DOE 13/12/2022 - Diário Oficial do Estado do Ceará

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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO  |  SÉRIE 3  |  ANO XIV Nº247  | FORTALEZA, 13 DE DEZEMBRO DE 2022
furtada, também ignora que o objeto apreendido com o aconselhado é um material bélico. Não estamos aqui falando da compra de mercadorias comuns, mas 
de armas de fogo, que são produtos de circulação controlada. Por mais que ele alegue que tenha checado que a arma estava regular, tal afirmação não o elide 
de estar cometendo uma irregularidade, pois a compra de armas só é feita mediante um procedimento próprio e a tradição do bem só pode ser efetuada 
mediante regularização da transferência do registro junto ao órgão responsável. No caso de militares do Ceará, deve ser seguido o disposto na Instrução 
Normativa nº01/06-GC/PMCE, que orienta que a tradição da arma deverá ocorrer somente com a expedição do CRAF em nome do adquirente, posto o 
registro de porte de arma possuir natureza personalíssima; CONSIDERANDO que, diante de tudo isso, soa ingênuo o militar afirmar que desconhecia a 
origem ilícita da arma, mesmo que, por qualquer motivo, tal arma pudesse constar como em situação regular em algum banco de dados. Ele poderia até não 
saber que a arma não foi furtada – o que não é crível, dado que se dedicava ao comércio ilegal de arma de fogo, conforme assentado no Relatório de extração 
–, mas isso não afasta sua responsabilidade, pois, mesmo nesse cenário que a defesa quis retratar, o acusado continuou a incorrer em receptação, sendo o 
crime antecedente o porte ilegal de arma de fogo; CONSIDERANDO que, especificamente por se dedicar o acusado à atividade comercial, ainda que de 
modo clandestino (Art. 180, §2º do CP), entende-se que a receptação se deu na modalidade qualificada. Destaque-se que, por já se ter demonstrado que o 
aconselhado sabia, pelo menos, que comprava uma arma produto de crime, pois ele tinha plena ciência do porte ilegal antecedente, incide aqui dolo direto 
direto em relação ao crime do estatuto do desarmamento. Em relação ao furto como delito antecedente, incide o dolo eventual presente na expressão “deveria 
saber” do §1º do Art. 180 do CP, pois, ao comprar uma arma nessas condições assumiu o risco do resultado. Veja-se que, segundo a doutrina majoritária, o 
tipo do §1º do Art. 180 do CP admite tanto o dolo direto como o dolo eventual na receptação qualificada. Rogério Sanches (ob. cit. p. 454) leciona que “a 
expressão sabe está contida naquela (deve saber), pois, se o legislador pretende punir mais severamente o agente que deveria ter conhecimento da origem 
criminosa do bem, é óbvia sua intenção em punir também aquele que possui conhecimento direto dobre a proveniência da coisa.” O STF, concordando com 
tal entendimento, declarou ainda a constitucionalidade deste dispositivo no Recurso Extraordinário Nº 443.388/SP. Isto posto, fica devidamente constatada 
a transgressão compreendida como RECEPTAÇÃO QUALIFICADA; CONSIDERANDO que, no tocante ao porte ilegal de arma de fogo, tal transgressão, 
por ser de mera conduta, passou a ser praticada no momento em que o aconselhado adquiriu a pistola Glock e passou a transportá-la. No caso dos autos, 
como a arma foi encontrada em seu veículo, o núcleo do tipo incidente à hipótese é transportar, não havendo nenhuma controvérsia quanto a existência da 
infração. À guisa de ilustração: “PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. INTERIOR DE CAMINHÃO. CONFIGURAÇÃO DO DELITO TIPIFICADO 
NO ART. 14 DA LEI 10.826/2003. 1. Configura delito de porte ilegal de arma de fogo se a arma é apreendida no interior de caminhão. 2. O caminhão não 
é um ambiente estático, não podendo ser reconhecido como local de trabalho. 3. Recurso especial provido”(STJ, REsp 1219901/MG, Rel. Ministro SEBAS-
TIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe de 10/05/2012); CONSIDERANDO ser oportuno ainda abrir um parêntese para registrar que consunção não 
