DOE 17/01/2023 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº012 | FORTALEZA, 17 DE JANEIRO DE 2023
por parte do imputado, tais como a inoperância das luzes intermitentes (giroflex) e do sinal sonoro, além do estado de alerta vivido naquela época, não houve
justificava plausível para a ação do acusado antes e durante a tentativa de abordagem policial; CONSIDERANDO que, da análise minuciosa dos autos, apesar
das alegações defensivas, restou evidenciado nos autos prova parcial de autoria e materialidade do delito/falta imputada ao processado, à vista de ter efetuado
disparos de arma de fogo em via pública de maneira desnecessária, inclusive o próprio Inquérito Policial Militar, instaurado no âmbito da PMCE, caminhou
em tal sentido, limitando-se o acusado a alegar não ter agido com dolo ou culpa, sustentando que o fatídico acontecimento teria decorrido de fatos inesperados
que estariam além de sua vontade, tendo supostamente efetuado os disparos em consequência da chegada inesperada da viatura. A ação do acusado demons-
trou, assim, inobservância dos protocolos básicos de segurança adotados pela PMCE quanto ao porte, uso, guarda e manuseio de armamento institucional ou
particular, andando ostensivamente armado, em trajes civis, não se achando de serviço, efetuando disparo de arma de fogo de forma imprudente, além de
ofensa à moral e aos bons costumes em razão de ter urinado em via pública. Desse modo, restou configurado que o estado de embriaguez, a imprudência e
o comportamento ofensivo do acusado constituíram fatores determinantes para a ocorrência dos disparos, conforme asseverado pelas testemunhas inquiridas
pela acusação. Dessa forma, constatou-se que o processado deixou de adotar medidas preventivas a fim de evitar o resultado danoso ocorrido, não apresen-
tando uma conduta dele era esperada naquela situação, visto ter agido com indiferença ao não se cercar das devidas precauções regulamentares, caracterizando,
assim, violação e inobservância do dever de cuidado objetivo, decorrente de conduta imprudente (modalidade de culpa). Nesse sentido, apesar de ter aduzido
como meio de justificativa que os disparos teriam decorrido de fatos inesperados, os quais estariam fora de sua esfera de vontade, fato é que o militar em tela
detinha condições suficientes para adotar as providências necessárias a fim de evitar o resultado verificado e o perigo de um mal maior em uma situação
caracterizada pela culpa imprópria, ocasionando risco de lesão a bens jurídicos protegidos; CONSIDERANDO que a culpa imprópria ou culpa por equipa-
ração, por assimilação ou por extensão é aquela na qual recai o agente que, por erro, fantasia situação de fato, supondo estar acobertado por causa excludente
da ilicitude (caso de descriminante putativa) e, em razão disso, provoca intencionalmente o resultado ilícito e evitável, ou seja, o agente, por erro evitável,
imagina certa situação de fato que, se presente, excluiria a ilicitude do seu comportamento. Ressalte-se que apesar de a ação ser dolosa, a denominação
“culpa” advém do fato de o agente responder a título de culpa por razões de política criminal. A culpa imprópria se verifica quando o sujeito prevê e deseja
o resultado, mas atua em erro vencível (arts. 20, §1°, 2° parte, e 23, parágrafo único, do CP). Esse tipo de culpa ocorre na hipótese de uma descriminante
putativa em que o agente, em virtude de erro evitável pelas circunstâncias, dá causa dolosamente a um resultado, mas responde como se tivesse praticado
um crime culposo, ou seja, embora entenda estar amparado pela norma permissiva, engana-se em relação à situação fática. Vejamos a previsão legal do artigo
20, § 1º, segunda parte, do Código Penal Brasileiro: “Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição
por crime culposo, se previsto em lei. Descriminante putativas § 1.º É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe
situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.”;
CONSIDERANDO que, na seara penal, completa ou incompleta a embriaguez, não há exclusão da imputabilidade, tampouco redução de pena. Ao contrário,
agrava-se a sanção penal (art. 61, II, “l”, do Código Penal); CONSIDERANDO que, sobre a troca de tiros entre a composição da CP 11123 e o 1º SGT PM
17.303 Cícero Williams Martins Evangelista, houve um caso de erro de cognição, o que levou a ambas as partes a tal ação conflituosa, compreendidas por
força das circunstâncias factuais em que o Estado do Ceará passava por ataques terroristas, e os elementos envolvidos no fato da noite do dia 19/01/2019,
