DOE 01/02/2023 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº023 | FORTALEZA, 01 DE FEVEREIRO DE 2023
palavras para pegar um par de chinelos na garupa do veículo. Disse que os policiais desembarcaram da viatura como se a pessoa atingida fosse de fato um
assaltante e que, somente após um tempo, perceberam não se tratar de uma ocorrência de roubo e socorreram a vítima ao IJF; CONSIDERANDO que, além
das testemunhas arroladas pelo sindicante, foram ainda ouvidas 03 (três) testemunhas indicadas pela defesa, as quais, em síntese, foram uníssonas em afirmar
que a situação fática se assemelhava com um flagrante de roubo e que, antes do disparo, houve verbalização policial. Afirmaram que o disparo se deu por
conta de um movimento brusco da vítima, que portava um objeto de cor escura nas mãos. Declararam acreditar que o acusado teria se sentido ameaçado por
uma aparente agressão injusta e iminente, razão pela qual efetuou o único disparo fatal; CONSIDERANDO que, em sede de interrogatório, o sindicado narrou
a sua versão dos fatos afirmando que estava patrulhando normalmente juntamente com sua composição quando se depararam com pessoas apontando e
indicando uma situação mais a frente. Disse que, logo mais adiante, depararam-se com uma cena aparente de roubo, onde havia uma motocicleta parada, um
homem de capacete e uma mulher gritando pedindo socorro, além disso havia um homem em outra calçada em uma outra mulher demonstrando estar assus-
tada e gesticulando. Disse que desembarcou da viatura e deu voz de abordagem, porém não houve resposta. Declarou que o homem (Daniel) de capacete
teria realizado um gesto rápido como se fosse se virar para a viatura e que observou algo nas mãos dele. Disse que já estava anoitecendo e que a iluminação
do local era precária. Diante daquele cenário, por acreditar que aquele homem estava armado, efetuou um disparo visando cessar uma possível agressão
iminente contra ele e sua composição. Após o disparo, disse que se dirigiu às pessoas e escalou o outro rapaz (Nataniel), que olhou assustado e a senhora
passou a gritar. Disse que o patrulheiro perguntou pela arma à senhora, que disse não haver arma nenhuma. Disse ter pedido calma à senhora e perguntando
se aquilo não se tratava de um assalto, obtendo resposta negativa. Questionada, a senhora (Alexandra) disse que o homem alvejado era seu ex-namorado e
que eles estavam brigando. Logo após, socorreram a vítima prontamente ao IJF, envidando todos os esforços possíveis para salvar a vida de Daniel, o qual,
inclusive, teria chegado ainda com sinais vitais ao hospital. Indagado se, após o disparo, teria identificado o suposto objeto portado pela vítima, disse que,
somente depois de procurarem pela arma, percebeu que Daniel estava com um par de luvas de motociclista cobrindo as mãos, dando a ideia de que portava
uma arma de fogo, o que, por conta ainda do movimento brusco e da iluminação precária, deu-lhe a percepção de se tratar de uma ameaça iminente. Negou
ter efetuado o disparo com a intenção de atingir a cabeça da vítima, mas visava tão somente neutralizar uma possível ameaça, efetuando apenas um disparo,
não colocando em risco a integridade das demais pessoas. Disse que ele e a vítima estavam a uma curta distância. Negou ter agido com excesso e que as
circunstâncias do fato o levaram a acreditar se tratar de um flagrante de roubo, reafirmando ter verbalizado antes do disparo; CONSIDERANDO que, ao se
manifestar em sede de razões finais (fls. 191-196), a defesa do sindicado, de forma geral, discorreu inicialmente acerca das circunstâncias em que teriam
ocorrido os fatos sob a ótica do acusado. Nesse sentido, aduziu que os fatos narrados na exordial diferiram da verdade real, uma vez que tudo decorreu de
um malfadado episódio. Alegou não ter cometido as transgressões pelas quais fora acusado, não havendo provas de sua culpabilidade e que teria agido
amparado pela excludente de ilicitude elencada no art. 34, inc. III, do CDPMBM (legítima defesa própria ou de outrem). Argumentou ter realizado a abor-
dagem em conformidade com os padrões e técnicas policiais e que a fatídica ação se deu em virtude da vítima não ter obedecido à voz de parada, virando-se
bruscamente, além da baixa luminosidade existente no local, circunstâncias estas que o levaram a erroneamente acreditar que Daniel estaria portando uma
arma de fogo e que, possivelmente, a utilizaria contra sua composição. Salientou ter realizado todos os esforços necessários no sentido de preservar a vida
da vítima ao conduzi-la prontamente ao hospital mais próximo para receber o atendimento médico de urgência. Por fim, requereu que a acusação fosse julgada
