DOE 13/12/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIV Nº247 | FORTALEZA, 13 DE DEZEMBRO DE 2022
a qual manifestou apenas interesse em tomar conhecimento do resultado da referida sessão, ficando de ser encaminhada, via e-mail, uma cópia desta ata,
conforme contato telefônico para o número (85) 99669-9999, realizado por volta das 10h00, desse mesmo dia, oportunidade em que foi-lhe informado que
a mesma tinha sido remarcada para as 15h00, em razão de problemas técnicos, oscilação da internet nesta CGD, que impossibilitou o acesso à videoconfe-
rência no horário inicialmente marcado, sendo que em conformidade com art. 98, §1º, da Lei nº 13.407/2003 (Código Disciplinar PM/BM), tendo decidido
por unanimidade de votos, que o 2º SGT PM 20.322 NATANAEL GONÇALVES LEANDRO - MF: 134.517-1-0: I - É CULPADO das acusações; e II -
ESTÁ incapacitado de permanecer na ativa da PMCE. Por conseguinte, sugere-se aplicação de sanção disciplinar expulsória ao ACUSADO. No azo sugere-se
também a instauração de processo regular em face do CB PM JOSÉ GUILHERME FILHO - MF: 305.464-1-5, por ter supostamente vendido a pistola Glock
furtada, e do SD PM JOSIMAR DOS SANTOS SILVA - MF: 307.926-1-0, por ter supostamente intermediado essa venda, conforme o SGT PM NATANAEL
afirmou em seu interrogatório, realizado na 5ª Sessão, em 06/04/2022, dizendo que o SD PM SANTOS intermediou a venda da arma, mas comprou-a do CB
PM GUILHERME.”; CONSIDERANDO que quanto aos aspectos jurídicos, inicialmente, cabe destacar que, no presente Conselho de Disciplina, a pretensão
de acusatória deduzida na portaria tem substrato fático que se amolda tanto a tipos penais, como se enquadra em transgressões disciplinares. Não obstante
essa projeção do mesmo fato em instâncias punitivas distintas, o processo disciplinar não se presta a apurar crimes propriamente ditos, mas sim averiguar a
conduta dos militares diante dos valores, deveres e disciplina de sua Corporação, à luz do regramento legal ao qual estão adstritos, e, consequentemente, sua
capacidade moral para permanecer no serviço ativo. Não obstante, no caso sub oculi, as transgressões disciplinares precípuas imputadas ao acusado se
amoldam, conforme consta na portaria, aos tipos penais de receptação qualificada (art. 180, §1º, do CP), porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e
comércio ilegal de arma de fogo (art. 14 e 17, respectivamente, da Lei nº 10.826/03). Observe-se, que, por força do disposto na norma de extensão do art.
12, §1º, I, da Lei nº 13.407/03, são transgressões disciplinares os fatos compreendidos como crime, como se observa pela literalidade do texto legal: “Art.
12. […] §1º. […] I - todas as ações ou omissões contrárias à disciplina militar, especificadas no artigo seguinte, inclusive os crimes previstos nos Códigos
Penal ou Penal Militar”; CONSIDERANDO, contudo, como aqui se apuram transgressões disciplinares e não crimes, o único requisito exigido é que a ação
ou omissão apurada contrarie a disciplina militar. Nesse sentido, pertinente a lição de José dos Santos Carvalho Filho ao diferenciar o ilícito administrativo
do penal: “São diversos os ilícitos penal, civil e administrativo, o que vai redundar na diversidade também da sua configuração. No Direito Penal, o legislador
utilizou o sistema da rígida tipicidade, delineando cada conduta ilícita e a sanção respectiva. O mesmo não sucede no campo disciplinar. Aqui a lei limita-se,
como regra, a enumerar os deveres e as obrigações funcionais e, ainda, as sanções, sem, contudo, uni-los de forma discriminada, o que afasta o sistema da
rígida tipicidade. Nada impede, todavia, que o legislador estabeleça conduta dotada de tipicidade específica como caracterizadora de ilícito administrativo.
Nesse caso, nenhum problema haverá quanto à punibilidade: esta ocorrerá ou não conforme tenha ou não ocorrido a conduta. Mas não é essa a regra do ilícito
administrativo, como sucede em relação à ilicitude penal. Esta não admite os denominados tipos abertos, aceitos normalmente na esfera da Administração”.