se aplica entre os crimes de receptação e porte ilegal de arma de fogo. De acordo com o STJ, o individuo surpreendido portando ilegalmente arma de fogo 
adquirida como produto de crime deve ser punido por receptação em concurso material com a porte ilegal (AgRg no REsp 1.633.479/RS, Rel. Min. Jorge 
Mussi, J. 06/11/2018). Eis a ementa do Julgado citado: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL RECEPTAÇÃO (ART. 180 DO CÓDIGO 
PENAL) E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI N. 10.2003). PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. AFASTA-
MENTO. CONHECIMENTO DA PROVENIÊNCIA ILÍCITA DO BEM ADQUIRIDO. ÔNUS DA DEFESA. 1. É inaplicável o princípio da consunção 
entre os delitos de receptação e porte ilegal de arma de fogo, por serem diversas a natureza jurídica dos tipos penais. 2. Flagrado o sentenciado na posse da 
coisa produto de crime, a ele compete a demonstração da sua aquisição licita, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, ônus do qual não se 
desincumbiu a defesa. 3. Agravo regimental desprovido”; CONSIDERANDO que, relativamente ao revólver apreendido, o aconselhado tentou justificar-se 
utilizando a narrativa de que um popular teria lhe entregue para ser apresentada na delegacia. Tal versão, além de insustentável por ausência de verossimi-
lhança, é desmentida pelo relatório de extração, que demonstrou fartamente o costume do acusado de vender armas de fogo e munições ilegais. Vários 
revólveres foram postos à venda por ele nas conversas extraídas de seu celular mediante a devida autorização judicial. Ademais, se conhecia esse cidadão 
Luís de vista, como afirmou em seu interrogatório, o acusado deveria ao menos ter indicado tal pessoa como testemunha para que ela discorresse sobre essa 
entrega de revólver encontrado na rua ao aconselhado, mas não o fez. Como a prova da alegação incumbe a quem a fizer, tal versão, além de ser duvidosa 
por si só, carece de qualquer elemento de sustentação e, por via de consequência, não possui valor probatório algum, consoante o brocardo jurídico allegatio 
et non probatio quasi non allegatio (Alegar sem provar é o mesmo que nada dizer; CONSIDERANDO que duas armas irregulares foram apreendidas em seu 
poder, o que eleva a periculosidade social e grau de reprovação do comportamento do acusado. Em suma, crer na versão do acusado seria ofensivo à lógica 
mais elementar, não tendo sua alegativa força sequer para constituir uma dúvida que lhe seja favorável, posto não ser plausível que um profissional de segu-
rança pública desconheça o fato de que não pode sair comprando armas de fogo de quem não é seu legítimo proprietário; CONSIDERANDO que, no que 
concerne à transgressão equiparada ao comércio de arma de fogo, a prova da conduta é inconteste, conclusão elementar que se extrai do relatório técnico da 
extração dos celulares apreendidos com o aconselhado. Reiteradamente, Natanael expor à venda, num verdadeiro exercício de atividade comercial, armas 
de fogo e munições dos mais variados tipos e calibres. A pistola Glock modelo G25, furtada, foi anunciada tanto no grupo “Acessórios Militares. NEW”, 
como teve venda acordada em conversa privada com o Policial Penal Fabrício. A lista de munições postas à venda é extensa. Outras artefatos bélicos, incluindo 
inúmeros revólveres e armas de cano logo, foram anunciadas. Assim, inquestionável a presença dos elementos aptos a caracterizar a transgressão de comer-
cialização de armas, inclusive no que tange à habitualidade preexistente do comércio, estando a presente conclusão de acordo com a jurisprudência: 
“APELAÇÃO CRIMINAL CRIMES DE PORTE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO E DE COMÉRCIO ILEGAL DE ARMAS DE FOGO, 
ACESSÓRIOS E MUNIÇÕES (LEI 10.826/3, ARTS. 14 E 17). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DOS ACUSADOS. PLEITO ABSOLUTÓRIO. 
