DOE 13/12/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XIV Nº247 | FORTALEZA, 13 DE DEZEMBRO DE 2022
se decidir abordar os servidores da segurança pública implicados. Note-se que o mesmo STJ, por meio de sua 5ª Turma, respaldou a atuação da atividade de
inteligência como meio de os policiais cercarem-se das exigências legais na restrição de direitos, senão vejamos: “A investigação policial originada de
informações obtidas por inteligência policial e mediante diligências prévias que redunda em acesso à residência do acusado configura exercício regular da
atividade investigativa promovida pelas autoridades policiais” (STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 734.423-GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
24/05/2022) (Info 738). Na hipótese, a decisão está relacionada ao acesso de um domicílio por policiais militares, de modo muito assemelhado ao caso deste
procedimento. O jurista Márcio André Lopes Cavalcante lecionou acerca do decisun em questão: “Caso concreto: policiais militares estavam em patrulha-
mento de rotina, ocasião em que passaram em frente a casa do réu, que estava do lado de fora, com outras pessoas; quando viram a viatura, eles correram.
O réu foi abordado pelos policiais e, como eles tinham informações da inteligência de que no local havia tráfico de drogas, ingressaram na residência do
suspeito e ali encontraram drogas embaladas e prontas para venda. Para a 5ª Turma do STJ, a atuação dos policiais foi lícita. Além de os militares terem
iniciado a abordagem em razão da atitude suspeita do réu – que empreendeu fuga ao avistar os policiais – e de terem avistado grande fluxo de pessoas fugindo
para o interior da residência – local conhecido como ponto de tráfico de drogas –, receberam informações oriundas da inteligência policial acerca de tráfico
de entorpecentes no local. Ao adentrarem a residência, os policiais encontraram os entorpecentes. Esses motivos configuram a exigência capitulada no art.
204, § 1º, do CPP, a saber, a demonstração de fundadas razões para a busca domiciliar, não subsistindo os argumentos de ilegalidade da prova ou de desres-
peito ao direito à inviolabilidade de domicílio. (Disponível no sítio eletrônico: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2022/08/info-738-stj.pdf).”
Nessa senda, como a inviolabilidade domiciliar goza, inclusive, de proteção mais ampla do que a revista pessoal, valendo-se do brocardo hermenêutico ubi
eadem legis ratio ibi eadem (onde há a mesma razão de ser, deverá prevalecer a mesma razão de decidir), as informações oriundas do setor de inteligência
devem ser entendidas como aptas a afastar qualquer pecha de irregularidade à abordagem policial que resultou na prisão do aconselhado; CONSIDERANDO,
noutro giro, que a defesa disse que houve contradições entre os depoimentos dos policiais que participaram da prisão do aconselhado, o que, igualmente, não
procede. Quanto à alegação de contradições entre os termos, a defesa se limitou a transcrever trechos dos depoimentos sem apontar as contrariedades susci-
tadas. Segundo o que quis fazer entender a defesa, os policiais teriam dito que a abordagem se deu em razão de atitude suspeita dos abordados, enquanto
outros disseram que detinham informações da inteligência. Nesse ponto, tal qual no caso concreto julgado pelo STJ, a verificação da atitude suspeita não
impede que antes se tenha obtido informações do setor de inteligência. Ao contrário, ambas as circunstâncias se complementam para corroborar com a
legalidade da ação policial. Também é forçoso lembrar que a doutrina de inteligência preza pela preservação e compartimentação das informações, de modo
a se evitar um indesejável vazamento de dados sensíveis, o que pode ter levado os membros da equipe que tomaram conhecimento dos possíveis alvos a não
compartilharem tais informes com os demais integrantes da composição. Pelo exposto, propício repisar que, em que pese parte dos policiais ouvidos tenham
afirmado que a abordagem se fundamentou em fundada suspeita, os autos revelam, na verdade, que, além deste fator, também que houve o embasamento do
ato na atividade de inteligência, o que atende aos requisitos do art. 244. Assim, a decisão judicial utilizada como parâmetro pela defesa não guarda perfeita
incidência com o caso em análise, porquanto houve diligências prévias de inteligência que subsidiaram a atuação da polícia militar. Em suma, não se deu a
abordagem apenas em decorrência de aspectos subjetivos; CONSIDERANDO que a defesa ainda imputou, sem qualquer elemento para fundamentar sua
alegação, que a ação policial foi “fruto de uma investigação irregular pautada na interceptação telefônica ilícita, o que implica em flagrante constrangimento
ilegal, portanto, devendo todo o procedimento ser nulo ou suspenso até a ratificação do Poder Judiciário.” Inicialmente, a alegação de que houve interceptação
telefônica não passa de uma ilação insustentável da defesa, porquanto não há nos autos nada que comprove a utilização de tal meio de prova. Não havendo