tais como viatura mau sinalizada, via pouco iluminada, além do aconselhado que se postou em lugar ermo a efetuar disparos. A ação poderia ser levada ao
fundamento jurídico na legitima defesa putativa por ambos; CONSIDERANDO que, da mesma forma, o suposto desconhecimento do acusado quanto aos
protocolos adotados pela PMCE em situações desta natureza, por si só, não o exime de incorrer em prática transgressiva, uma vez que, ao ingerir bebida
alcoólica, conforme por ele admitido, estando armado, assumiu um considerável risco de vir a causar resultado lesivo, ante a iminente e plausível consequência
desastrosa que de tal comportamento poderia advir para si ou para terceiros face o conhecimento do risco assumido e as circunstâncias fáticas, atuando com
indiferença; CONSIDERANDO que, apesar de não ter restado evidenciado que o acusado agiu com dolo, ou seja, com vontade, com intenção, de atingir
mortalmente (animus necandi) os companheiros de corporação, visto que, até então, não tinha consciência de se tratar de outros policiais, ficou patente sua
conduta imprudente e irresponsável, haja vista ter efetuado diversos disparos de arma de fogo em direção à viatura de maneira açodada, infringindo, assim,
disposições legais assecuratórias de ordem interna, judiciária e administrativa; CONSIDERANDO, portanto, que de acordo com o apurado, concluiu-se
configurada a conduta transgressiva por parte do processado, uma vez que detinha condições de assumir comportamento diverso do adotado, ou seja, obser-
vando rigorosamente as prescrições legais e regulamentares e os valores e deveres militares fundamentais inerentes à vida castrense, mormente a assunção
de tal compromisso quando do seu ingresso na Corporação Policial Militar, consoante prescrito no art. 6º, § 2º, da Lei nº 13.407/2003, o que não ocorreu;
CONSIDERANDO que, diante do acima explicitado, restou evidenciado que as ações do imputado causaram dano potencial à integridade física dos compo-
nentes da viatura CP-11123 (consoante Laudo Pericial nº 190.814-01/2019P, à fl. 153-170), sendo encontrados 05 (cinco) estojos de arma de fogo de calibre
.40 percutidos e deflagrados na Rua Paulino Rocha, próximos ao veículo Toyota/Corolla (veículo 1), conduzido pela esposa do aconselhado, e 04 (quatro)
estojos de arma de fogo de mesmo calibre na Rua Paulino Rocha, próximos à viatura (veículo 2), além de danos em uma das colunas das barras de proteção
da ponte provocados por projétil de arma de fogo, indicando possível troca de tiros no local; CONSIDERANDO que, a título informativo e ressalvada a
independência das instâncias, conforme consulta pública ao sítio eletrônico do E-saj do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), constatou-se que,
inicialmente, o Ministério Público do Ceará (MPCE) denunciou o policial militar supracitado pela prática do delito de disparo de arma de fogo, previsto no
Art. 15 da Lei nº 10.826/03 (Lei do Desarmamento). Entretanto, o magistrado, após analisar a peça vestibular delatória em confronto com o autos, externou
seu entendimento jurídico num vislumbre de que o fato ilícito a ser apurado perante aquele juízo processante apontaria para tipo legal diverso, relatado nos
fatos, porém não notado pelo Ministério Público, pelo que determinou que fosse aberta vista dos autos ao órgão ministerial. O representante do Ministério
Público Militar, então, analisando mais acuradamente os autos, entendeu que realmente assistiria razão ao julgador militar, porquanto, o policial militar
denunciado, através de sua conduta, teria cometido o crime de homicídio na modalidade tentada, e não disparo de arma de fogo, conforme inicialmente
denunciado pelo parquet. Desse modo, achou por bem retificar a denúncia para nela modificar o enquadramento do tipo penal, aditando a inicial delatória
contra o denunciado de disparo de arma de fogo (art. 15, da Lei nº 10.826/03 - Lei do Desarmamento) para homicídio na modalidade tentada (art. 205, c/c
art.30, inciso II, todos do CPM); CONSIDERANDO que, a título ilustrativo, o crime de disparo de arma de fogo (art. 15 da Lei n. 10.826/2003) é crime de
perigo abstrato, que presume a ocorrência de dano à segurança pública e prescinde, para sua caracterização, de comprovação da lesividade ao bem jurídico
tutelado. A objetividade jurídica dos delitos previstos no Estatuto do Desarmamento é a incolumidade pública, ou seja, a segurança da sociedade como um
todo, que deve ser preservada, evitando-se que bens jurídicos como a vida, a segurança e a integridade física da coletividade sejam lesionados ou expostos
