70 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº017 | FORTALEZA, 24 DE JANEIRO DE 2023 que o Aconselhado foi preso e autuado em flagrante delito por conduzir no assoalho de seu veículo um revólver cal. 38 carregado e com a numeração supri- mida. Como incontestável é ainda, que havia uma manifestação anônima com data anterior a prisão do SGT PM MORENO, informando que ele estava comercializando armas irregularmente. Como também, incontroverso, é o fato, admitido pelo próprio Aconselhado, que ele participava do grupo de comércio virtual, denominado “Feirão Policial - G2”, de onde foram extraídos cópias de imagens do oferecimento de armas e munições, realizados por uma pessoa, que se apresentava com o nome e também imagem do ora ACUSADO. Em sua defesa o ACONSELHADO admitiu que realmente se encontrava com a arma quando foi abordado pela patrulha policial. Todavia, contestou que tivesse a intenção de comercializar tal armamento. Argumentou, que recebera a arma de um servidor público aposentado, e falecido, que o encarregara de entregar o armamento no Departamento de Polícia Federal para descarte. Contudo, teria esquecido de realizar esta incumbência e passara a transitar com a arma no interior de seu veículo, sem apercebe-se. E ainda, que quando recebeu o mesmo armamento não verificou que ele estava com sua numeração identificadora raspada. Para reforçar sua versão, o ACUSADO apresentou o testemunho de sua esposa, que afirmou que o suposto proprietário da arma presenteou ele com a arma; bem como, o testemunho de uma amiga, que seria nora do suposto proprietário da arma, afirmando que a arma teria sido dada ao SGT PM MORENO como retribuição por favores que ele fez ao seu sogro. Contudo, apesar destas informações, servirem para enfraquecer a informação prestada pelo ACUSADO, de que ele recebeu a arma apreendida para entregar aos órgão compe- tente, para descarte. Não vem carreada com comprovação material que faça crer, ou não, que esta mesma arma que supostamente o ACUSADO recebeu do falecido servidor público, seria a mesma arma que fora apreendida em sua posse por ocasião de sua prisão em flagrante. Mesmo que a seara administrativa não se preste a julgar os ilícitos criminais. Importar trazer o entendimento balizado dos Ministros dos Tribunais Superiores acerca das condutas realizadas pelo ACUSADO para fins de sopesar a gravidade de tais condutas. Neste fim, tanto o STF como STJ têm entendimentos sedimentados pelo agravamento da conduta do agente que é encontrado em seu porte ou posse, arma com numeração suprimida, posto que, isto, seria um obstáculo a realização da Segurança Pública, pelo Poder Público por meio do controle das armas existentes no País. Impedindo ou dificultando o controle da circulação de armas pela ausência dos registros de posse ou porte; ou mesmo, frustraria este controle estatal, impossibilitando a identificação dos proprietários e a origem de tais armas. Vejamos: “1. Conforme julgados desta Corte, estando o número de série da arma de fogo raspado ou suprimido (situação essa comprovada nos autos), a conduta do agente será equiparada à posse ou porte de arma de fogo de uso restrito, sendo irrelevante a identificação posterior pela perícia técnica da numeração, pois a intenção da lei foi punir com maior severidade aquele que, de qualquer modo, anula marca ou sinal distintivo da arma, permitindo-se sua transmissão a terceiros ilegalmente e obstaculizando/dificultando a identificação do verdadeiro proprietário do armamento. Incidência do enunciado 83 da Súmula deste Tribunal. […] 3. Agravo regimental a que se nega provimento (STJ - AgRg no AgRg no AREsp 864.075/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 07/06/2016, DJe 21/06/2016)”. (Grifamos) “Esta Corte Superior de Justiça entende que, apesar de o caput do artigo supratranscrito referir-se a armas de fogo, munições ou acessórios de uso proibido ou restrito, o parágrafo único, ao incriminar a conduta de portar arma de fogo modificada, refere-se a qualquer arma, sendo irrelevante o fato de ela ser de uso permitido, proibido ou restrito. Isso ocorre porque se deve punir mais severamente o agente que porta esse instrumento de modo a frustrar o controle estatal, impossibilitando a identificação e a origem da arma de fogo. (STJ - HC nº 233.436/RJ, Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 04/12/2012, DJe 11/12/2012)”. (Grifamos) “1. A arma de fogo, mesmo desmuniciada, não infirma a conduta penalmente punível na forma tipificada no dispositivo mencionado, porque, com ou sem munição, ela haverá de manter o seu número de série, marca ou sinal de identificação para que possa ser garantido o controle estatal. 