improcedente com o arquivamento do processo administrativo; CONSIDERANDO que, no curso da instrução processual, a Autoridade Sindicante, por meio
de Relatório Circunstanciado (fls. 429/440), manifestou-se, com fulcro no Art. 8º da Instrução Normativa Nº16/2021, pela promoção dos autos da presente
Sindicância Administrativa a Processo Regular em relação ao Sindicado, sendo acompanhado pelo Orientador da Célula de Sindicância Militar (CESIM/
CGD) (fl. 443) e pelo Coordenador de Disciplina Militar (CODIM/CGD) (fls. 444). Este subscritor entendeu de modo diverso asseverando que não foram
juntados aos autos fatos novos, não havendo, portanto, nenhuma mudança no quadro fático que pudesse ensejar a revisão e a modificação do exercício
cognitivo de admissibilidade anteriormente levado a efeito com potencial para elevar o feito ao grau de processo regular. Assim sendo, sem adentrar o mérito,
não acatou a sugestão expendida pela Autoridade Sindicante e devolveu o feito para continuidade da instrução processual. CONSIDERANDO que, desta
feita, em razão do avançado estágio processual, o Sindicante, após o término da apuração, ofereceu parecer conclusivo reconhecendo a procedência das
acusações expendidas na Portaria Inaugural em desfavor do sindicado e, consequentemente, sugeriu a aplicação de sanção administrativo-disciplinar à refe-
rida praça sob o fundamento de “[…] que houve excesso na conduta do policial militar sindicado, de modo que tal conduta se enquadra como transgressão
disciplinar, especificadas art. 13. §1º, II e L do Código Disciplinar PM/BM de modo que é CULPADO DAS ACUSAÇÕES, cabendo a aplicação de punição
disciplinar. [...]; CONSIDERANDO que, em seguida, nos termos do Despacho Nº14.486/2022 (fl. 467), o Orientador da Célula de Sindicância Militar
(CESIM/CGD) verificou não ter havido vício ou nulidade aparentes. No mérito, entretanto, pontuou que, diversamente do entendimento do sindicante, as
provas revelaram que o militar acusado teria efetuado o disparo a curta distância e atingido fatalmente a cabeça da vítima que estava em meio a várias outras
pessoas. Deste modo, ressaltou ter ocorrido uma ação desastrada e imprudente por parte do sindicado que resultou na morte de uma pessoa em razão de uma
mera briga familiar. Face o exposto, considerando que o fato em questão ainda se encontra sob apuração na 3ª Vara do Júri desta cidade de Fortaleza, sugeriu
o sobrestamento do feito face a possibilidade de eventual repercussão da futura decisão judicial na esfera administrativa; CONSIDERANDO que, por conse-
guinte, o Coordenador de Disciplina Militar (CODIM/CGD), mediante o Despacho n.º 14.670/2022 (fl. 468), após consignar que a formalidade e as garantias
processuais teriam sido satisfatoriamente obedecidas, entendeu que o procedimento ora sob análise encontrava-se apto para julgamento, submetendo-o, desta
feita, à Autoridade Julgadora para análise e prolação de decisão final; CONSIDERANDO que, da análise da prova testemunhal, percebe-se um claro conflito
de versões acerca da dinâmica e das circunstâncias da ocorrência, sendo uma versão apresentada pelos policiais e outra apresentada pelas testemunhas que
estavam próximas à vítima. Demais disso, há contradição entre as declarações das testemunhas de acusação; CONSIDERANDO que, após o disparo, os
policiais socorreram a vítima ao IJF ainda com sinais vitais, inclusive chegou a receber atendimento médico, vindo a óbito por voltas das 18h25min, conforme
consta do prontuário médico de atendimento (fls. 200/210); CONSIDERANDO que, em seguida, a equipe policial militar envolvida na ocorrência, identifi-
cada como componentes da viatura de prefixo COTAM-40821, apresentou-se perante a Autoridade Policial do 7º Distrito Policial e prestaram esclarecimentos
sobre a ocorrência, sendo lavrado o Boletim de Ocorrência Nº107-822/2019 (fls. 03-07; 73/74), no qual o policial militar acusado apresentou sua versão dos
fatos e teve a arma apreendida, uma pistola calibre 9mm, marca Sig Sauer, Nºde série 58C366073), além de um capacete da vítima; CONSIDERANDO que,
na seara judicial, a título ilustrativo, a apuração policial redundou na instauração do processo-crime Nº0159321-65.2019.8.06.0001, posteriormente apensado
ao processo-crime Nº0114940-69.2019.8.06.0001 (homicídio simples), acerca do mesmo fato, ainda em tramitação na 3ª Vara do Júri da Comarca de Forta-
leza-CE, estando, atualmente, segundo consulta pública ao sítio eletrônico do E-saj do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), aguardando o cumpri-