a perigo de dano. No caso, o alvo dos tiros disparados pelo SGT PM Cícero Willams parecia ser a composição policial, como se observa na própria narrativa
da denúncia; CONSIDERANDO que o Art. 15 da Lei n. 10.826/03 pune, com reclusão de dois a quatro anos, a conduta de disparar arma de fogo ou acionar
munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro
crime; CONSIDERANDO que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se orienta no sentido de que, uma vez efetuado o disparo em lugar habitado, em suas
adjacências, em via pública ou em direção a ela, não há necessidade de comprovar o perigo concreto de lesão a bem jurídico alheio, pois se trata de crime
de perigo abstrato, presumido pela lei: “2. O disparo de arma de fogo em local habitado configura o tipo penal descrito no art. 15 da Lei n. 10.826/2003,
crime de perigo abstrato que presume o dano à segurança pública e prescinde, para sua caracterização, de comprovação da lesividade ao bem jurídico tute-
lado.” (AgRg no AREsp 684.978/SP, j. 05/12/2017); CONSIDERANDO que tais condutas repercutiram negativamente na imagem do Estado do Ceará e da
respectiva Corporação Militar, expondo-as a um desnecessário descrédito perante a opinião pública, posto que se espera dos integrantes da Polícia Militar
do Ceará atitudes exemplares, os quais devem atuar de forma a zelar pelo bom nome da Instituição e de seus componentes, conduzindo-se com retidão, ainda
que na folga, de modo a não ser um vetor de comportamento contrário, desconsiderando sua condição de agente público; CONSIDERANDO que diante da
situação acima narrada e com base nos documentos/testemunhos, o militar, enquanto agente garantidor da ordem pública, tem o dever legal de atuar, seja
onde estiver, mesmo não estando em serviço, para preservar a paz pública e a integridade das pessoas e do patrimônio; CONSIDERANDO que o acusado é
um profissional da Segurança Pública, contando, à época, com mais de 24 (vinte e quatro) anos de experiência, de quem se espera conduta equilibrada e
isenta, exigindo-se procedimento, seja na vida pública ou privada, de forma a zelar pelo bom nome da Corporação PMCE, aceitando os valores e cumprindo
os deveres éticos e legais, bem como, atuando dentro da estrita observância das normas jurídicas e do Código Disciplinar; CONSIDERANDO que as teses
de defesa apresentadas não foram suficientes para demover a existência das provas (material/testemunhal), que consubstanciaram de modo cabal as infrações
administrativas sob apuração, restando configurado que o processado, com sinais de haver ingerido bebida alcoólica (inclusive, conforme confissão), praticou
conduta desnecessária no manuseio do armamento de sua propriedade, resultando em disparos em via pública com risco de lesão corporal ou morte, além de
ter se portado em inobservância dos bons costumes ao urinar em ambiente aberto ao público; CONSIDERANDO que, compulsando-se os autos acerca da
vida funcional pregressa do aconselhado, constatou-se pela leitura do Resumo de Assentamentos acostado às fls. 140/141 que seu ingresso nos quadros da
Polícia Militar do Ceará se deu no dia 19/12/1994, atualmente, com mais de 28 (vinte e oito) anos de serviço ativo na PMCE, possuindo, até então, registros
de 09 (nove) elogios por bons serviços prestados, não constando anotações por sanção disciplinar. Demais disso, conforme consulta ao Sistema de Acom-
panhamento Policial Militar (SAPM/PMCE), o militar em evidência figura no comportamento de categoria EXCELENTE; CONSIDERANDO ainda, que
diante do que fora demonstrado acima, tal servidor não preenche os requisitos legais para aplicabilidade, ao caso “sub examine”, dos institutos despenaliza-
dores previstos na Lei nº 16.039/2016, consoante o disposto no seu Art. 3º, inc. IV; CONSIDERANDO, nesse contexto, analisando detidamente as provas
amealhadas ao processo, extreme de dúvida constatar-se a culpabilidade e a reprovabilidade da conduta do aconselhado no caso concreto, ante destacada
ação atentatória à segurança pública levada a efeito por meio de disparo de arma de fogo desferido em via pública em horário de grande movimentação de
pessoas e veículos, delito este que, a título ilustrativo, por ser crime de perigo abstrato e de mera conduta (não se exigindo que o agente tenha agido com
finalidade específica), busca preservar o bem jurídico tutelado corresponde à segurança pública, enquanto direito social. Na espécie vertente, a lesividade já
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