DOE 24/01/2023 - Diário Oficial do Estado do Ceará

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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO  |  SÉRIE 3  |  ANO XV Nº017  | FORTALEZA, 24 DE JANEIRO DE 2023
uma arma com numeração suprimida. Também não é razoável a negligência alegada pelo acusado, notadamente um policial militar experiente, à época dos 
fatos contando com 15 anos de serviço, em receber uma arma com numeração suprimida e não ter verificado tal irregularidade. Logo, é injustificável ter 
recebido tal arma ilegal de terceiro, independentemente da versão apresentada pela Defesa, seja para o suposto “descarte” alegado ou como presente por 
gratidão a acompanhamentos particulares na suposta amizade com o auditor fiscal. Aponta-se ainda que o aconselhado faltou com a verdade ao afirmar no 
interrogatório que a arma estava desmuniciada, quando se encontrava municiada com três munições intactas. Agrava-se também a origem desconhecida dessa 
arma e a impossibilidade de apurá-la, uma vez que teve sua numeração suprimida, podendo ter sido fruto de roubo, furto, ou ainda ter sido utilizada em ações 
criminosas, haja vista ter sido periciada e seus mecanismos terem funcionado regularmente. Outrossim, não se olvida que cabia ao aconselhado demonstrar 
a origem lícita do bem, segundo farta jurisprudência do STJ nesse mesmo sentido, senão vejamos: “A conclusão das instâncias ordinárias está em sintonia 
com a jurisprudência consolidada desta Corte, segundo a qual, no crime de receptação, se o bem houver sido apreendido em poder do paciente, caberia à 
defesa apresentar prova da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa, nos termos do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, sem que se 
possa falar em inversão do ônus da prova. Precedentes” (HC 542197/SC). “Esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que, tratando-se de crime 
de receptação, cabe ao acusado flagrado na posse do bem demonstrar a sua origem lícita ou a conduta culposa, nos termos do art. 156 do CPP. Precedentes”. 
(HC 469025/SC). Portanto, as alegações apresentadas pela defesa e pelo aconselhado depõem contra o próprio acusado, pois o revólver calibre 38 se encon-
trava com a numeração suprimida, o que, por si só, já tornava o bem e a situação de quem estava em posse ilegal. O objeto apreendido com o aconselhado é 
um material bélico, sendo absurda a possibilidade de que um armamento com numeração suprimida e municiado possa ser dado como presente por gratidão 
a favores prestados a um suposto amigo. Não estamos aqui falando da compra de mercadorias comuns, mas de armas de fogo, que são produtos de circulação 
controlada. No caso de militares do Ceará, deve ser seguido o disposto na Instrução Normativa nº01/06-GC/PMCE, que orienta que a tradição da arma deverá 
ocorrer somente com a expedição do CRAF em nome do adquirente, posto o registro de porte de arma possuir natureza personalíssima. Diante de tudo isso, 
soa ingênuo o militar afirmar que desconhecia a condição ilícita da arma, quando na verdade sua condição irregular ao mesmo tempo que impedia a apuração 
de sua origem facilitava sua comercialização para terceiros com intenção de utilizá-la para finalidades ilícitas. Especificamente por se dedicar o aconselhado 
à atividade comercial, ainda que de modo clandestino (Art. 180, §1º do CP), entende-se que a receptação se deu na modalidade qualificada. Destaque-se que, 
por já se ter demonstrado que o aconselhado sabia que se encontrava com uma arma que sabia ser produto de crime, notadamente com numeração suprimida, 
logo incide aqui dolo direto direto em relação ao crime do Estatuto do Desarmamento. Veja-se que, segundo a doutrina majoritária, o tipo do §1º do Art. 180 
do CP admite tanto o dolo direto como o dolo eventual na receptação qualificada. Rogério Sanches (ob. cit. p. 454) leciona que “a expressão sabe está contida 
naquela (deve saber), pois, se o legislador pretende punir mais severamente o agente que deveria ter conhecimento da origem criminosa do bem, é óbvia sua 
intenção em punir também aquele que possui conhecimento direto dobre a proveniência da coisa.” O STF, concordando com tal entendimento, declarou ainda 
a constitucionalidade deste dispositivo no Recurso Extraordinário Nº 443.388/SP. Isto posto, fica devidamente constatada a transgressão compreendida como 
Receptação Qualificada. No tocante ao porte ilegal de arma de fogo, tal transgressão, por ser de mera conduta, passou a ser praticada no momento em que o 
Aconselhado recebeu o revólver, e passou a transportá-lo. No caso dos autos, como a arma foi encontrada em seu veículo, o núcleo do tipo incidente à hipó-
tese é transportar, não havendo nenhuma controvérsia quanto a existência da infração. À guisa de ilustração: “PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. 