mento de diligências requeridas pelo Ministério Público do Ceará (MPCE); CONSIDERANDO que, revolvendo-se o acervo fático probatório jungido aos
autos, constata-se que a materialidade das imputações deduzidas em desfavor do sindicado na inicial acusatória restou comprovada. Em relação a autoria,
não há nenhuma dúvida a infirmar a efetiva participação do militar acusado nos fatos que fundamentaram a presente apuração disciplinar, havendo prova
suficiente constante nos autos a apontá-lo, de forma inquestionável, como o autor do disparo de arma de fogo que ceifou a vida de Francisco Daniel Souza
da Costa, fato este assumido pelo próprio acusado em seu interrogatório em consonância com os demais elementos probatórios colhidos no curso da instrução
processual. Embora o substrato probante conduza à conclusão de que houve uma falsa percepção da realidade que culminou no desfecho trágico, restou
caraterizada a culpabilidade do sindicado por imprudência, pois agiu de forma precipitada, impensada e sem adotar as cautelas necessárias no sentido de
analisar detida e diligentemente o contexto dos fatos; CONSIDERANDO ter havido divergência entre as versões apresentadas, tanto pelos policiais que
participaram da ocorrência, quanto pelas testemunhas de acusação. É dizer, os policiais componentes da viatura do COTAM, especialmente o acusado,
afirmaram categoricamente que o contexto fático delineado no local do acontecimento se assemelhava a uma ocorrência de roubo em andamento, sendo que,
quando da chegada dos militares, além da senhora Alexandra de Oliveira estar aparentemente pedindo socorro, a vítima ainda portava algo nas mãos. Tais
circunstâncias, aliadas a diversos fatores climato-psicológicos, confluíram-se em uma sequência de ações negativas que alteraram a percepção do acusado
acerca da realidade dos fatos, levando-o a acreditar que sua conduta, estaria legitimamente amparada em causa excludente de ilicitude. Demais disso, o
sindicado declarou ter verbalizado por duas vezes antes de efetuar o único disparo, porém, segundo ele, o comportamento da vítima, ao se virar de forma
brusca para os policiais, teria denotado, na percepção do acusado, uma possível reação armada contra a intervenção policial. Por sua vez, as pessoas que se
encontravam próximas à vítima no momento da ocorrência afirmaram que, de fato, estava ocorrendo uma confusão entre a vítima Daniel e uma outra pessoa
de nome Ismael antes da chegada dos policiais militares. Nesse contexto, a senhora Alexandra, apesar de ter admitido estar portando uma bolsa, declarou
que não havia pedido socorro, tampouco, que largassem sua bolsa. As testemunhas de acusação foram uníssonas em afirmar que, no momento do disparo, a
vítima, ao tempo em que discutia com Ismael, estava de capacete e ainda tentava pegar um par de chinelos presos na parte traseira da motocicleta. Diversa-
mente dos depoimentos dos policiais militares, as testemunhas de acusação afirmaram que a viatura policial chegou devagar e que não ouviram nenhum tipo
de verbalização ou voz de abordagem antes do disparo, não havendo tempo para vítima se virar para os policiais, os quais chegaram à retaguarda do local
onde estava ocorrendo a confusão. Nessa linha, contrariamente ao testemunho policial, as testemunhas arroladas pelo sindicante afirmaram que, apesar do
fato ter se dado ao final da tarde, a iluminação do local era normal e que não estava tão escuro. De outro modo, extrai-se dos depoimentos das testemunhas
Yarlla e Nataniel que o comportamento dos policiais militares após o ocorrido denotava que eles pensavam se tratar de uma ocorrência de roubo; CONSI-
DERANDO que, ao se analisar os testemunhos, percebe-se claramente o contexto fático em que se deu o trágico desfecho relatado nestes autos. Assim sendo,
percebe-se a sequência dos fatos: estava ocorrendo uma contenda, um bate-boca, uma querela entre a vítima (Daniel) e um terceiro (Ismael) antes da chegada
dos policiais militares; as pessoas ali próximas estavam buscando conter a vítima para que não entrasse em vias de fato com o terceiro mencionado; a senhora
Alexandra estava de posse de uma bolsa em seu ombro; haviam populares observando a confusão; a vítima tentava pegar um objeto na garupa da motocicleta,
que seria um par de chinelos; foi efetuado um único disparo pelo acusado; CONSIDERANDO que a divergência maior reside na questão se houve ou não
suposta verbalização da polícia anteriormente ao disparo, não sendo possível determinar qual versão apresentada se coaduna com a verdade do que realmente
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