DOE 01/11/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIV Nº218 | FORTALEZA, 01 DE NOVEMBRO DE 2022
ação do aconselhado não seria culpável em razão da inexigibilidade de conduta diversa. Na espécie, a propalada excludente não restou demonstrada, porquanto,
embora o militar alegue que correu iminente risco, tal fato não se comprovou, logo, não há como anuir à tese da impossibilidade de o processado agir de
maneira diversa, daquela posta na exordial inaugural, posto que poderia de outra forma, procurar outra solução para a adversidade que supostamente enfren-
tava, mas ao contrário, preferiu tentar resolver a situação diretamente por meio da conduta descrita, logo à conta da inverossimilhança da versão da defesa,
não há falar em configuração da excludente da culpabilidade supra. Nesse sentido, as declarações das vítimas e demais depoimentos, inequívocos e seguros,
dotados de verossimilhança e em consonância com o restante do acervo probatório compreende meio idôneo a fundamentar a condenação do aconselhado,
posto que este não demonstrou a impossibilidade de agir conforme o direito. Não sendo, portanto, a única alternativa que restava ao aconselhado, o excesso
e a pressa irrefletida evidenciados na sua conduta desautorizam a exculpante. Aliás, esse seu comportamento mostrou-se precipitado e desproporcional. Deste
modo, consoante a prova colhida nos autos, a versão imposta pela defesa, revela-se em completa desarmonia com as provas coligidas, pois não há nenhum
elemento probatório demonstrativo de estar o militar no momento da ação, em situação limite que impunha como única alternativa desferir disparos contra
as vítimas. Desse modo, não evidenciada nos autos situação de perigo tão intensa e excepcional a justificar a conduta do processado, logo inarredável a
conclusão de acolhimento da tese de inexigibilidade de conduta diversa, ante o desamparo da prova amealhada. Nesse sentido, à luz do entendimento sufra-
gado pelo Superior Tribunal de Justiça, “[…] a inexigibilidade de conduta diversa somente funciona como causa de exclusão da culpabilidade quando proceder
de forma contrária à lei se mostrar como única alternativa possível diante de determinada situação […]” (REsp XXXXX/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares
da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 05/04/2016, DJe 13/04/2016). (grifou-se); CONSIDERANDO que em última análise, do mesmo modo não merece amparo
a indicação por parde da defesa de que não haveria provas de que o PM tenha efetuado disparos contra as duas vítimas (mãe e filho) com o objetivo de
matá-las. Ora, é cristalina nos autos, a descrição dos fatos e a conduta considerada transgressiva, donde se aponta a prova da materialidade (tentativa de ceifar
a vida de outrem, demonstrado, consoantes exames de corpo de delito à fl. 212 – mídia DVD-R) e a respectiva autoria em relação à tentativa de homicídio,
daí porque não há se falar em sentido contrário. Assim sendo, pode-se aferir que o material colacionado serviu ao propósito colimado, apontando as condutas
irregulares e a identificação do autor. Nesse sentido, a versão dos fatos, por parte do aconselhado (SD PM M Henrique), ao tentar justificar o ocorrido, revela
uma narrativa completamente fantasiosa dos eventos. No caso em espécie, analisando-se a prova testemunhal/material colhida ao longo deste Processo
Regular, infere-se da sua conduta, ser o responsável direto pelos disparos que vitimaram Maria Regina da Costa Lima e Gabriel Runjk Costa Barros, tudo
conforme farta prova técnica colhida, a qual se apresentou em consonância com a cadência dos eventos relatados, especialmente, por intermédio das vítimas
e até de certa forma, pelo próprio SD PM M Henrique ao confessar ter efetuado os disparos e as suas circunstâncias (motivação, instante dos tiros, direcio-
namento, posicionamento das vítimas e demais fatores). Dessa forma, a dinâmica dos fatos, revela que a vítima – Maria Regina da Costa Lima, após se
envolver numa discussão simples com o SD PM M Henrique, foi subitamente alvejada com 04 (quatro) disparos de arma, um dos quais no abdômen, outro
no tórax do lado direito, e dois no braço esquerdo, bem como seu filho, que se encontrava próximo, atingindo-o no antebraço direito e ombro esquerdo,
consoante descrito no Relatório Final do IP nº 323-69/2020, de Portaria nº 62/2020 tendo logo em seguida o militar saído do local em uma moto, a qual se
encontrava estacionada defronte a casa das vítimas. No mesmo contexto, apesar de o militar ter aduzido que na ocasião, face as circunstâncias, teria agido