sequer indícios de atuação ilegal da inteligência no que concerne a forma como houve levantamentos da informação de que um militar estivesse na posse da
pistola Glock furtada, os atos da agência de inteligência gozam de presunção de legitimidade. Forçoso ainda explanar que, conforme se extrai do depoimento
do SD Gabriel Neves Cabral (fls. 244/245), proprietário da pistola Glock, já era de conhecimento de vários policiais que sua arma vinha sendo anunciada
em grupos de WhatsApp com policiais. Portanto tal informação já circulava entre agentes segurança, tendo dela ciência várias pessoas, sendo, portanto,
desnecessário interceptação para acessá-la. Assim, a elucubração da defesa quanto à existência de interceptação é, no mínimo, imprudente, não merecendo
prosperar a tentativa de nulificar o trabalho do setor de inteligência e dos policiais do COTAM, posto ser despida de fundamentação jurídica adequada ao
caso; CONSIDERANDO ser ainda pertinente não se olvidar que a atividade de inteligência, embora não se confunda em suas finalidades com a atividade
investigativa, com ela colabora, o que foi exatamente que houve no caso, mediante o fornecimento de uma informação acerca de um possível alvo. Os poli-
ciais do COTAM, munidos de dados sobre a potencial situação delitiva e mediante a visualização de situação suspeita relacionada ao caso, diligentemente
atuaram e cumpriram seu dever. A título de complementação, observe-se que se tratou de uma atividade de assessoramento oportuno, conceito que, segundo
o Decreto nº 10.777, de 24 de agosto de 2021, que instituiu a Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública, consiste em “contribuir com as auto-
ridades constituídas por meio do fornecimento de informações oportunas, abrangentes e confiáveis, necessárias ao exercício do processo decisório, para
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, bem como “acompanhar e avaliar as conjunturas interna e externa com vistas
a identificar fatos ou situações que possam resultar em ameaças ou riscos aos interesses da sociedade e do Estado no âmbito da segurança pública; deve
buscar suprimir ou minimizar essas ameaças ou riscos, de modo a evitar ou mitigar possíveis danos.” Ainda nos termos do referido decreto, e contemplando
a juridicidade alusiva ao caso, frise-se que “A atividade de inteligência de segurança pública é técnica e especializada, de natureza sigilosa, e tem o seu
exercício alicerçado em conjunto sólido de princípios e valores profissionais com a utilização de metodologia própria estabelecida em doutrina comum às
agências de inteligência, sem prejuízo da autonomia doutrinária conferida às instituições de segurança pública. A atividade de inteligência de segurança
pública é realizada sob estrito amparo legal e busca, por meio do emprego de técnicas especializadas, a produção do conhecimento.”; CONSIDERANDO
que, em relação ao pedido de processo ser nulo ou suspenso até ratificação pelo Poder Judiciário, calha recordar que o mesmo substrato fático que compõe
o objeto de acusação deste Conselho de Disciplina é apurado na seara criminal. Nesse contexto, demonstrando a ausência de fundamento das alegações da
defesa, a prisão em flagrante foi homologada e convertida em prisão preventiva, conforme decisão de fls. 38/39-V. O Ministério Público ofereceu denúncia
(fls. 248/252), que foi recebida pelo Juiz (fls. 253). Ou seja, o Poder Judiciário já se debruçou sobre o fato e não entendeu haver nenhuma nulidade que o
macule; CONSIDERANDO que, superadas as questões preliminares, passa-se a análise das transgressões. Nesse diapasão, quanto à falta funcional equipa-
rada ao crime de receptação, temos que o aconselhado não tem como comprovar a aquisição lícita de uma arma que não é registrada no nome de quem a está
vendendo, seja ele sabedor ou não que o crime antecedente é um furto, porquanto, mesmo que não tivesse ciência do furto, tal qual tentou afirmar, não há
como dizer que não sabia que era oriunda de um porte ilegal de arma de fogo, haja vista que os agentes que lhe passaram tal armamento, os militares CB PM
José Guilherme Filho e o SD PM Josimar dos Santos Silva, também não tinham a arma registrada em seus nomes e praticavam, evidentemente, porte ilegal
de arma de fogo. Aqui incide uma imputação alternativa em relação ao crime antecedente, que pode ter sido o crime de furto ou porte ilegal de arma de fogo,
não tendo o acusado como se esquivar de ambas as hipóteses. Noutros termos, a alegativa de que desconhecia que a arma seria fruto de furto não suprime
sua responsabilidade, pois é insuficiente para fazer prova quanto a origem lícita do bem. A propósito, em que pese a receptação seja um delito patrimonial,
o crime que o antecede não necessita ser da mesma natureza, conforme entendimento pacífico: “Mas o crime anterior, nada obstante normalmente também
Seja patrimonial, não precisa ser de igual natureza - qualquer crime compatível com a posterior receptação pode funcionar como seu pressuposto. O art. 180.
