DOE 15/03/2023 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº051 | FORTALEZA, 15 DE MARÇO DE 2023
despertando nele um certo desconforto. Narrou que, em dado instante, pediu a um dos homens que estavam jogando para participar de uma partida de sinuca.
Pouco tempo depois, as duas pessoas vieram para próximo da mesa de sinuca e começaram a proferir palavras de calão direcionadas contra ele sem qualquer
motivação. Disse que, num primeiro momento, não ligou muito para aquilo, pois percebeu que a dupla estava alterada por influência da bebida alcoólica.
Negou que estivesse bebendo. Declarou que um dos homens, de forma repentina, aproximou-se dele dizendo-se membro de uma facção criminosa que matava
policiais, o que o deixou bastante temeroso em razão de alguns ataques a policiais registrados naquele período. Afirmou que pediu para o homem se afastar
dele, porém o indivíduo continuou vindo em sua direção fazendo menção de estar armado, causando um certo alvoroço em algumas pessoas que se encon-
travam naquele recinto. Disse que, naquele momento, sacou de sua arma, identificou-se como policial militar e pediu novamente para o homem se afastar.
Entretanto, o homem deu alguns passos em sua direção fazendo um gesto como se fosse sacar uma arma também. Em virtude disso, decidiu efetuar um
disparo direcionado ao solo para repelir uma possível agressão, quando algumas pessoas pegaram alguns objetos, dentre eles garrafas e tacos de sinuca, para
arremessar contra ele. Naquele momento, teve de fazer outro disparo, também ao solo. Negou que tivesse intenção de lesionar ou matar alguém, senão
contrapor a injusta e iminente agressão, tendo em vista o número superior de pessoas que irromperam contra ele, além do fato de estar sozinho. Disse que,
após os disparos e ao perceber que os homens não estavam armados de fato, como aparentavam estar, e que um deles havia sido lesionado no pé por efeito
ricochete do disparo, tentou prestar socorro, mas o ânimo de algumas pessoas se exaltou contra ele. Assim, não viu outra alternativa, senão sair do local para
se apresentar em uma delegacia e relatar o ocorrido à autoridade policial. No percurso do 10º Distrito Policial, foi abordado e preso nas proximidades do
Terminal Rodoviário do Antônio Bezerra. Relatou que, durante a abordagem, não esboçou reação e narrou aos policiais militares todo o ocorrido. Perguntado
acerca da garrafa de bebida encontrada no veículo no momento da abordagem, disse não se recordar disso, mas que o automóvel, de propriedade de sua
genitora, também era utilizado por seu irmão. Disse que somente disparou sua arma particular para evitar um mal maior, pois temia por sua integridade física,
por sua vida e de terceiros. Afirmou ter boa conduta pessoal e profissional e que nunca teve atitude violenta. Perguntado acerca da causa de sua licença
médica, disse estar se recuperando de um problema de lombalgia. Por fim, reiterou as alegações defensivas, negando ter dado causa a todo o ocorrido, a
ingestão de bebida alcoólica e refutando qualquer intenção de atingir alguém com os disparos. Perguntado, respondeu que se negou a se submeter ao exame
de alcoolemia por orientação da advogada que o acompanhou no ato da lavratura do flagrante. Disse que as aparentes contradições entre as declarações dadas
por ele no momento de sua prisão e a tese defensiva sustentada perante a Comissão Processante se deviam ao estado de ânimo em que se encontrava no
instante de sua detenção em razão do calor do momento; CONSIDERANDO que, em sede de Razões Finais (fls. 99/113), a defesa do militar em evidência,
após síntese dos fatos, enalteceu a conduta profissional do imputado, asseverando que o defendente nunca esteve envolvido em qualquer tipo de denúncia
que desabonasse sua vida privada e profissional. Em seguida, requereu, preliminarmente, a desconsideração dos depoimentos prestados pelas vítimas e
testemunhas em sede de inquérito policial, em virtude de não terem sido renovados sob crivo do contraditório nos autos do processo disciplinar, uma vez
que os ofendidos não atenderam às convocações da CGD e ainda declararam o desinteresse no prosseguimento do feito. Já algumas testemunhas, por sua
vez, não foram localizadas para prestarem depoimento. Argumentou que, em sede judicial, as supostas vítimas não deram prosseguimento à investigação e
a conduta apurada foi desclassificada para lesão corporal de natureza leve e injúria, sendo o Inquérito Policial arquivado por ausência de representação dos
ofendidos. Sustentou, com fundamento em excertos doutrinários e jurisprudenciais colacionados, que uma possível condenação disciplinar não poderia estar
lastreada exclusivamente nas informações coletadas em sede inquisitorial, mormente quando tais elementos que subsidiaram a instauração do feito não foram
repetidos e submetidos ao crivo do contraditório no âmbito disciplinar. No mérito, em suma, sustentou não haver provas suficientes nos autos que autorizassem
eventual condenação, uma vez que restou demonstrado que o imputado fora agredido verbalmente, o qual, em razão de iminente ameaça de sofrer agressão
física grave, desferiu dois disparos com sua arma para o chão visando cessar a injusta agressão para a qual não deu causa, ocasionado lesões corporais reflexas
e involuntárias nas vítimas por efeito colateral ricochete dos projéteis e de fragmentos deles. Alegou que a ação do acusado estaria justificada face a legítima
defesa putativa por entender que os envolvidos teriam feito menção de sacar arma de fogo enquanto se diziam ser integrantes de uma facção criminosa.