amparado com fundamento na excludente transgressiva da legítima defesa, tal argumento, como já exaustivamente demonstrado não se sustenta, haja vista
que não encontra verossimilhança ou plausibilidade alguma, mormente diante dos prontuários médicos e laudos periciais (fl. 212 – mídia DVD-R), bem
como dos depoimentos colhidos em sede inquisitorial, I.P nº 323-69/2020-DAI, bem como na Sindicância Formal de Portaria nº 004/2020 – P/1 – CPC/
PMCE, publicada no BI do CPC nº 024, datado de 26 de junho de 2020 – mídia DVD-R à fls. 212) e neste Processo Regular, ocasiões em que aferiu-se que
os disparos deflagrados contra as vítimas, apontam para tiros efetivados na modalidade dolosa, portanto em total consonância com as circunstâncias descritas
pela prova testemunhal; CONSIDERANDO que demais disso, em relação ao pleito por parte da defesa de sobrestar o feito disciplinar em face do processo
judicial, há de se pontuar que também não encontra amparo legal, haja vista que as instâncias são independentes nos termos dos arts. 11 e 44, da Lei nº
13.407/2003. Vejamos: “(…) Art. 11. A ofensa aos valores e aos deveres vulnera a disciplina militar, constituindo infração administrativa, penal ou civil,
isolada ou cumulativamente. (…)”. No mesmo sentido, caminha o Art. 44. “(…) A sanção disciplinar não exime o militar estadual punido da responsabilidade
civil e criminal emanadas do mesmo fato. Parágrafo único – A instauração de inquérito ou ação criminal não impede a imposição, na esfera administrativa,
de sanção pela prática de transgressão disciplinar sobre o mesmo fato (…)”. (grifou-se); CONSIDERANDO que de acordo com o princípio do livre conven-
cimento motivado, adotado por nosso ordenamento jurídico, é lícito ao julgador valorar livremente as provas, desde que exponha as razões de seu conven-
cimento. Na presente hipótese, a Comissão Processante fundamentou devidamente a aplicação das sanções, a qual se mostra razoável e condizente com as
peculiaridades do caso concreto; CONSIDERANDO que respeitado o devido processo legal, restou plenamente demonstrado que o acusado incorreu, na
medida da respectiva culpabilidade, parcialmente nas transgressões constantes na Portaria Inaugural, ao realizar imprudentemente e desnecessariamente
disparos de arma de fogo, causando lesões corporais em duas pessoas que se encontravam praticamente no interior da residência. Diante do conjunto proba-
tório (testemunhal/material), os fatos ficaram mais que evidenciados, sem deixar qualquer dúvida sobre a autoria no que se refere à tentativa de homicídio
praticada contra as pessoas de Maria Regina Costa Lima e Gabriel Runjk Costa Barros, no dia 11/05/2020. Da mesma forma, a materialidade do delito também
restou igualmente comprovada (fl. 212 – mídia DVD-R). Do mesmo modo, vale destacar que o aconselhado fora denunciado como incurso nas penas do Art.
121, § 2º, incs. II e IV, c/c o Art. 14, inc. II, do CPB relativamente às vítimas Maria Regina da Costa Lima (mãe) e de Gabriel Runjk Costa Barros (filho);
CONSIDERANDO que diante dessa realidade, cabe ressaltar, que de acordo com o Código Penal Brasileiro, o homicídio, em termos topográficos, é o primeiro
delito tipificado, daí a importância da vida, e inegavelmente, o homicídio doloso é a mais chocante violação do senso moral médio, seja na forma consumada
ou tentada, como no caso dos autos. O professor Júlio Fabbrini Mirabete, ao discorrer sobre o tema, explica, de forma sintética, que: “(…) existe dolo
simplesmente quando o agente consente em causar o resultado ao praticar a conduta”. Manual de direito penal. Parte geral. 1 vol. 17 ed. São Paulo: Atlas,
2001. Em outra passagem o mesmo doutrinador, (1986. p. 42), afirma que: [“tutela-se com o dispositivo o mais importante bem jurídico, a vida humana, cuja
proteção é um imperativo jurídico de ordem constitucional (art. 5º., caput, da CF)”. A vida é insubstituível. A lei tem a obrigação de exercer o papel de
proteção e respeito pela vida humana]. Com efeito, quando praticado, a lei deve ser severa no sentido de repreender o agressor, pois a vida humana tem a
primazia entre os bens jurídicos, logo é o bem mais importante e não há como colocá-la em igualdade com outros bens. Nesse caso, o inc. II do Art. 121, §2º
cuida do motivo fútil, logo a gradativa que mais espanta, dada a insignificância da vítima na visão do homicida. Não resta dúvidas que as circunstâncias da
geratriz do evento, a maneira como se deu foi de uma banalidade extrema. Como é sabido, diante da capitulação elencada, fútil é o motivo insignificante,
desproporcional entre o delito e sua causa moral. Logo é a gradativa que mais espanta, dada a insignificância da vítima na visão do agressor. Não resta dúvidas