do Código Penal não faz exigência alguma.” (Masson, Cleber. Código Penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl.- Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2016. p. 925) “Para que se configure a receptação (própria ou imprópria), é imprescindível a existência de delito precedente, figurando como
objeto material a coisa produto de crime não necessariamente contra o patrimônio (restrição não prevista, nem implicitamente, no tipo penal)”. (Cunha,
Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). 12. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador: JusPODIVM, 2020. p. 450) “Muito embora
se trata de crime autônomo, a receptação é um delito acessório, sucedâneo ou consequencial, que também recebe da doutrina e da jurisprudência a denomi-
nação de parasitário, pois a sua existência depende da ocorrência de um crime anterior, que pode ou não ser patrimonial. Destarte, a co pode advir, inclusive,
de um delito contra a Administração Pública, como o peculato (art. 312), concussão (art. 316), corrupção passiva (art. 317), contrabando ou descaminho (art.
334), todos esses artigos do Código Penal.” (PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial, p. 374); CONSIDERANDO
que não se olvida que cabia ao acusado demonstrar a origem ilícita do bem, segundo farta jurisprudência do STJ nesse mesmo sentido, senão vejamos: “A
conclusão das instâncias ordinárias está em sintonia com a jurisprudência consolidada desta Corte, segundo a qual, no crime de receptação, se o bem houver
sido apreendido em poder do paciente, caberia à defesa apresentar prova da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa, nos termos do disposto no art.
156 do Código de Processo Penal, sem que se possa falar em inversão do ônus da prova. Precedentes” HC 542197/SC “Esta Corte Superior de Justiça firmou
o entendimento de que, tratando-se de crime de receptação, cabe ao acusado flagrado na posse do bem demonstrar a sua origem lícita ou a conduta culposa,
nos termos do art. 156 do CPP. Precedentes.” HC 469025/SC; CONSIDERANDO que, em suma, o SGT Natanael não podia comprar uma arma de quem
não era o legítimo proprietário do bem, pois, havendo o crime anterior de porte ilegal de arma por parte de quem ofereceu a pistola, incorreu em receptação
ao adquiri-la. Se o aconselhado afirmou que fez uma consulta para verificar a regularidade da pistola Glock, ele deveria ter notado uma patente irregularidade
no momento visualizou que a arma não estava registrada no nome de quem estava a oferecendo-lhe (CB PM José Guilherme Filho e o SD PM Josimar dos
Santos Silva). Como policial militar, deveria ter constatado o óbvio, isto é, que a pessoa que anunciou a venda estava praticando o crime de porte ilegal de
arma de fogo, previsto no Art. 14 da Lei nº 10.826/03. Ao comprar uma arma nessas condições, estava a Adquirir (verbo núcleo da receptação) objeto produto
de crime; CONSIDERANDO que sua alegação de que acessou o sistema para pesquisar se a arma estava regular depõe contra ele, pois, se realmente acessou
qualquer sistema, teria visto que arma estava no nome do SD PM Gabriel Neves Cabral, que não era a pessoa que estava vendendo a pistola, o que, por si
só, já tornava o bem e a situação de quem a portava irregular; CONSIDERANDO que a defesa, ao tentar fazer crer que o acusado não sabia que arma era
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