DOE 01/11/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIV Nº218 | FORTALEZA, 01 DE NOVEMBRO DE 2022
disparos), o militar saiu calmamente do local, enquanto que vizinhos, de imediato socorreram os ofendidos ao IJF-Centro, tendo a Srª Maria Regina Costa
Lima permanecido internada por cerca de 30 (trinta) dias, enquanto Gabriel Runjk Costa Barros, recebeu alta na mesma data. 5. Frise-se ainda, que no dia
seguinte, o acusado, se dirigiu até o 3º DP, onde se apresentou espontaneamente, e registrou o B.O nº 107-2568/2020, e deu sua versão dos fatos. 6. Empós,
visando a apuração dos fatos, as circunstâncias e sua respectiva autoria, iniciou-se no âmbito da Polícia Civil do Estado do Ceará os devidos procedimentos
inquisitoriais (inicialmente o IP nº 132-32/2020–3º DP, e posteriormente o IP nº 323-69/2020–Delegacia de Assuntos Internos–DAI/CGD, que culminou no
indiciamento do SD PM Marcelo Henrique Araújo, por tentativa de homicídio, nas tenazes do Art. 121, c/c 14, II e III, do CP). No mesmo sentido, foi
instaurado na esfera da PMCE, a Sindicância Formal nº 004/2020 – P/1 – CPC/PMCE), bem como uma Investigação Preliminar – COGTAC/CGD). 7.
Ulteriormente, tendo como peça informativa o IP nº 323-69/2020–Delegacia de Assuntos Internos–DAI/CGD (fl. 212 – mídia DVD-R), constata-se por meio
de consulta pública ao site do TJCE e da prova compartilhada, que após sua conclusão, este foi encaminhado ao Poder Judiciário (ação penal tombada sob
o nº 0242376-74.2020.8.06.0001, à fl. 212 – mídia DVD-R), ora em trâmite na 1ª Varado Júri da Comarca de Fortaleza/CE, (atualmente na fase de recebi-
mento da denúncia)]; CONSIDERANDO que por sua vez, tendo como peça informativa o IP nº 323-69/2020 – Delegacia de Assuntos Internos – DAI/CGD,
fora deflagrado no âmbito da 1ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza/CE, o processo criminal nº 0242376-74.2020.8.06.0001 (fl. 212 – mídia DVD-R), no
qual o militar figura como réu (conforme descrito outrora). Deste modo, verifica-se a continuidade da ação penal, uma vez que os elementos de provas
colhidas no curso do procedimento inquisitorial foram considerados lícitos e suficientes para a decisão do Poder Judiciário, que culminou no recebimento
da denúncia, nos seus exatos termos; CONSIDERANDO que no presente Processo Administrativo Disciplinar (PAD), a pretensão de acusatória deduzida
na portaria tem substrato fático que se amolda tanto a tipos penais, como se enquadra em transgressões disciplinares. Não obstante essa projeção do mesmo
fato em instâncias punitivas distintas, o processo disciplinar não se presta a apurar crimes propriamente ditos, mas sim averiguar a conduta do militar diante
dos valores, deveres e disciplina de sua Corporação, à luz do regramento legal ao qual estão adstritos, bem como, a relevância social e consequência do seu
comportamento transgressivo em relação à sociedade; CONSIDERANDO que calha ainda assentar que, é sabido que há faltas disciplinares que, pela sua
maior gravidade e/ou seu caráter doloso, constituem também crimes, as quais configuram violação de deveres relativos à disciplina e, ao mesmo passo, ações
e/ou omissões previstos na Lei Penal. Prevendo, assim a lei disciplinar, faltas que o Código Penal Comum e/ou Militar também reprimem, considerando-os
delitos. Nessa perspectiva, dada a relevância do ocorrido, o comportamento do processado, na forma praticada nos autos, se amolda, formal e materialmente,
a tipos penais também previstos no ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, parte-se da premissa de que as acusações em desfavor do processado, se
adéquam, em tese, a uma transgressão equiparada ao delito de homicídio na forma tentada, cuja ação consiste em – tentar destruir a vida de alguém, bem
como suposta prática de violência doméstica contra sua ex-companheira. Assim sendo, analisando-se o caso, mutatis mutandis, à luz do entendimento que
se daria na seara penal, posto compartilharem da mesma ratio juris, somente a imputação referente à suposta violência doméstica não restou suficientemente
comprovada; CONSIDERANDO que nesta senda, os atos praticados pelo SD PM M Henrique, dentre outras condutas, convergem para transgressões disci-
plinares de natureza grave, de forma que o manancial probatório acostado aos autos confere convencimento de que tal falta funcional ocorreu e que seu autor
foi o militar supra. Observe-se ainda, que os acontecimentos foram preliminarmente investigados na esfera da Polícia Civil do Estado do Ceará, por meio
dos Inquéritos Policiais nº 103-32/2020–3ºDP e nº 323-69/2020-DAI, de Portaria nº 62/2020, datado de 29/06/2020, culminando no indiciamento do militar
por tentativa de homicídio, nas tenazes do Art. 121, c/c Art. 14, II e III, do CP (fl. 212 – mídia DVD-R); CONSIDERANDO que de modo a exaurir a cognição
e justificar a punição demissória em face de um do SD PM M Henrique, é pertinente pontuar que o poder disciplinar busca, como finalidade fundamental,
velar pela regularidade do serviço público, aplicando, para tanto, medidas sancionatórias aptas a atingir tal desiderato, respeitando-se sempre o princípio da
proporcionalidade e seus corolários (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito); CONSIDERANDO que nessa esteira, a fim de avaliar
o comportamento do aconselhado e individualizá-lo, preliminarmente, faz-se necessário esclarecer as contestações da defesa em sede de alegações prévias
e razões finais (em síntese: pretensa legítima defesa, ausência de dolo, inexigibilidade de conduta diversa e por fim, suposta ausência de prova), desse modo,
não merece prosperar a tese de que o militar aconselhado teria agido, amparado sob o manto da excludente de ilicitude da legítima defesa, previstas no Art.