que as circunstâncias da geratriz do evento e a maneira como se deu, foi de uma banalidade extrema. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência pátria. Vejamos:
[“O motivo envolve e impulsiona a vontade, constitui precedente psíquico da ação; e é fútil o motivo insignificante, mesquinho, manifestamente despropor-
cional em relação ao resultado e que, ao mesmo tempo, demonstra insensibilidade do agente”. (RT 467/450). TJRS; “Motivo fútil, é o insignificante, desar-
razoado, despropositado, ínfimo, mínimo e tão desprovido de razão, que deixa o crime, por assim dizer, vazio de motivo, não se confundindo com o motivo
injusto.” (RJTJERGS 177/101). TJSP]. Na mesma senda, para Nélson Hungria, (1942, p. 41.), diz-se fútil o motivo que, “pela sua mínima importância, não
é causa suficiente para o crime. Ele traduz o egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até a insensibilidade moral”. (negritamos). Da mesma forma,
Guilherme de Souza Nucci assim expõe: [Que fútil “[…] é o motivo flagrantemente desproporcional ao resultado produzido, que merece ser verificado
sempre no caso concreto. Mata-se futilmente quando a razão pela qual o agente elimina outro ser humano é insignificante, sem qualquer respaldo social ou
moral, veementemente condenável.” (2005, p. 500.) (negritamos)]. Na mesma esteira, qualificada é a conduta de se praticar o fato mediante traição ou outro
recurso que dificulte ou impossibilite a defesa do ofendido. Nestes casos, age-se de modo a evitar a reação oportuna e eficaz da vítima, surpreendendo-a
desprevenida ou enganada pela situação. No caso em tela, o agressor, SD PM M Henrique, em meio a uma discussão verbal, sem quaisquer indícios de
agressão física por parte das vítimas, sacou de uma arma, e deflagrou vários disparos em direção as vítimas. Da mesma forma, em relação à referida quali-
ficadora prevista no § 2º, IV (à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido),
Nélson Hungria (Comentários ao Código Penal. 3.ed. Rio de Janeiro. Forense; 1955, p. 165.), defende sua verificação fática, de forma a colher eventual
vítima sem que a atenção desta se dirija, minimamente sequer, à possibilidade do ataque; CONSIDERANDO que nessa perspectiva, calha ressaltar a unici-
dade e harmonia das declarações, demonstrando assim, que as demais provas que depõem contra o acusado, foram reiteradas neste processo, sob o pálio do
contraditório, afastando assim, qualquer condenação baseada na exclusividade da prova indiciária, sem no entanto, desmerecer sua importância. Diante dessa
realidade, é necessário sublinhar, que ainda assim, o valor probatório dos indícios colhidos durante a fase inquisitorial (IP nº 323-69/2020-DAI), tem a mesma
força que qualquer outro tipo de prova, com a ressalva de não ser analisado de forma isolada, posto que deve ter coerência com as demais provas (MIRABETE,
2007) (grifou-se). Na mesma senda, como explica Nucci (2015), “a prova indiciária, embora indireta, não diminui o seu valor, o que se deve levar em conta
é a suficiência de indícios, realizando um raciocínio dedutivo confiável para que se chegue a um culpado”. Sendo assim, o comportamento do aconselhado
(SD PM M Henrique), demonstrou obtuso desprezo pela vida humana, conduta esta a ser repreendida no seio da Corporação, traduzindo qualquer conivência
nesse sentido uma verdadeira autodestruição institucional. Desta forma, a ação do militar deve ser vista como grave violação ao ordenamento jurídico pátrio.
Nessa vertente, a violência fardada, mesmo praticada por militar de folga, distorce o conceito de ética e moral, e ainda alimenta um sentimento de descontrole
e insegurança à sociedade. No caso em tela, é incontroverso que o SD PM M Henrique na noite dos fatos, diante das circunstâncias (discussão), agiu com
dolo, pois sua atitude de sacar uma arma de fogo que transportava consigo, e efetuar vários disparos, tinha como único desiderato, na verdade, atingir as
vítimas. Portanto, clara, foi a intenção no ataque perpetrado em relação às pessoas atingidas, haja vista que o acusado, não se enganou quanto à quem dese-
java atacar (in casu, Maria Regina Costa Lima), atuando assim, de modo vil e desastroso. Ressalte-se ainda, a importância dos depoimentos dos denunciantes,
e dos demais elementos de provas obtidas durante a fase inquisitorial, haja vista ser este o momento em que as partes envolvidas relatam com riqueza de
detalhes as circunstâncias em que ocorreram os fatos, sendo crucial para o seu esclarecimento. Nesse contexto, é necessário reiterar que algumas das contes-
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