INTERIOR DE CAMINHÃO. CONFIGURAÇÃO DO DELITO TIPIFICADO NO ART. 14 DA LEI 10.826/2003. 1. Configura delito de porte ilegal de 
arma de fogo se a arma é apreendida no interior de caminhão. 2. O caminhão não é um ambiente estático, não podendo ser reconhecido como local de trabalho. 
3. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1219901/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe de 10/05/2012). A propósito, 
como já se pronunciou o STJ, “[...] é típica e antijurídica a conduta de policial civil que, mesmo autorizado a portar ou possuir arma de fogo, não observa as 
imposições legais previstas no Estatuto do Desarmamento, que impõem registro das armas no órgão competente [...]”. (STJ, 6 Turma, RHC 70.141/R, Rel. 
Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 07/02/2017). Além de não servir de salvaguarda para que porte ou possua armas em desacordo com a lei, sua condição de 
policial é prevista como majorante dos delitos previstos na Lei nº 10.826/03, segundo consta no inciso I do Art. 20, fazendo a pena ser aumentada da metade, 
o que denota uma maior reprovabilidade da conduta, exatamente por ter o agente de segurança pública maior facilidade de ter acesso a armamentos, bem 
como o dever de coibir os crimes do estatuto do desarmamento. Oportuno ainda abrir um parêntese para registrar que consunção não se aplica entre os crimes 
de receptação e porte ilegal de arma de fogo. De acordo com o STJ, o individuo surpreendido portando ilegalmente arma de fogo adquirida como produto 
de crime deve ser punido por receptação em concurso material com a porte ilegal (AgRg no REsp 1.633.479/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, J. 06/11/2018). Eis 
a ementa do Julgado citado: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL RECEPTAÇÃO (ART. 180 DO CÓDIGO PENAL) E PORTE ILEGAL 
DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI N. 10.2003). PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. AFASTAMENTO. CONHECIMENTO 
DA PROVENIÊNCIA ILÍCITA DO BEM ADQUIRIDO. ÔNUS DA DEFESA. 1. É inaplicável o princípio da consunção entre os delitos de receptação e 
porte ilegal de arma de fogo, por serem diversas a natureza jurídica dos tipos penais. 2. Flagrado o sentenciado na posse da coisa produto de crime, a ele 
compete a demonstração da sua aquisição licita, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, ônus do qual não se desincumbiu a defesa. 3. Agravo 
regimental desprovido”. (Destacou-se). Relativamente ao revólver apreendido, o aconselhado tentou justificar-se utilizando a narrativa de que um amigo 
teria lhe entregue para ser apresentado aos órgãos competentes. Ademais, o acusado alegou que tanto o suposto proprietário como seu filho já haviam falecido, 
apresentando para prestar esclarecimentos somente a nora de Eduardo, a qual apresentou versão diferente para a entrega da arma, que teria sido dada como 
presente por gratidão a favores prestados pelo aconselhado ao suposto amigo. Como a prova da alegação incumbe a quem a fizer, tais versões, além de serem 
duvidosas por si só, carecem de qualquer elemento de sustentação e, por via de consequência, não possuem valor probatório algum, consoante o brocardo 
jurídico allegatio et non probatio quasi non allegatio (Alegar sem provar é o mesmo que nada dizer). Assim, uma arma municiada e com numeração suprimida 
foi apreendida em seu poder, o que eleva a periculosidade social e o grau de reprovação do comportamento do aconselhado. O próprio processado, em seu 
interrogatório, ao mesmo tempo que atribuía idoneidade ao suposto proprietário Eduardo, falecido, não soube a quem atribuir a supressão da numeração da 
arma de fogo, declarando que não percebeu que a arma tinha numeração suprimida. Em sua versão, sequer suscitou que tivesse feitos questionamentos ao 
suposto proprietário acerca de registros dessa arma ou da condição legal dela, apresentou tão somente explicações inverossímeis e reconhecidamente trans-
gressivas, conduta inadmissível para um profissional de segurança pública com tanta experiência. Em suma, crer na versão do aconselhado seria ofensivo à 
lógica mais elementar, não tendo sua alegativa força sequer para constituir uma dúvida que lhe seja favorável, posto não ser plausível que um profissional 
de segurança pública desconheça o fato de que não pode sair recebendo armas de fogo em condição de crime independentemente de quem a tenha repassado. 