(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 28. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2014. – São Paulo: Atlas, 2015. p.72); CONSIDE-
RANDO que, diante da desnecessidade da tipicidade tal qual na esfera criminal, por força do Art. 12, §1º, da Lei nº 13.407/03, nada obsta que se analise o
caso à luz do tipo penal, sem, contudo, que deixe de incidir responsabilização caso reste caracterizada violação a valores e deveres, mesmo que falte algum
elemento do tipo. Noutros termos, não necessitamos que todos os dados para a configuração dos tipos penais estejam presentes para que tenha havido violação
do estatuto disciplinar imposto ao acusado. A tipicidade é exigida em sua plenitude no campo penal. No âmbito administrativo, para caracterização de uma
falta funcional, não se exige tal requisito; CONSIDERANDO que, feita essa importante ressalva, e sendo a prova robusta e suficiente para confirmar os fatos
que pesam em desfavor do aconselhado, como já fartamente discutido, doravante far-se-á o enquadramento jurídico no caso ao regime disciplinar aplicável
e, de modo concomitante, enfrentar-se-á todos os argumentos deduzidos neste processo, posto que a fundamentação para consubstanciar o mérito e deslinde
deste feito encontra-se imbricada com a superação dos argumentos da defesa; CONSIDERANDO que calha, primeiramente, discutir de modo mais minudente
as questões preliminares alegadas pela defesa. Nessa toada, o representante legal alegou, preliminarmente, que teria havido violação aos princípios da obri-
gatoriedade/indisponibilidade e da indivisibilidade, uma vez que “o que se tem nos autos é a identificação de outros servidores que de alguma forma também
agiram na participação dos fatos”, referindo-se ao Policial Penal Fabrício, que não consta como acusado na portaria destes autos. Ocorre que o defensor
desconsidera que o SGT Natanael e o Policial Penal Fabrício estão sujeitos a Regimes jurídicos disciplinares diversos, o que faz com que, malgrado haja
conexão no plano fático, não gere unidade processual. Mutatis mutandis, seria a mesma situação prevista no Art. 79, I, do Código de Processo Penal, que
veda litisconsórcio no concurso entre a jurisdição comum e a militar. Nesse jaez, veja-se a lição de Renato Brasileiro acerca dessa impossibilidade, válida
no presente contexto por equiparação: “Portanto, considerando que à Justiça Militar compete tão somente o julgamento de crimes militares, mesmo que haja
conexão entre um crime comum e um crime militar, deverá haver a separação de processos. Nesse sentido, aliás, é o teor do Art. 102, alínea “a”, do CPPM
e do Art. 79, inciso I, do CPP. Por esse motivo, dispõe a súmula 90 do Superior Tribunal de Justiça que “compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar
o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática de crime comum simultâneo àquele.” (Lima, Renato Brasileiro de Manual de processo
penal: volume único. 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. p . 437). In casu, o regramento disciplinar aplicável ao SGT PM Natanael
é delineado na Lei Estadual Nº 13.407/03, enquanto o Policial Penal Fabrício sujeita-se aos ditames da Lei Complementar Nº 258, desde sua entrada em
vigor, no dia 26 de novembro de 2021. Não obstante a falta de unidade processual, não há mácula ao Poder-Dever de apuração da Administração, ou, como
se referiu a defesa, ao princípio da obrigatoriedade e da indisponibilidade, porquanto o Policial Penal Fabrício encontra-se no polo passivo do processo
administrativo disciplinar instaurado por meio Portaria nº 240/2020, publicada no DOE nº 171, de 07/08/2020, sob o SPU nº 200021295-0, pelas suas condutas
na ocorrência em questão; CONSIDERANDO que a segunda preliminar alegada consistiu num suposto cerceamento de defesa, por entender o representante
legal que o pedido de “e) Expedir ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para remeter a este Juízo relatório da consulta que conste o histórico
de consultas de usuários no sistema Sinarm da arma Pistola GLOCK nº de série: HWM512 Complemento: oxidada, preta” não foi cumprido pela comissão,
pois “tudo que foi juntado nos autos se trata apenas de histórico de transferências, identificações dos compradores e vendedores, sendo certo que o intuito
da diligência não foi cumprido.” Segundo a defesa a consulta nos moldes requeridos é “prova essencial para a comprovação da tese defensiva ou ainda prova
cabal para a condenação, daí o evidente cerceamento de defesa”. Sem embargo, a Comissão Processante atendeu em parte tal pedido e analisou detidamente
a alegativa de nulidade da defesa, nos seguintes termos, com os quais concorda-se: “Quanto ao requerimento de diligência ao Ministério da Justiça e Segurança
