140 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº044 | FORTALEZA, 06 DE MARÇO DE 2023 Cleber. Código Penal comentado 4. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.p. 230); CONSIDERANDO que, nesse contexto, é pertinente destacar todos os elementos que podem ter contribuído para a falsa representação da realidade pelos militares que dispararam contra o veículo. São eles: 1º) o informe de inteligência que circulava nos grupos dando conta de um possível crime patrimonial contra bancos em Campo Sales; 2º) A informação repassada pelo SGT PM Viana (fls. 182/183) aos policiais de serviço de que um veículo com quatro ou cinco homens suspeitos estava se dirigindo à Campo Sales; 3º) O dado equivocado, também passado pelo SGT PM Viana, referente à placa do veículo suspeito, que corresponderia ao modelo de um carro Onix e não de um Corolla; 4º) O comportamento do condutor do veículo, o qual, sem que se adentre ao mérito de sua intenção e de sua percepção sobre ter reconhecido as viaturas na estrada, mesmo tendo afirmado que “avistou viaturas da polícia no acostamento” (fls. 265), objetivamente adotou conduta que pode ter contribuído em incutir na mente dos policiais que se tratava de um veículo suspeito, tanto por não terem as duas VTRs inicialmente deslocadas conseguido abordá-lo na CE-371, como por não ter sequer reduzido a velocidade ao se aproximar e cruzar com a “barreira” montada na entrada da cidade; CONSIDERANDO que, além desses fatores já mencionados, é preciso ainda frisar outro, qual seja, disparos foram efetuados, mas é necessário reconhecer que, após a primeira deflagração de projétil de arma de fogo, cujo policial autor não foi possível identificar, instaurou-se um cenário de caos, num ambiente já cercado de tensão, que incitou os demais militares a também deflagrarem novos tiros sem que soubessem de onde eles partiam, sendo forçoso reconhecer, de modo razoável, que podem ter imaginado que houvesse uma injusta agressão por arma de fogo por parte dos integrantes do veículo que queriam abordar, o que autorizaria mais uma vez a incidência, pelo menos com fundadas razões, de um erro de tipo permissivo (legítima defesa putativa) decorrente da falsa representação da realidade. Pertinente assentar que, nos depoimentos e interrogatórios, os militares afirmaram ter a percepção de que estava havendo disparos do carro suspeito, senão vejamos: “QUE atirou porque ouviu outros disparos, pois acreditou que estava havendo uma troca de tiros entre a polícia e os indi- víduos que ocupavam o corola” - SD PM Jair Lima Cavalcante de Araújo Filho (fls. 399/401); QUE atirou porque ouviu outros disparos, pois acreditou que estava havendo uma troca de tiros entre a polícia e os indivíduos que ocupavam o corola, pois não viu outra alternativa - SD PM 29623 Francisco Adriano Gomes Lima (fls. 403/405); “QUE em fração de segundos, ouviu disparos de arma de fogo, não sabendo precisar de onde partiam, se dos policiais ou dos ocupantes do veiculo em fuga” – Testemunha João Geraldo de Assis Queiroga (fls. 334/335). A partir de mais esse erro quanto aos fatos, isto é, terem imaginado uma possível troca de tiros, os disparos poderiam estar acobertados pela descriminante putativa, uma vez que estavam numa situação de extremo risco e num local com pouca iluminação. Caso não fosse razoável essa suposição na mente dos agentes, claramente haveria excesso na legítima defesa imaginária. Nessa hipótese de permissividade decorrente de erro, o excesso só restaria demonstrado se os tiros tivessem continuado após o veículo parar e os ocupantes colocarem as mãos para fora do veículo, momento em que não seria mais legítimo aos policiais suporem estar em perigo. As provas testemunhais colhidas dão conta de que os disparos só foram efetuados no momento em que o carro cruzou a barreira em alta velocidade; CONSIDERANDO que, mesmo que se coloque que o primeiro disparo foi efetuado por imprudência ou sem moderação, como não é possível determinar o militar que acionou primeiramente sua arma e deu causa à situação putativa em que os demais supuseram que suas vidas estivessem em perigo, não se pode punir todos os quatro acusados como se fossem responsáveis por deflagrar a situação de crise, sob pena de ocorrer a punição de três deles por algo que não fizeram e se infringir o princípio da intranscendência subjetiva das sanções. Tal incerteza quanto