34, III, da Lei nº 13.407/2003 e Arts. 23, II e 25 do CP, que assim dispõe: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente os meios necessá-
rios, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, posto que não se sustenta diante do conjunto probatório. Nesse diapasão, temos
assim a demonstração na letra da lei dos requisitos mínimos para a caracterização da excludente no caso concreto. Logo, no ocorrido daquela fatídica noite,
analisando-se os requisitos, verifica-se sem muito esforço, a total ausência destes na conduta do processado. Vejamos: Agressão, segundo MIRABETE, é
um ato humano que lesa ou põe em perigo um direito, e que deve ser atual ou iminente, garantindo que não seja possível a vingança privada posterior a
agressão. “Atual é a agressão que está desencadeando-se, iniciando-se ou que ainda está desenrolando-se porque não se concluiu”. Do mesmo modo, “contra
direito próprio ou alheio”, esta só se pode invocar quem estiver defendendo bem ou interesse juridicamente protegido. Assim como, “moderação no emprego
dos meios necessários”, ou seja, eficazes e suficientes para repelir a agressão ao direito, causando o menor dano possível ao atacante, devendo haver propor-
cionalidade entre a defesa empreendida e o ataque sofrido, a ser apreciada no caso concreto. Portanto, a legítima defesa foi idealizada para legalizar a tutela
de um direito e não para albergar o agressor, logo, no caso sub oculi, é veemente a ausência de qualquer desses requisitos na conduta do SD PM M Henrique,
pois naquela noite, faltou-lhe dentre outras atitudes, maturidade, percepção, prudência e responsabilidade ao se envolver em um entreveiro fútil que provocou
(discussão), culminando em lesões a bala em duas pessoas, sem que algum fato de maior gravidade tivesse ocorrido; CONSIDERANDO que do mesmo
modo, a Jurisprudência dos Tribunais Pátrios, assim se manifesta sobre a inocorrência da legítima defesa, vejamos algumas decisões, sobre tão importante
e controvertido tema: “[…] AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.625.634 – AL (2019/0352035-2) RELATOR: MINISTRO ROGÉRIO SCHIETTI
CRUZ AGRAVANTE: CLÁUDIO JOSÉ DA SILVA VIEIRA (PRESO) ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE ALAGOAS AGRA-
VADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ALAGOAS DECISÃO CLÁUDIO JOSÉ DA SILVA VIEIRA […] A legítima defesa para que possa
ser acolhida, precisa ficar provada, e a prova é ônus do réu, sendo insuficiente a simples alegação (TACRIM-SP – AC – Rel. Hélio de Freitas – RT 671/346)
[…] Dispositivo À vista do exposto, com fundamento no art. 932, VIII, do CPC, c/c o art. 253, parágrafo único, II, b, parte final, do RISTJ, conheço do
agravo para negar provimento ao recurso especial. Publique-se e intimem-se. Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2020. Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ
Relator (STJ – AREsp: 1625634 AL 2019/0352035-2, Relator: Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 17/02/2020) […]”. (grifou-se)
“[…] EMBATE CORPORAL QUE REDUNDA EM MORDIDA E DECEPAMENTO PARCIAL DA ORELHA ESQUERDA DA VÍTIMA ÉDITO
CONDENATÓRIO – INCONFORMISMO DA DEFESA – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – LEGÍTIMA DEFESA INOCORRENTE
– AGENTE QUE PROVOCA A BRIGA E COMETE AÇÃO DESARRAZOADA – DECISÃO HOSTILIZADA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO
“Não pode invocar legítima defesa quem deu causa aos acontecimentos (TJMT, RT783/686; TACrSP, RT, 511/403) […]”. (grifou-se) “[…] LEGÍTIMA DE
DEFESA DE TERCEIRO NÃO CONFIGURADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. Não há dúvida, no presente saco, que o acusado atingiu a vítima com
golpe de facão, amputando-lhe a mão esquerda. O fato foi confirmado por ele e por testemunhas. Não caracteriza a legítima defesa de terceiro quando já
cessada a agressão. No presente, as testemunhas ouvidas confirmam que, quando cessada a agressão indicada pelo réu, a vítima ainda não havia sido lesionada.
