DOE 01/11/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará
109
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIV Nº218 | FORTALEZA, 01 DE NOVEMBRO DE 2022
de se defender. Ademais, não pode alegar legítima defesa quem deu causa aos acontecimentos e/ou quem invoca uma agressão finda ou pretérita, pois não
estará protegido pela norma permissiva. Demais disso, o bojo probatório caminha em sentido inverso ao reconhecimento da legítima defesa própria, de
maneira que, a conduta do acusado restou imantada em motivo fútil, imoderada e desproporcional, demonstrando-se a inexistência de qualquer agressão atual
ou iminente objetiva que justificasse tal reação (disparo de arma), pois sua versão de que teria sido agredido pelas vítimas, e que se limitou a causar lesões,
sem qualquer intenção de tirar-lhes as vidas, mas de apenas fazer cessar suposta iminente agressão, não se comprovou. Outrossim, cumpre frisar, que não há
no contexto fático dos autos nenhum indício de que as vítimas (mãe e filho), ou terceira pessoa, estivessem de posse de qualquer arma, seja de fogo ou
“branca”, assim como não há subsídio que comprove que houve agressão física contra o acusado, anteriormente o instante dos disparos, como sustenta a
defesa, e capaz de justificar vários tiros em direção aos ofendidos, cujo único resultado previsível seria a lesão ou morte de alguém. Da mesma forma, mesmo
que tenha agido por temor de possível agressão por parte das vítimas ou de vizinhos, como também alegado, inexistem provas ou evidências de que o militar
chegou a ser agredido fisicamente ou ameaçado nesse sentido, antes da tragédia que resultou nas graves lesões a bala, pelo contrário, ele (PM) é que sentin-
do-se contrariado, exaltou-se e passou a incutir medo e pânico nos presentes, quando sacou de sua arma e efetivou os disparos. Com efeito, as circunstâncias
permitem afirmar que, possivelmente, a intenção do acusado fosse atingir a Srª Maria Regina da Costa Lima, entretanto os disparos também vieram a atingir
seu filho no instante em que foi ao socorro da mãe, como se depreende da prova testemunhal e dos exames periciais constantes à fl. 212 - mídia DVD-R;
CONSIDERANDO no mesmo contexto que diante dessas considerações, não se pode deixar de destacar que o exame de corpo de delito nº 2020.0087024,
datado de 14 de junho de 2020, à fl. 212 – mídia – DVD-R, realizado na primeira vítima – Maria Regina Costa Lima, proveniente da PEFOCE, aferiu, in
verbis: “(…) Pericianda, comparece domingo as 18:52, informando que foi agredida pelo vizinho com projéteis de arma de fogo, durante discussão com o
vizinho dia 11 de maio de 2020. Não traz relatório médico e nem exames de imagem comprobatórios. Apenas porta guia policial. Ao exame: - cicatriz
abdominal mediana extensa, do apêndice xifoide e síntese púbica, compatível com laparotomia exploradora, - ferimentos já cicatrizados em gradil costal
direito e flanco esquerdo, podendo corresponder a orifícios de entrada e saída de projéteis de arma de fogo, - quatro ferimentos cicatrizados em membro
superior esquerdo, sendo: um no braço, um no cotovelo e dois no antebraço, podendo corresponder a orifícios de entrada e saída de projéteis de arma de fogo.