ao autor do tiro inicial exige que se suponha que todos os aconselhados somente atiraram após o primeiro estampido, sendo possível entender que estavam acobertados por uma descriminante putativa em razão de ser razoável que tenham entendido que os tiros poderiam estar vindo do veículo suspeito; CONSIDERANDO que, como o Brasil adota, consoante o item 17 da exposição de motivos do Código Penal, a teoria limitada da culpabilidade, temos que, diante de erro quanto à situações fáticas envolvendo excludentes de ilicitude, afasta-se o dolo. Assim, pertinente concordar tanto com a Comissão Processante, que assentou que não estava presente o dolo de matar(fls. 650), bem como com o despacho da CEPREM (fls. 658), que, corroborando com o entendimento da trinca, firmou que “não haver prova nos autos de que os policiais agiram com animus necandi”; CONSIDERANDO que, quando estivermos diante das figuras de erro de tipo permissivo, é preciso analisarmos se o erro foi escusável (invencível) ou inescusável (vencível), conforme consta na parte final do Art. 20, § 1º, do Código Penal (É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.) Quando o erro for evitável, estaremos diante da chamada culpa imprópria, por assimilação, por extensão ou por equiparação. Segundo a doutrina, “ocorre a culpa imprópria quando o agente, embora tendo agido com dolo, nos casos de erro vencível, nas descriminantes putativas, responde por um crime culposo” (Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I – 19. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2014. p. 218). Para sabermos se há ou não culpa imprópria, isto é, se o erro foi ou não vencível, Cezar Roberto Bitencourt leciona que: “Na verdade, antes da ação, isto é, durante a elaboração do processo psicológico, o agente valora mal uma situação ou os meios a utilizar, incorrendo em erro, culposamente, pela falta de cautela nessa avaliação; já, no momento subsequente, na ação propriamente dita, age dolosamente, finalisticamente, objetivando o resultado produzido, embora calcado em erro culposo” (Erro de tipo e erro de proibição – Uma análise comparativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 45); CONSIDERANDO que, na hipótese dos autos, é notório que houve algumas imprudências na valoração dos fatos em momentos anteriores ao desfecho trágico, tal qual a informação equivocada passada pelo SGT Viana de que o Veículo Corolla teria a placa correspondente a outro modelo de carro, no caso um ônix. Todavia, esse erro não pode ser imputado aos policiais que dispararam contra o veículo evasor, porquanto não tinham como verificar se a informação era ou não verdadeira. Os outros fatores (possível assalto a Banco e carro suspeito em alta velocidade que não reduziu a velocidade ao se aproximar e cruzar a barreira policial) também foram de ordem externas à esfera de controle dos policiais acusados. Deste modo, o erro, decorrente de vários aspectos, não derivou de culpa dos processados, pois a falsa percepção da realidade em que incorreram era apta a sequestrar a consciência de qualquer policial inserido na ocorrência em apuração. Noutros termos, não há como se dizer que os processados se colocaram nessa situação por negligência, imperícia ou imprudência, pois todas as informações que receberam denotavam razoabilidade na situação de risco que se apresentava, isto é, os elementos probatórios constantes no caderno processual não apontam que eles se colocaram nessa situação de percepção errônea da realidade por inobservância de um dever objetivo de cuidado; CONSIDERANDO que, a título de precedente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu pela ocorrência da legítima defesa putativa em atuação policial nos seguintes termos: “O erro cometido pelo policial não decorreu de uma circunstância isolada, sendo motivado por um expressivo conjunto: o ínfimo espaço de tempo para reflexões; a pressão de uma operação policial, sob o dever específico de proteger seus companheiros; a razoável distância para o alvo e a forma da ferramenta empunhada ser similar a de uma arma de fogo. Na retrospectiva histórica do fato, qualquer policial teria a mesma ação que o agente, nas mesmas circunstâncias em que este se encontrava. Em síntese, é isento de pena quem, por erro plenamente justificado, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima e não atípica, como sustenta a teoria dos elementos