Pública solicitando o histórico de consultas de usuários no sistema SINARM da pistola GLOCK apreendida, interessante apontar que como se trata de arma
de fogo registrada em nome de militar esta é comportada no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), que tem como responsável o Exército
Brasileiro (e não o Ministério da Justiça e Segurança Pública), sendo possível sua consulta através da Coordenadoria de Apoio Logístico da PMCE (COLOG),
como de fato foi feito, conforme demonstrado às fls. 177/182 dos autos. Não obstante, o Exército Brasileiro também foi consultado, tendo sua resposta sido
colecionada aos autos às fls. 294 à 298. Além disso, pela Portaria Conjunta nº 1, de 12/08/2021, entre COMANDANTE DO EXÉRCITO e o DIRETOR-
-GERAL DA POLÍCIA FEDERAL, foi estabelecido “procedimentos para o compartilhamento de dados do Sistema Nacional de Armas - SINARM com o
Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - SIGMA”e dessa forma esses dois sistemas estão a compartilhar os dados referentes a registro de armas de
fogo. Ademais, nos anexos da Defesa Final, a própria Defesa fez juntar resposta de consulta ao SINARM sobre a pistola em questão (fls. 419/421-CD), sendo
que apesar de constar na situação de “REGULAR”, não consta a data em que efetivamente foi realizada tal consulta. Sendo assim, não houve nenhum cerce-
amento de defesa, mas sim a persecução ao correto órgão que pudesse prestar as informações pretendidas, sendo que a frustração da defesa em não encontrar
o que desejava na resposta recebida não invalida ou faz desmerecer a diligência realizada. Além do que cabia a Defesa provar que o SGT PM Natanael teria
feito alguma consulta da arma antes de comprá-la conforme alegou, e não a inversão do ônus da prova como tentou ensejar ao alegar indevidamente ter
havido cerceamento.”; CONSIDERANDO que, de toda forma, tal diligência, como tratar-se-á mais afrente, mesmo que deferida e confirmatória do que a
defesa quis demonstrar, isto é, que o acusado não praticou falta funcional assemelhada à receptação, pois fez uma consulta ao sistema e verificou que a arma
se encontrava em situação regular, não elide sua responsabilidade, uma vez que, sendo o porte de arma de fogo personalíssimo, a negociação para aquisição
da arma Glock só poderia ter sido feita com seu legítimo proprietário, o SD PM Gabriel Neves Cabral, vítima de furto, e não com outros militares, os quais,
assim como o SGT Natanael, praticaram porte ilegal de arma de fogo. Se Natanael comprou tal arma nessas condições, era, no mínimo, sabedor que adquiria
coisa produto de crime, no caso o delito de porte ilegal de arma, porquanto o tipo penal de receptação não exige que o crime antecedente seja patrimonial.
Portanto, não procede a existência de cerceamento de defesa; CONSIDERANDO que, em relação à alegação de ilicitude do ato policial que resultou na prisão
do aconselhado, é necessário debater o argumento da defesa de que, conforme notícia do site do STJ colacionada nas alegações finais, “Revista pessoal
baseada em “atitude suspeita” é ilegal, decide Sexta Turma”. No caso, refere-se a defesa ao RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 158580 – BA, o qual
não se aplica à hipótese dos autos, pois há uma distinção (“distinguishing”) no caso objeto deste processo, como se passa a expor. Inicialmente, extrai-se da
extensa ementa do voto do relator, o MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, que a finalidade última da decisão consiste em evitar que o termo “fundada
suspeita”, expresso no Art. 244 do CPP, “não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em
suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto (droga, por exemplo)
que constitua corpo de delito de uma infração penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como “rotina” ou “praxe” do policiamento
ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata.” Em suma,
somente a impressão subjetiva (tirocínio) do policial “não preenche o standard probatório de “fundada suspeita” exigido pelo art. 244 do CPP.” Com tal
entendimento, objetiva-se “evitar a repetição – ainda que nem sempre consciente – de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na socie-
dade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural.”; CONSIDERANDO que, sem embargo, sob nenhum aspecto, as premissas
e conclusões do referido julgado devem incidir sobre o presente caso, porquanto os elementos objetivos aptos a justificar a abordagem no aconselhado
Natanael e no Policial Penal Fabrício estavam concretamente alicerçados nas informações oriundas do setor de inteligência. Tratou-se, portanto, de atividade
policial guiada pela inteligência. Portanto, em nenhum momento houve o que se entende pela expressão informal “achismo”, isto é, puro subjetivismo, para
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