139 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº044 | FORTALEZA, 06 DE MARÇO DE 2023 439 do Código de Processo Penal Militar e art. 386 do Código de Processo Penal, bem como do art. 34, II e III da Lei Estadual nº13.407/03; CONSIDE- RANDO que os membros da Comissão Processante decidiram, em conformidade com o Art. 98 c/c Art. 103 da Lei nº13.407/03, na Sessão de Deliberação e Julgamento (fls. 620), que os aconselhados: “ I - São culpados, em parte, das acusações formuladas no bojo do processo; II - Não estão incapacitados de permanecerem no quadro efetivo da PMCE, onde, por UNANIMIDADE DE VOTOS, esta comissão deliberou pela aplicação da reprimenda disciplinar não demissória aos aconselhados.”; CONSIDERANDO que na sequência a Comissão Processante elaborou o Relatório Final às fls. 625/655, no qual, ao funda- mentarem a decisão, assentaram que “Entendemos que a barreira policial montada na entrada da cidade de Campos Sales-CE demonstrava ampla visibilidade, sobretudo pelo que observamos na RECONSTITUIÇÃO elaborada em sede do Inquérito Policial Militar, bem como pelos depoimentos dos policiais militares que a compunham, os quais são unânimes em ressaltarem que primaram pela utilização dos sinais sonoros (Intermitentes das viaturas postadas no “bloqueio” e verbalização) e dos sinais luminosos (giroflex das viaturas e uso de lanternas dos policiais, desembarcados e acenando na via). Nos depoimentos, os poli- ciais asseveram que, ao transpor a barreira policial, o condutor do Corolla tentou “arremeter” o Corolla contra os policiais, pelo que se fez necessário a efetuação dos disparos com o fito de fazer parar o carro agressor. Consta nos autos que, ao visualizarem a aproximação do Corolla, os policiais postados na barreira intensificaram a sinalização, no afã de fazê-lo parar e proceder a abordagem. A retenção ocorreria no leito da rodovia, dentro da pista de rolagem. porém, as tentativas para pará-lo foram infrutíferas, tendo ainda “arremetido” o automóvel em direção a alguns policiais e seguindo em alta velocidade. Em não atendendo à ordem de parada, os policiais investigados, temerosos de que os ocupantes pudessem ser criminosos armados, sacaram suas armas e vieram a efetuar disparos em direção aos pneus do automóvel […] Algumas considerações merecem ser pontuadas na análise do caso em tablado, pois, conquanto configure-se a inexistência do animus necandi, nota-se desproporcionalidade do ato praticado pelos aconselhados, haja vista não terem sido encontradas armas em poder dos ocupantes do veículo fugitivo, tampouco nenhum tipo de material ilícito ao vistoriarem o Corolla e realizarem buscas pessoais nos passageiros. A decisão de disparar arma de fogo pelo policial não é tarefa fácil, pois é imprescindível sopesar as circunstâncias e consequências que esse ato pode desencadear. No caso in concreto, os aconselhados foram submetidos a procedimentos penais e administrativos por supostamente terem incorrido em erro efetuarem os disparos, e, por consequência levado a óbito um dos ocupantes do veículo. A caracterização da justificante de EXCLUDENTE DE ILICI- TUDE, aventada pelos defensores, não encontra guarida jurídica, haja vista que, para tanto, seria necessário um dever legal imposto aos agentes para assegurar o cumprimento da lei ou das ordens superiores da Administração Pública. Não há que se falar em estrito cumprimento (somente os atos necessários justifi- cariam tal comportamento) e nem um dever legal (a norma da qual emanaria o dever caracterizar-se-ia pela obrigatoriedade e juridicidade). Apesar de, no caso em apuração, a perseguição fora medida acertada (pois um veículo, em alta velocidade, desobedecia as ordens de parada quando já vinha perseguido por uma viatura), inadmitem-se os disparos (estes por demais discutíveis) ainda que fossem com o escopo de atingirem os pneus do carro, forçando-o a parar. Em determinadas situações, seria preferível a fuga, sob pena de macular o princípio da dignidade da pessoa humana. O uso da arma de fogo, os disparos propriamente dito, sempre traz riscos. A chance de se atingir um inocente ou até mesmo um objetivo não pretendido existe. Daí ser necessário o uso da ponderação, embora no cenário e dinâmica descritos, exigia-se uma rápida tomada de decisão entre o pensar e o agir. A verdade é que, em questão de segundos, os policias se viram na contingência de decidir. Assim, incorrer em erros é ser responsabilizado pelo desfecho da ocorrência, fato comum no cotidiano policial militar. A despeito de, mesmo que o motorista do veículo perseguido tenha “furado” o bloqueio, jogando o carro contra