2. A supressão ou a alteração da numeração ou de qualquer outro sinal identificador impede ou dificulta o controle da circulação de armas pela ausência dos registros de posse ou porte ou pela sua frustração. 3. Comprovação inegável do porte e posse de arma de fogo, com o seu número de série suprimido, pelo Recorrente. 4. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, despro- vido. (STF - RHC nº 89889/DF, Relator: Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 14/02/2008)”. (Grifamos) “1. A arma de fogo portada sem auto- rização, em desacordo com determinação legal ou regulamentar e com numeração suprimida configura o delito previsto no art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/2003, pois o crime é de mera conduta e de perigo abstrato. 2. Deveras, para configuração do delito de porte ilegal de arma de fogo com a numeração suprimida, não importa ser a arma de fogo de uso restrito ou permitido, basta que a arma esteja com o sinal de identificação suprimido ou alterado, pois o que se busca proteger é a segurança pública, por meio do controle realizado pelo Poder Público das armas existentes no País. Precedentes: RHC 89.889/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe 5/12/2008; HC 99.582/RS, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma, DJe 6/11/2009; HC 104.116/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 28/9/2011. 3. In casu, o paciente foi preso em flagrante, em via pública, portando um revólver, marca Rossi, calibre 38, com numeração raspada, municiado com 05 (cinco) cartuchos, sendo a arma apreendida, periciada e considerada apta para realizar disparo. [...] 5. Ordem de habeas corpus denegada. (STF - HC: 110792 RS, Relator: Min. LUIZ FUX, julgado em 21/02/2013, DJE 26/02/2013)”. (Grifamos) Ademais, a conduta do ACUSADO afrontam alguns valores que alicerçam a moral do militar estadual, tais como: a disciplina e a constância, por não demonstrar a aceitação cons- ciente da ética e da práxis castrenses; a lealdade e o profissionalismo, quando se utilizou da investidura policial militar para transitar livremente, realizando transporte de arma em desacordo com as normais legais; a honra e a honestidade, pois enquanto militar estadual, profissional experiente e conhecedor da legislação, deveria cultivar uma conduta exemplar de cidadão, cumprindo com as normais sociais. E, a verdade real, pois ao fim da instrução disciplinar, foi incapaz de apresentar um relato firme e coerente que demonstrasse correspondência lógica com os fatos que foram provados neste processo. Não se pode perder de vista, ainda, que na condição de servidor público, agasalhado pela fé pública que os servidores estatais gozam; sobremaneira, aqueles que pelejam na segurança pública. Caso não fosse denunciado anonimamente, o ACUSADO permaneceria impune em sua ação delituosa ad eternum, tendo em vista, não ser uma praxe que os servidores da segurança pública suspeitem de seus pares. O que torna esta conduta ainda mais grave. E, até mesmo para que se possa dar uma resposta à Sociedade, que hoje clama incessantemente por punição aos agentes estatais que contrariam as regras de comportamento social, evitan- do-se, com isto, a impunidade e o incentivo à prática de infrações altamente reprováveis, sob pena de, assim não se fazendo, levar a Administração ao descrédito ante os olhos da sociedade, no mínimo a questionamentos tão corriqueiros nos dias atuais. […] 5. CONCLUSÃO E PARECER Posto isto, ao final dos trabalhos, restou comprovado que o ACUSADO mantinha em seu veículo uma arma sem registro e com a numeração identificadora raspada quando foi preso por uma patrulha policial militar, e, assim, tendo as condutas apuradas neste procedimento disciplinar, ferido os Valores da Moral Militar Estadual, previstos no art. 7º, IV, V, VI, VII, VIII, IX e XI, e violado os Deveres consubstanciados no art. 8º, II, VIII, XIII, XV, XVIII, e XXIII, caracterizando trans- gressões disciplinares, de acordo com o art. 12, § 1º, I e II, e § 2º, II, c/c art. 13, § 1º, VI, XXVII, XLVIII e LI, e § 2º, LIII, do citado códex, conforme delineado na portaria preambular. Assim, da análise de tudo contido nos autos, em especial da Defesa Prévia e Defesa Final, esta Comissão Processante passou a deliberar, em sessão própria e previamente marcada, em 11/10/2022, contando com a participação da Defensora, DRA. VALDÍVIA PINHEIRO FURTADO, OAB/CE nº 8758, em conformidade com art. 98, §1º, I e II da Lei nº 13.407/2003 (Código Disciplinar PM/BM), de forma unânime