negativos do tipo.” (Processo nº: 0244942-82.2010.8.19.0001TJ-RJ, 2011); CONSIDERANDO, portando, que há fortes indícios de que todos esses acontecimentos revestiram a situação com uma verossimilhança de que realmente os ocupantes do veículo seriam possíveis assaltantes, incutindo na mente dos policiais a representação de um cenário de extremo risco operacional. Destarte, há ao menos a fundada dúvida deu que toda essa conjuntura incutiu nos agentes um nível de representação que afasta a possibilidade de que tenham agido com dolo, porquanto é razoável que tenham imaginado estar em legítima defesa, ainda que na realidade a agressão inexistisse; CONSIDERANDO que, nessa toada, deve-se entender que aos processados deve se conferir o entendimento de que podem estar alcançados pela ressalva da parte final do art. 2º, parágrafo único, de Lei nº13.060/2014, que dispõe: “Não é legítimo o uso de arma de fogo: […] II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros”, ainda que putativamente; CONSIDERANDO que, no caso concreto em análise, o que se pode concluir, de modo mais consentâneo com a integralidade do arcabouço probatório, é que se afigura provável que tenha ocorrido uma situação que se enquadra no chamado erro de tipo permissivo ou descriminante putativa do tipo inevitável, invencível ou escusável, nos termos do que preceitua o Art. 20, § 1º, primeira parte, do Código Penal (É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima). Destaque-se, entretanto, que a recognição da base empírica calcada nos elementos probatórios colhidos não permite uma reconstrução perfeita da dinâmica dos fatos, estando tudo que se pontuou até aqui no campo da probabilidade, o que, não obstante, é suficiente para impor dúvida razoável quanto à existência de uma causa excludente de antijuridicidade, ainda que na modalidade putativa, o que configura, por hora, óbice intrans- ponível a formação do juízo de certeza necessário à aplicação de sanção pelo poder punitivo disciplinar. Entrementes, em consonância com o princípio in dúbio pro servidor, corolário da presunção de inocência, as excludentes de ilicitude, ainda que que decorrentes de erros, por afastarem a responsabilização disciplinar, não necessitam ser cabalmente comprovadas, bastando que haja fundada dúvida de sua existência, conforme prevê a parte final inciso VI do Art. 386 do Código de Processo Penal, aplicável ao processo em curso por força do Art. 73 da Lei nº13.407/03 (Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: […] VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência). Ou seja, a legítima defesa putativa, para ensejar a absol- vição, não necessita do mesmo nível probatório exigido para se punir um servidor, bastando que gere dúvida razoável apta a infirmar a tese sob acusação. Todavia, por não haver plena certeza quanto a todos os aspectos fáticos, o fundamento da decisão nessa hipótese é o mesmo de uma absolvição por falta de provas, não se confundindo com o reconhecimento peremptório de uma causa excludente de ilicitude, o que autoriza a incidência do Art. 72, parágrafo único, III, da Lei nº13.407/03, isto é, fraqueia-se a possibilidade de reabertura do feito caso surjam novos fatos ou evidências posteriormente à conclusão dos trabalhos deste procedimento; CONSIDERANDO que a Autoridade Julgadora, no caso, o Controlador Geral de Disciplina, acatará o relatório da Autoridade Processante (Sindicante ou Comissão Processante), salvo quando contrário às provas dos autos, consoante descrito no Art. 28-A, §4° da Lei Complementar n° 98/2011; RESOLVE, por todo o exposto: a) Acatar em parte o relatório de fls. 625/655 e Absolver os ACONSELHADOS SGT PM PEDRO BALDUINO DA SILVA – M.F. nº112.915-1-1, SD PM JAIR LIMA CAVALCANTI DE ARAÚJO FILHO – M.F. nº306.229-1-X, SD PM FRANCISCO ADRIANO GOMES LIMA – M.F. nº307.760-1-1 e SD PM JAIRO CÉSAR ALENCAR SANTOS – M.F. nº307.468-1-3, com fundamento na inexistência de provas suficientes para a condenação em relação às acusações constantes na Portaria inicial, ressalvando a possibilidade de instauração de novo feito, caso surjam novos fatos ou evidências posteriormente à conclusão dos trabalhos deste procedimento, conforme prevê o Parágrafo único e inc. III do Art. 72, do Código Disciplinar da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (Lei nº13.407/2003) e, por consequência, arquivar o presente ConselhoFechar