os policiais, colocando suas vidas em risco, o ideal seria persegui-los e depois tentar cercá-los até por que, mesmo tratando-se de bandidos, poderia haver reféns sob o poder destes. Por conseguinte, ao agirem de modo imprudente, os aconselhados violaram alguns valores e deveres disciplinares da norma Castrense, sobremodo o Art. 13, parágrafo 1º do Código Disciplinar PM/BM, no seguintes incisos, quando preconiza: II – usar de força desnecessária no atendimento de ocorrência ou no ato de efetuar prisão (G); XXXIV – desrespeitar, desconsiderar ou ofender pessoa por palavras, atos ou gestos, no atendimento de ocorrência militar ou em outras situações de serviço (G); L – disparar arma por imprudência, negligência, imperícia, ou desnecessariamente (G); E ainda, no mesmo Código, o pará- grafo 2º: XVIII – trabalhar mal, intencionalmente ou por desídia, em qualquer serviço, instrução ou missão (M); XXI – não ter, pelo preparo próprio ou de seus subordinados ou instruendos, a dedicação imposta pelo sentimento do dever (M); LIII – deixar de cumprir ou fazer cumprir as normas legais ou regu- lamentares, na esfera de suas atribuições (M); Revela-nos o Exame Cadavérico (fls. 442 a 445) da vítima José Messias Guedes de Oliveira, realizado pelo perito Francisco Erivan Alves, que este “teve seu óbito consequente a choque hemorrágico por ferimento penetrante de abdômen por projeto único de arma de fogo (...)”. Acrescentando como conclusão: “A vítima teve seu óbito a consequente choque hemorrágico por ferimento penetrante de abdomen por projétil único de arma de fogo”. Por tal leitura, percebe-se que, como foram encontrados somente fragmentos no interior do corpo da vítima, houve um comprome- timento à elucidação dos fatos, pois não existe o estabelecimento de qualquer conexão dos calibres utilizados pelos policiais e consequentemente direcionar o responsável pelo disparo letal. Atinente ao Exame de Vistoria Veicular (fls. 520 a 526), o perito Raimundo Carlos Alves Pereira, relata que: “ (…) cons- tatara-se em sua estrutura metálica e de vidros, por 23 (vinte e três) perfurações compatíveis com as produzidas por transfixação de projéteis únicos, arre- messados por armas de fogo, com origem da frente para trás, da direita para a esquerda, da esquerda para a direita e de trás para a frente. Este signatário não constatara, no habitáculo do veículo questionado, pela presença de projéteis ou fragmentos, admitindo a possibilidade do referido haver sido manipulado por terceiros.”. Observa-se, assim, uma imprecisão dos calibres que transfixaram a lataria do carro, a qual não pôde ser observada pelo perito, por não haverem sido encontrados os projéteis no interior do carro, o que permitiria individualizar as condutas dos aconselhados. [… ] Não tendo sido possível detalhar cada conduta, em nível disciplinar, mas com a certeza de que todos os aconselhados participaram da trágica operação policial em comento, tendo efetuado disparos de arma de fogo resultando em óbito do passageiro de um veículo que transpôs um “bloqueio” e arremessou o carro em direção à equipe de policiais, vislum- bramos indícios robustos de cometimento de transgressões disciplinares, conforme se verá abaixo, todavia, corroboramos com o entendimento dos defensores, no sentido de que todos os policiais militares ora aconselhados reúnem condições de permanecerem nos quadros da PMCE. Movendo-se pelo senso de justiça que esteia qualquer instrumento processual e procurando elucidar e concatenar os dados obtidos nos depoimentos prestados, e aos fatos originários deste Processo Regular, somos favoráveis pelo enquadramento disciplinar dos aconselhados, os quais, no entendimento desta Comissão Processante, deve ser o que segue: Art. 7º, Incisos IV, V, IX e X; Art. 8º, Incisos II, IV, VIII, XI e XV; Art. 11, § 1º; Art. 12, § 1º, Incisos I e II, § 2º, Inciso II; Art. 13, § 1º, Incisos II, XXX, XXXIV, L e LVIII e § 2º, Incisos XVIII, XXI e LIII, todos da Lei nº13.407/2033 (Código Disciplina PM/BM/CE) Diante das condutas transgres- sivas acima expostas, quando reunida na Sessão de Deliberação e Julgamento realizada no dia 20/09/2019, nesta CERC/CGD, esta Comissão Processante, após percuciente e detida análise dos depoimentos e documentos carreados aos vertentes autos, bem assim, dos argumentos apresentados pela defesa dos aconselhados, concluiu e, em tal sentido, emitiu parecer, por unanimidade de votos, nos termos do que assim prevê o Art. 98, §1º, I e II, da Lei 13.407/2003, que as praças acusadas: 1. São culpadas, em parte, das acusações constantes na Portaria inaugural deste Conselho de Disciplina, haja