conforme respectiva ata (fls. 407-CD), que o SGT PM 21.276 Aridson MORENO da Silva - MF: 135.913-1-8: 1) É CULPADO das acusações constantes na portaria inicial; e 2) ESTÁ INCAPACITADO de permanecer na ativa da Polícia Militar do Ceará. Por conseguinte, sugerindo-se aplicação da pena disciplinar expul- sória. [...]”; CONSIDERANDO que não se vislumbrou neste processo qualquer óbice ou vício de formalidade, de modo que, por isto, concordo com a pertinente análise feita pelo Sr. Orientador da Célula de Processo Regular Militar - CEPREM/CGD (fls. 322/323), corroborada pela Coordenação de Disci- plina Militar - CODIM/CGD (fls. 324/325), que não identificaram nenhuma causa de nulidade no presente CD; CONSIDERANDO que cabe destacar que, no presente Conselho de Disciplina, a pretensão acusatória deduzida na portaria tem substrato fático que se amolda tanto a tipos penais, como se enquadra em transgressões disciplinares. Não obstante essa projeção do mesmo fato em instâncias punitivas distintas, o processo disciplinar não se presta a apurar crimes propriamente ditos, mas sim averiguar a conduta dos militares diante dos valores, deveres e disciplina de sua Corporação, à luz do regramento legal ao qual estão adstritos, e, consequentemente, sua capacidade moral para permanecer no serviço ativo; CONSIDERANDO que não obstante, no caso sub oculi, as transgressões disciplinares precípuas imputadas ao acusado se amoldam, conforme consta na portaria, aos tipos penais de receptação qualificada (Art. 180, §1º, do CP), posse ou posse ilegal de arma de fogo de uso restrito e comércio ilegal de arma de fogo (Art. 16 e Art. 17, respectivamente, da Lei nº 10.826/03). Observe-se, que, por força do disposto na norma de extensão do Art. 12, §1º, I, da Lei nº 13.407/03, são transgressões disciplinares os fatos compreendidos como crime, como se observa pela literalidade do texto legal: “Art. 12. […] §1º. […] I - todas as ações ou omissões contrárias à disciplina militar, especificadas no artigo seguinte, inclusive os crimes previstos nos Códigos Penal ou Penal Militar”. (grifou-se). Contudo, como aqui se apuram transgressões disciplinares e não crimes, o único requisito exigido é que a ação ou omissão apurada contrarie a disciplina militar. Nesse sentido, pertinente a lição de José dos Santos Carvalho Filho ao diferenciar o ilícito administrativo do penal: “São diversos os ilícitos penal, civil e administrativo, o que vai redundar na diversidade também da sua configuração. No Direito Penal, o legislador utilizou o sistema da rígida tipicidade, delineando cada conduta ilícita e a sanção respectiva. O mesmo não sucede no campo disciplinar. Aqui a lei limita-se, como regra, a enumerar os deveres e as obrigações funcionais e, ainda, as sanções, sem, contudo, uni-los de forma discriminada, o que afasta o sistema da rígida tipicidade. Nada impede, todavia, que o legislador estabeleça conduta dotada de tipicidade específica como caracterizadora de ilícito administrativo. Nesse caso, nenhum problema haverá quanto à punibilidade: esta ocorrerá ou não conforme tenha ou não ocorrido a conduta. Mas não é essa a regra do ilícito administrativo, como sucede em relação à ilicitude penal. Esta não admite os denominados tipos abertos, aceitos normalmente na esfera da Administração. (Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 28. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2014. – São Paulo: Atlas, 2015. p.72)”. (Destacou-se); CONSIDERANDO que diante da desnecessidade da tipicidade tal qual na esfera criminal, por força do Art. 12, §1º, da Lei nº 13.407/03, nada obsta que se analise o caso à luz do tipo penal, sem, contudo, que deixe de incidir responsabilização caso reste caracterizada violação a valores e deveres, mesmo que falte algum elemento do tipo. Noutros termos, não necessitamos que todos os dados para a configuração dos tipos penais estejam presentes para que tenha havido violação do estatuto disciplinar imposto ao acusado. A tipicidade é exigida em sua plenitude no campo penal. No âmbito administrativo, para caracterização de uma falta funcional, não se exige tal requisito. Feita essa importante ressalva, e sendo a prova robusta e suficiente para confirmar os fatos que pesam em desfavor do Aconselhado, como já fartamente discutido, doravante far-se-á o enquadramento jurídico no caso ao regime disciplinar aplicável e, de modo concomitante, enfrentar-se-á todos os argumentos deduzidos neste processo, posto que a fundamentação para consubstanciar o mérito e deslinde deste feito encontra-se imbricada com a superação dos argumentos daFechar