No que concerne à transgressão equiparada ao comércio de arma de fogo, a prova da conduta é inconteste, conclusão elementar que se extrai dos termos 
prestados pelos policiais militares no Auto de Prisão em Flagrante, confirmando informações repassadas pela inteligência da COIN/SSDPS, vindo ainda o 
aconselhado a se tornar réu também por esta conduta, tendo espontaneamente admitido no interrogatório participação em grupos de Whatsapp em que ocor-
riam vendas de armas. Ademais, somam-se desfavoráveis ao aconselhado a apresentação de versões fantasiosas para tentar justificar a posse ilegal da arma 
de fogo, agravando-se pela numeração suprimida, faltando ainda com a verdade ao declarar neste processo que ela estava desmuniciada, contrariamente ao 
Auto de Apresentação e Apreensão que atestou que o acusado além do revólver calibre 38 com numeração suprimida, encontrava-se com três munições 
intactas, estando a arma de fogo em perfeitas condições para uso, conforme exame pericial realizado. A título de informação, a denúncia realizada no Portal 
Ceará Transparente, em sua Ouvidoria, embora anônima, apresentou elementos de informação verossímeis em desfavor do aconselhado quanto à comercia-
lização de armas de fogo, quase um mês antes de sua prisão em flagrante delito por prática desta conduta. Dessarte, o esforço argumentativo da Defesa é, de 
todo, infrutífero. O próprio aconselhado reconheceu participação em grupos de Whatsapp, como o “Feira Policial – G2” apresentado na manifestação em 
Ouvidoria, além de que tinha conhecimento da compra e venda de armas em grupos de redes sociais. Há prova segura nos autos de que o aconselhado tinha 
conhecimento da natureza ilícita da arma de fogo, circunstância que se extrai da sua conduta de adquirir arma sem obedecer o devido processo de aquisição 
de material bélico e de comercializar arma ilegal em condição tão exposta a ponto de surgirem denúncias na Ouvidoria e informações da inteligência da 
COIN/SSDPS neste sentido; CONSIDERANDO que esgotada a análise das questões fáticas e de direito, tendo restando confirmada integralmente a hipótese 
acusatória, bem como diante das ponderações da Comissão Processante, que se encontram consonantes com as provas dos autos, outra sugestão não se aplica 
senão acolher-se a sugestão de mérito da Trinca Processante, razão pela qual se entende que o aconselhado não reúne capacidade moral desta para permanecer 
no serviço ativo militar. Com todas as condutas que levou a efeito, o acusado 3º SGT PM Aridson Moreno da Silva praticou transgressões equiparadas aos 
delitos de receptação qualificada, posse ilegal e comércio ilegal de arma de fogo, violando frontalmente os valores constantes do Art. 7º, incisos II (civismo), 
IV (disciplina), V (profissionalismo), VIII (verdade real), IX (honra) e XI (honestidade), bem como com infringindo os deveres consubstanciados no art. 8º, 
IV (“servir à comunidade, procurando, no exercício da suprema missão de preservar a ordem pública e de proteger a pessoa, promover, sempre, o bem estar 
comum, dentro da estrita observância das normas jurídicas e das disposições deste Código”), V (“atuar com devotamento ao interesse público, colocando-o 
acima dos anseios particulares”), VIII (“cumprir e fazer cumprir, dentro de suas atribuições legalmente definidas, a Constituição, as leis e as ordens legais 
das autoridades competentes, exercendo suas atividades com responsabilidade, incutindo este senso em seus subordinados”), XIII (“ser fiel na vida militar, 
cumprindo os compromissos relacionados às suas atribuições de agente público”), XV (“zelar pelo bom nome da Instituição Militar e de seus componentes, 
aceitando seus valores e cumprindo seus deveres éticos e legais”), XVIII (“proceder de maneira ilibada na vida pública e particular”), XXIII (“considerar a 
verdade, a legalidade e a responsabilidade como fundamentos de dignidade pessoal”) e XXXIII (“proteger as pessoas, o patrimônio e o meio ambiente com 
abnegação e desprendimento pessoal”), caracterizando transgressões disciplinares, de acordo com o Art. 12, § 1º, I e II, e § 2º, I e III, c/c Art. 13, § 1º, XVII 
(“utilizar-se da condição de militar do Estado para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros 
(G)”) e XLVIII (“portar ou possuir arma em desacordo com as normas vigentes (G)”), e § 2º, XX (“desrespeitar medidas gerais de ordem militar, judiciária 
ou administrativa, ou embaraçar sua execução (M)”) e LIII (“deixar de cumprir ou fazer cumprir as normas legais ou regulamentares, na esfera de suas 
atribuições (M)”), todos da Lei nº 13.407/2003 (Código Disciplinar PM/BM); CONSIDERANDO que nesse caminho, o Códex Processual (Lei nº 13.407/03) 

                            

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