vista a existência de provas capazes de ensejar um edito condenatório; 2. Não estão incapacitadas de permanecerem nas fileiras da Corporação, sugerindo esta comissão a aplicação de sanção disciplinar diversa da demissão.”; CONSIDERANDO que a Orientação da CEPREM/CGD (fl. 657/658), em despacho datado do dia 02 de outubro de 2019, inferiu que as formalidades pertinentes ao feito foram atendidas, mas, quanto ao mérito, adotou o seguinte posicionamento, in verbis: “[…] 4. Em conformidade com o art. 21, IV, do Decreto 31.797/2015, entendo cabíveis as seguintes considerações: 4.1. A comissão entendeu que os militares agiram com excesso ao atirar contra o veículo que desobedeceu ao bloqueio policial, não encontrando tais condutas justificativas no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo levando-se em consideração a argumentação da defesa de que o veículo supostamente teria tentado atropelar os policiais. Ou seja, não se acolheu a tese de que a ação foi acobertada por uma excludente de ilicitude. Ressalve-se que o entendimento foi no sentido de que os acusados não teriam agido com dolo de matar os integrantes do automóvel, mas concluiu-se que os disparos foram desproporcionais. A propósito, há vedação legal ao disparo de arma de fogo contra veículo em fuga, prevista no parágrafo único do art. 2º da Lei 13.060/2014. 4.1. Da análise dos autos constata-se que não é possível individualizar as condutas e afirmar com precisão qual dos acusados deste Conselho de Disciplina, bem como dos aconselhados no Processo Administrativo Disciplinar de SPU nº186419511 (que apura a responsabilidade disciplinar referente a este mesmo episódio), foi de fato o responsável pelo disparo que deu causa ao óbito de JOSÉ MESSIAS GUEDES OLIVEIRA. Portanto, pode-se entender que se trata de uma autoria incerta entre os acusados de ambos os processos. 4.2. No âmbito penal, foi instaurado Inquérito Policial Militar, que se encontra concluído com entendimento de que os acusados agiram em legítima defesa, no entanto, houve declínio de competência da Justiça Militar, que, acolhendo parecer do Ministério Público Militar, remeteu o feito à Vara do Juri de Campos Sales-CE. Deste modo, a persecução criminal ainda se encontra com a fase investigativa em andamento em inquérito policial instaurado em paralelo, no município de Campos Sales-CE, tendo havido prorrogação de prazo para conclusão deste. 4.3. Malgrado a fase acusatória no âmbito penal não tenha se iniciado, não se pode olvidar que, ao final os aconselhados podem ser condenados, e, como efeito da condenação, perderem o cargo, caso se enquadrem nas hipóteses legais do art. 92, I, alíneas a e b, do Código Penal. 4.4. Em suma, considerando que a finalidade precípua do Conselho de Disciplina é verificar a capacidade moral da praça para permanecer no serviço ativo militar, depreende-se de uma ocorrência policial extremamente difícil, onde os policias, diante das informações e visando o enfrentamento do crime, montaram o bloqueio policial, e até por não haver prova nos autos de que os policiais agiram com animus necandi, corroboro com a sugestão da comissão processante, qual seja, sanção diversa da demissão (...)” (destacou-se) A Coordenação da CODIM/CGD (fl. 659) ratificou o entendimento da CEPREM/CGD; CONSIDERANDO que, antes de se apresentar a ratio decidendi do presente feito, mormente em razão da complexidade dos fatos, se faz necessário expor, à luz da reconstrução processual possibilitada pelas provas dos autos, as premissas jurídicas que orientaram a decisão de mérito; CONSIDERANDO ser a primeira e mais elementar delas a impossibilidade de se acolher a tese de que possa ter havido uma legítima defesa real ao caso sob apreciação, porquanto inexistiu injusta agressão real (ocorrida efetivamente no mundo concreto) por parte dos ocupantes do carro modelo corolla guiado por Gutiely, uma vez que é controverso nos autos a tese de que ele tenha tentado atropelar os policiais e é certo que os ocupantes do veículo não portavam qualquer arma de fogo. Todavia, como o motorista exercia velocidade de 110 Km/h ao cruzar uma barreira policial, é razoável que os militares tenham, até por todo o contexto que os cercava, imaginado que se tratava de uma injusta agressão, o que autoriza a incidência da legítima defesa putativa, ainda que não cabalmente, mas ao menos a nível de fundadas razões. Segundo lição doutrinária: “A legítima defesa real é o revide contra agressão efetivamente injusta, enquanto a legítima defesa putativa é a reação imaginária, erroneamente suposta, pois existe apenas na mente de quem a realiza (Masson,Fechar