Não é possível informar sobre instrumento causador, por não portar qualquer relatório médico referente a agressão e ferimentos já se encontrarem todos
cicatrizados. Orientada a pericianda sobre a necessidade dos relatórios e de exame complementar. (…)”. (grifamos). No mesmo sentido foi o exame de corpo
de delito nº 2020.0081691, datado de 14 de junho de 2020, à fl. 212 – mídia – DVD-R, realizado na segunda vítima – Gabriel Runjk Costa Barros, in verbis:
“(…) O periciando relata ter sido vítima de lesão por projéteis de arma de fogo no dia 11/05/2020. Não porta, relatórios médicos. Exame médico legal: Duas
feridas elípticas na face anterior do terço médio do antebraço direito, com aproximadamente 1,0 centímetro de diâmetro, cada, uma com as bordas invertidas
e a outra com as bordas evertidas, compatíveis com orifício de entrada de projétil único de arma de fogo disparado à distância do corpo e com o seu orifício
de saída, Duas feridas circulares com aproximadamente 1,0 centímetro de diâmetro, cada, uma com as bordas invertidas, compatível com orifício de entrada
de projétil único de arma de fogo disparado à distância do corpo na face anterior do ombro esquerdo e a outra com as bordas evertidas, compatível com
orifício de saída de projétil na face posterior do ombro esquerdo. Ferida contusa circular não penetrante no ombro esquerdo. Limitação dos movimentos de
elevação e de abdução do membro superior esquerdo. Movimentos normais da mão esquerda. (…)” (grifamos). Registre-se ainda, os prontuários médicos
(fl. 212 – mídia DVD-R), provenientes do Instituto Dr José Frota (IJF-Centro), para onde as duas vítimas foram inicialmente socorridas. Da documentação
supra, infere-se que Maria Regina da Costa Lima sofreu 04 (quatro) lesões por arma de fogo, atingindo-a na região do abdômen e braço esquerdo, tendo sido
submetida a uma laparotomia. Em relação a Gabriel Runjk Costa Barros, há registro que o paciente foi atingido por projétil de arma de fogo, mais precisa-
mente no ombro esquerdo e no antebraço direito; CONSIDERANDO ainda, é importante salientar que as vítimas, encontravam-se na sua residência, apare-
cendo na cena do delito pouco antes do momento dos disparos, com o intuito de possivelmente oferecer ajuda a uma vizinha, o que levou a Srª Maria Regina
da Costa Lima a questionar o comportamento do militar, gerando uma discussão. Assim sendo, aquelas pessoas não representavam perigo concreto ao
processado que justificasse o emprego de arma de fogo (violência desnecessária e imoderada). Muito menos encontra respaldo a tese de legítima defesa como
aventada, posto que só em apontar a arma em direção a quem quer que seja, demonstra total ausência do dever de cuidado com o equipamento, assim como
há a previsibilidade manifesta de dano à integridade física de qualquer pessoa presente. Demais disso, não restou provado que uma das vítimas, Gabriel Runjk
Costa Barros, tenha abordado o militar ou que uma multidão supostamente furiosa o tenha cercado, posto que infere-se dos autos que a percepção da “pequena
e furiosa multidão”, de parte do PM, tratava-se, na verdade, das pessoas da convivência do militar acusado, sendo composta por sua ex-companheira, o
enteado, a filha do próprio aconselhado (menor de idade), e uma amiga da ex esposa do PM, que se encontrava em sua casa, ou seja, pessoas conhecida do
acusado. As únicas pessoas estranhas ao seu convívio eram as duas vítimas, porém tratava-se de vizinhos. E, ainda que a vítima Maria Regina Costa Lima,
tenha segurado o guidom da moto do aconselhado, como relatado em alguns dos depoimentos, ainda assim não seria motivo para a efetivação dos disparos
contra duas pessoas desarmadas. Portanto, no caso em apreço, verifica-se que não foi efetuada a juntada de quaisquer prova que indicasse a veracidade da
afirmação concernente à excludente almejada, em contra partida, o que se constatou em todo o processo foram depoimentos antagônicos ao do acusado.
Consequentemente, não há como validar tal tese. Nessa senda, é notória a falta dos requisitos que caracterizem tal justificativa de ilicitude e/ou transgressão,
não há nos autos, a indicação de uma agressão injusta ao ponto de justificar tamanha desproporção, e por mais que tenha o SD PM M Henrique se sentido
acuado e/ou humilhado visto a animosidade verificada in loco, não houve naquelas circunstâncias, ataque a bem jurídico no mesmo patamar que justificasse
tamanha repulsão com vários disparos de arma em desfavor de duas pessoas, que se encontravam na porta de sua residência. Além do mais, a desproporcio-
nalidade é patente, posto que há uma total falta de dimensão entre a suposta causa e o resultado. Desse modo, conclui-se que a arguição concernente à tese
de que o SD PM M Henrique, teria agido em legítima defesa própria (excludente transgressiva, disposta no art. 34, III, da Lei nº 13.407/2003), não encontra
amparo legal, haja vista que ficou demonstrado a prática de atos que não resguardam a ação do militar em tela. Nessa perspectiva, os termos acusatórios
colhidos foram confluentes em apontar o aconselhado como autor dos disparos que vitimaram Maria Regina da Costa Lima e Gabriel Runjk Costa Barros;
CONSIDERANDO no que se refere a suposta ausência de dolo em relação à conduta em questão, a dinâmica dos fatos demonstrada nestes autos, indica o
contrário, haja vista que o aconselhado impelido pela fúria, durante uma simples discussão ao ter seu comportamento questionado por uma vizinha em
decorrência de uma celeuma anterior envolvendo-o junto com sua ex-companheira e o filho desta, disparou de forma deliberada, várias vezes contra Maria
Regina da Costa Lima e Gabriel Runjk Costa Barros, atingido os dois com vários tiros, saindo logo em seguida do local. Na mesma perspectiva a alegação
de legítima defesa não pode prosperar, pois o mesmo dolosamente sacou de sua arma, que modernamente dispara apenas com o acionamento voluntário do
gatilho, significando que o mesmo teve a intenção de atingi-los. Nesta senda, dolo, em sentido técnico penal, é a vontade de uma ação orientada à realização
de um delito, ou seja, é o elemento subjetivo que concretiza os elementos do tipo. O crime é considerado doloso quando o agente prevê objetivamente o
resultado e tem intenção de produzir esse resultado ou assume o risco de produzi-lo, conforme preceitua o art. 18, I, do CP. Segundo WELZEL, toda a ação
consciente é conduzida pela decisão de ação, é dizer, pela consciência do que se quer – o momento intelectual – e pela decisão a respeito de querer realizar
– o momento volitivo. Ambos os momentos, conjuntamente, como fatores configuradores de uma ação típica real formam o dolo. (PACELLI, Eugênio.
