunhal, e para tanto arrolou 06 (seis) testemunhas; CONSIDERANDO
que em reposta à supracitada defesa prévia, a Trinca Processante emitiu o despacho nº 1233/2022, nos seguintes temos (fl. 197): “[…] 1. Trata-se de análise
da Defesa Prévia apresentada pelo Sd PM Marcelo Henrique de Araújo por meio de seu Defensor o Dr Gustavo Borges Gonçalves – OAB/CE 28.821, nos
autos de processo 2005119274 em que fora acusado de prática de tentativa de homicídio e de violência doméstica, conforme detalhes contidos na Portaria
CGD nº 720/2021, publicada no DOE nº 280/2021. 2. A defesa argui que o acusado nada fez além de tentar salvar a própria vida, pois provará durante a
instrução que o militar estava sentado em sua moto quando percebeu que alguém se aproximava furiosa e rapidamente o que fez com que sacasse sua arma
para defender-se e evadir-se do local que era dominado por facção criminosa. Argui ainda a ausência de dolo, ausência de provas, da inexigibilidade de
conduta diversa e que agiu em legítima defesa. Por fim, apresenta rol de testemunhas. É a síntese. Passa-se a análise. 3. Em que pesem os argumentos da
defesa, verifica-se de plano a necessidade de apuração face a gravidade das denúncias, não sendo, portanto situação de arquivamento sumário. Defere-se o
pedido de oitiva do rol de testemunhas, dando-se prosseguimento ao feito. (grifou-se) […]”; CONSIDERANDO que exsurgem das declarações das testemu-
nhas arroladas pela Comissão Processante (fl. 238 – mídia DVD-R), como os fatos se desencadearam. Nesta direção, restou evidenciado que no dia em
questão, a conduta do aconselhado em efetuar vários disparos em direção a uma mãe e filho, vizinhos de sua ex-companheira, fora motivada em razão de
uma simples discussão verbal entre Maria Regina Costa Lima e o militar SD PM M Henrique, porém sem a mínima necessidade para tal atitude, haja vista
que dos depoimentos colhidos, se depreende que nenhuma das duas vítimas representavam quaisquer ameaça ao ponto de justificar tamanha agressão (imode-
rada, desproporcional e desarrazoada), haja vista que não ficou demonstrado nenhuma agressão física a pôr em risco a integridade física ou à saúde do
aconselhado. Nesse sentido, a autoria é inconteste conforme farto material colhido ante a prova testemunhal. Assim sendo, infere-se dos relatos acima,
notadamente dos denunciantes e de outras pessoas que se encontravam no local (residencial Nossa Senhora de Fátima) revelações importantes que aclararam
as circunstâncias em comento. Nessa perspectiva, não há dúvidas de que na fatídica noite, o SD PM M Henrique, em face de uma divergência (discussão)
demonstrou comportamento precipitado/exaltado, ao efetuar vários disparos de arma de fogo, atingindo duas pessoas (mãe e filho, respetivamente). Nesse
contexto, da simples cognição ante os depoimentos restou rechaçada por completa, as teses expendidas pela defesa do SD PM M Henrique, quando arguiu
legítima defesa própria, além da ausência de dolo, inexigibilidade de conduta diversa e ausência de prova, o que impediria a aplicação de sanção disciplinar.
Ora, dos aludidos depoimentos, extrai-se, com meridiana clareza, que o acusado impelido por motivo fútil (discussão), sacou de uma pistola e efetuou vários
disparos de arma de fogo contra Maria Regina da Costa Lima e Gabriel Runjk Costa Barros, impossibilitando qualquer esboço de defesa, tendo o acusado
após os tiros, pelo menos 10 (dez), segundo a prova testemunhal, saído calmamente do local, instante em que os ofendidos foram socorridos de forma imediata
pelos proprietários do condomínio residencial ao Hospital IJF/Centro. Da mesma forma, no presente caso, a palavra dos denunciantes mostraram-se de
fundamental importância para a elucidação dos fatos, constituindo elemento hábil a fundamentar um veredito condenatório, posto, firmes, coerentes e conso-
lidadas pelos demais elementos de prova acostados aos autos, conforme se extrai dos depoimentos das outras testemunhas, aliado ao resultado dos exames
periciais, prontuários médicos e do conteúdo constante nos autos dos Inquéritos Policiais, da Sindicância Formal e da Ação Penal nº 0242376-74.2020.8.06.0001,
ora em trâmite na 1ª Varado Júri da Comarca de Fortaleza/CE, que perlustraram os mesmos acontecimentos (prova compartilhada – mídia DVD-R à fl. 212);
CONSIDERANDO que frise-se ainda, que as testemunhas arroladas pela Trinca Processante também foram ouvidas em sede inquisitorial, conforme IP nº
323-69/2020-DAI, bem como em sede de contraditório por meio da Sindicância Formal de Portaria nº 004/2020 – 1º CRPM, acostadas aos fólios, à (fl. 89,
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