APELAÇÃO NÃO PROVIDA (TJRS – Apelação Crime ACR 70063375646 RS). […]” (grifou-se). Logo, no caso em apreço, verifica-se que não foi efeti-
vada a juntada de quaisquer prova que indicasse a veracidade das afirmações concernentes à excludente almejada. Consequentemente, não há como validar
referida tese. Ora, é notória a falta dos requisitos que caracterizem tal justificativa de ilicitude e/ou transgressão, não há nos autos, o registro de uma agressão
injusta ao ponto de legitimar tamanha desproporção. Na verdade, ratifique-se que em face da arguição da referida excludente, sustentada sob a narrativa de
uma repulsa a uma pretensa injusta agressão por parte das vítimas, não justifica em hipótese alguma referida atitude. Outrossim, cumpre frisar que não consta
dos fólios comprovação de que houve qualquer tipo de disparo contra o acusado ou ameaça por parte de alguém portando arma, a não ser a absurda conjec-
tura idealizada pelo aconselhado já sobejamente esclarecida e desconstruída ao longo da instrução processual. Nesse sentido, restou plenamente comprovado
que o aconselhado – SD PM M Henrique, praticou parte das condutas descritas na exordial acusatória, fato inescusável, afrontando a dignidade do cargo,
descumprindo suas funções de policial militar, que é garantir na esfera de suas atribuições, a manutenção da ordem pública e proteção às pessoas/sociedade,
promovendo sempre, o bem-estar comum, dentro da estrita observância das normas jurídicas e das disposições do seu Código Disciplinar, seja na vida pública
ou privada, e não proceder de forma contrária, pois de seus integrantes se esperam homens e mulheres que mantenham a disciplina, o senso do dever e o
firme propósito de cumprir os valores e deveres militares. In casu, as provas existentes nos autos vão de encontro às afirmações constantes nas razões finais
de defesa. Ressalte-se, ainda, que diante da certeza de que o uso da arma de fogo, ou o disparo propriamente dito, sempre traz riscos, seja pela chance de se
atingir um inocente ou até mesmo um objetivo não pretendido, mostra-se indispensável a ponderação por parte do agente policial antes de fazer uso de seu
armamento, de modo que esse emprego se processe com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim a ser almejado. Dessa forma, não é legítimo
o uso de arma de fogo contra pessoa que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou outra circunstância análoga ao agente de segu-
rança pública ou a terceiros, o que, in casu, não ocorreu. De mais a mais, ainda que se levasse em consideração a tese apresentada, não há nenhuma razoa-
bilidade para um agente da segurança pública, diante de pessoa desarmada, apontar-lhe uma arma de fogo e efetuar vários disparos, posto que a violência
expressada, revela completo descontrole na conduta do SD PM M Henrique com o objetivo de tentar ceifar a vida de outrem, numa ação absolutamente
injustificada. Assim sendo, analisando os fatos, verifica-se que a conduta do processado em tentar matar Maria Regina da Costa Lima e Gabriel Runjk Costa
Barros (mãe e filho, respectivamente), sem qualquer chance de defesa por parte de tais indivíduos (conforme depreende-se dos relatos das testemunhas e das
próprias vítimas), pegando-o de inopino, efetuando disparos (imbuído de animus necandi) contra os 02 (dois), de modo a ceifar suas vidas, atingindo-os
ambos, como constataram as análises e conclusões da perícia médico-legal exaradas nos autos, por meio dos exames de corpo de delito (lesões corporais) e
dos respectivos prontuários médicos, oriundos do Hospital IJF/Centro e outros estabelecimentos de saúde, à fl. 212 – mídia DVD-R, demonstra, de forma
inconteste, que a ação do acusado não pode ser amparada pelo instituto da legítima defesa, pois conforme o Art. 25 do CPB, diz-se que atua em legítima
defesa quem repele agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou a direito de outrem, com uso dos meios necessários, com moderação e com vontade
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