IMPOSSIBILIDADE MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. CONJUNTO PROBATÓRIO HÁBIL A 
ATESTAR QUE UM DOS ACUSADOS “VENDEU” E O OUTRO “ADQUIRIU” UMA CAIXA DE MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO, CONDUTAS 
QUE SE ENCONTRAM INSERIDAS EM TIPOS PENAIS DISTINTOS, PROVA SEGURA DA HABITUALIDADE DO COMÉRCIO E DE CONSERTO 
CLANDESTINO DE ARMAS DE FOGO, ACESSÓRIOS E MUNIÇÕES. APREENSÃO, ADEMAIS, DE DIVERSOS PETRECHOS BELICOS NA 
RESIDENCIA DO ACUSADO RESPONSÁVEL POR VENDER AS MUNIÇÕES: CONDENAÇÕES MANTIDAS. O par. ún. do art 17 da Lei 10.826/03 
equipara à atividade comercial ou industrial “qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido 
em residência”. De acordo com Guilherme de Souza Nucci. “há quem exerça (a habitualidade preexistente permanece) o comércio ou indústria em caráter 
informal, prestando serviços (consertando armas, por exemplo). fabricando (construindo acessórios ou munições, em outro exemplo) ou comercializando 
(comprando, vendendo e alugando armas de fogo, como ilustração), em sua própria casa, sem aparência de atividade comercial ou industrial regular. Aliás, 
na verdade, cuida-se, de fato, de atividade irregular, vale dizer, ilegal” (Leis penais e processuais penais comentadas. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2010. p. 106). RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.” (Tribunal de Justiça de Santa Catarina TJ-SC Apelação: APL XXXXX-47.2010.8.24.0010 
Braco do Norte XXXXX-47.2010.8.24.0010); CONSIDERANDO que aqui não incide igualmente a consunção entre a receptação qualificada e o comércio 
ilegal de arma de fogo, conforme lição doutrinária: “Na eventualidade de o agente adquirir uma arma de fogo que sabe ser produto de crime patrimonial 
anterior e, posteriormente, a vender no exercício de atividade comercial, responderá pelos crimes de receptação qualificada (CP, art. 180, $1°) e comércio 
ilegal de arma de fogo (Lei n. 10.826/03, art. 17), em concurso material (CP, art. 69). In casu, não nos parece possível a aplicação do princípio da consunção. 
A uma porque os bens jurídicos tutelados são diversos: naquele, o patrimônio; neste, a segurança pública e a paz social. Em segundo lugar porque estamos 
diante de condutas absolutamente diversas: num primeiro momento o agente adquire coisa que sabe ser produto de crime; num segundo momento, o agente 
vende aquela arma de fogo no exercício de atividade comercial ou industrial.” (Lima, Renato Brasileiro de. LEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPECIAL COMEN-
TADA 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. p . p. 467); CONSIDERANDO que, em arremate, nas conversas extraídas é corriqueiro 
a utilização da expressão “cabrito”, expressão usualmente utilizada no meio policial para expressar objetos de origem ilícita ou irregular. Assim, o acervo 
probante integrado aos autos autoriza concluir, com o nível de cognição máximo, isto é, além de qualquer dúvida razoável, que, ao ser abordado e preso no 
dia 03/01/2020, o aconselhado estava vendendo a arma Glock furtada de outro policial, arma da qual não tinha o porte, em total desacordo com os ditames 
jurídicos que regem a tradição de arma de fogo, incidindo claramente numa transgressão equiparada ao crime de comércio ilegal de arma de fogo e receptação, 
bem como transportando ilegalmente um revólver sem registro e várias munições, incorrendo em porte ilegal de arma de fogo; CONSIDERANDO que, 
apenas para exaurir a fundamentação e rebater a defesa, é possível dizer que, ao afirmar que a prova testemunhal é favorável à defesa, esta ignora que tal 
meio de prova não é o único apto a reconstruir processualmente os fatos. A propósito, para proferir tais alegações, embasou-se somente em testemunhos 
meramente abonatórios, que não presenciaram o fato transgressivo imputado. Em suma, a análise da defesa é insustentável por estar divorciada de parte 
significativa do acervo probatório, especialmente do relatório técnico de extração que comprova cabalmente que o aconselhado dedicava-se de modo habitual 
e estável à venda de armas de fogo irregulares, anunciando-as reiteradamente em um grupo de Whatsapp. Dessarte, o esforço argumentativo da defesa é, de 
todo, infrutífero. O teor do relatório técnico, crucial na recognição factual, não foi sequer enfrentado. Em acréscimo, os precedentes judiciais colacionadas 
não podem incidir no caso concreto destes autos, como, por exemplo, as decisões que proclamam absolvição da receptação se não houver prova de que o 
acusado não tinha ciência do crime antecedente, pois há prova segura nos autos de que o aconselhado tinha conhecimento da natureza ilícita da arma de fogo, 
circunstância que se extrai da sua conduta de comprar arma sem obedecer o devido processo de aquisição de material bélico e de anunciar vendas de armas 
“sem burocracia”. Em resumo, a defesa ignorou o ponto específico do acervo probatório que demonstra que o SGT PM Natanael dedicava-se rotineiramente 
à venda de armamentos irregulares, conforme se conclui sem qualquer dúvida diante do relatório de extração (fls. 254). Além disso, a compreensão jurídica 
dos fatos adotada pela defesa não é consonante com o ordenamento jurídico no que concerne à transferência de armas de fogo, pois, repita-se, mesmo na 

                            

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