Manual de Direito Penal. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 272-273). No mesmo sentido, “são elementos do dolo, portanto, (conhecimento do fato – que
constitui a ação típica) e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato). A consciência do autor deve referir-se a todos os elementos do tipo, prevendo
ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica,
estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base a sua decisão em praticá-la. Dessa forma, o dolo inclui não só o
objetivo que o agente pretende alcançar, mas também os meios empregados e as consequências secundárias de sua atuação. Sendo assim, o Brasil adotou,
no art. 18, I, do Código Penal, a teoria da vontade (para que exista dolo é preciso a consciência e vontade de produzir o resultado – dolo direto) e a teoria do
assentimento (existe dolo também quando o agente aceita o risco de produzir o resultado – dolo eventual).” (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de
Direito Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 112-113). No caso em questão, o acusado atirou na direção das vítimas com a intenção de matar uma
delas, não conseguindo atingir o resultado morte, porque terceiros, a tempo, socorreram as vítimas levando-as ao hospital, pois o aconselhado, indiferente
ao resultado, somente preocupou-se em se evadir do local. In casu, com base na materialidade, autoria e culpabilidade do acusado, ambas as vítimas, foram
atacadas de forma súbita, enquanto se encontravam desprevenidas no interior da residência. Desse modo, sua conduta evidencia a vontade de produzir a
morte dos ofendidos, ou, ao menos, a assunção do risco de produzir esse resultado, mormente em face da quantidade de disparos efetivados (pelo menos 10
(dez), como se depreende da prova testemunhal), sendo assim, é cristalino que o SD PM M Henrique agiu com animus necandi no momento em que, durante
uma discussão banal, efetuou disparos de arma de fogo que atingiram as vítimas, agindo com a intenção de matá-las, ou seja, com vontade livre e consciente,
motivo pelo qual se encontram reunidos os elementos volitivos e cognitivos do dolo de matar. Assim sendo, verifica-se diante do cenário e condições desta-
cadas envolvendo o militar, que a ação adotada em desfavor das vítimas fora por demais desproporcional e desarrazoada; CONSIDERANDO que do mesmo
modo, não há de se falar em inexigibilidade de conduta diversa, como pontuou a defesa. Ora, a versão de que a vítima teria sido obrigado a efetuar disparos,
para evadir-se de um local perigoso, posto que seria conhecido como integrante dos quadros da polícia militar, não encontra guarida, uma vez que segundo
a prova testemunhal, o local do ocorrido, deu-se em um condomínio fechado, da mesma forma, o aconselhado não era conhecido no local. Frise-se, que tal
causa geral de exclusão de culpabilidade funda-se na não censurabilidade de uma conduta, ou seja, quando não se pode exigir do agente, em determinadas
circunstâncias e com base nos padrões sociais vigentes, diferente ação ou omissão. No caso concreto dos autos, não se verificou em nenhum instante que o
SD PM M Henrique agiu frente a uma situação anormal e insuportável, impelido pela falta de alternativa lícita, pelo contrário. Nesse sentido, trata-se de um
instituto que visa garantir a segurança jurídica e social, defendendo do poder punitivo do Estado, o indivíduo que, devido as circunstâncias não controladas
por ele, perde o juízo de reprovação social, ou seja, age de forma que não agrida a sociedade, sendo que a generalidade de pessoas teria a mesma atitude. In
casu, o SD PM M Henrique, detinha várias opções de conduta naquela situação de fato, logo é necessário pontuar que não se pode admitir toda e qualquer
alegação de anormalidade como uma forma de exculpação, haja vista que é preciso ponderação e equilíbrio. Portanto, não há como acolher a tese de que a
Fechar