Argumentou que as acusações descritas na exordial seriam inverídicas e que não foram confirmadas em sede processual, não havendo suporte probatório
carreado aos autos suficiente para afirmar, extreme de dúvidas, que o aconselhado cometeu qualquer transgressão disciplinar passível de sancionamento. Por
fim, pugnou pela desconsideração das declarações das vítimas e das testemunhas não localizadas prestadas em sede inquisitorial e pela declaração de total
improcedência das acusações com supedâneo na conduta profissional réproba do aconselhado e no reconhecimento de que ele agiu acobertado pela legítima
defesa putativa ao repelir injusta agressão. Caso assim não se entendesse, requereu o arquivamento do feito com fundamento na insuficiência de provas ou
no in dubio pro reo; CONSIDERANDO que, segundo consta do caderno processual, as vítimas foram atendidas no Instituto Dr. José Frota – IJF e, conforme
os Laudos Periciais contidos na mídia acostada às fls. 14, foram constatadas lesões corporais produzidas por instrumento perfurocontundente. Foram realizados
exames periciais complementares nas vítimas que não atestaram deformidades ou limitações ao movimento, não ocasionando incapacidade para as ocupações
habituais ou debilidade permanente (DVD-R às fls. 14); CONSIDERANDO que, a título ilustrativo, conforme consta da cópia da sentença acostada às fls.
83/84, em um primeiro momento, o juízo, entendendo não se tratar de crime doloso contra a vida, determinou a remessa dos autos da 4º Vara do Júri para
uma das varas criminais da comarca de Fortaleza. Após analisar o caderno investigativo, o magistrado constatou que as condutas do indiciado amoldavam-se
nos tipos penais previstos no Art. 140, § 3º, e no Art. 129, caput, ambos do Código Penal, necessitando de representação das vítimas como condição de
procedibilidade para a deflagração da ação penal, o que não se verificou no caso, visto que os ofendidos, novamente ouvidos perante a autoridade policial,
manifestaram expressamente o desejo de não representar criminalmente contra Henaud Sharle Cisne Gomes. Diante do exposto, o Ministério Público mani-
festou-se pela extinção da punibilidade do indiciado Henaud Sharle Cisne Gomes, com fundamento no Art. 107, inciso IV (Decadência) do Código Penal,
requerendo o consequente arquivamento do feito. Assim sendo, o magistrado acolheu a manifestação ministerial e determinou a extinção da punibilidade do
militar acusado e o consequente arquivamento do feito. A aludida sentença transitou em julgado em 11/08/2020, conforme certidão acostada à fl. 85; CONSI-
DERANDO que prevalece entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a condenação não pode ser baseada apenas em elementos de informação
coletados na fase inquisitorial não confirmados em sede processual, ressalvadas as provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas, consoante inteligência do
Art. 155, parte final, do CPP. Entretanto, servem para robustecer a convicção do julgador, desde que corroborado com as demais provas submetidas ao
contraditório e ampla defesa; CONSIDERANDO que, apesar do esforço da Comissão Processante, não foi possível coletar os depoimentos das possíveis
testemunhas oculares do fato, nem dos ofendidos, imprescindíveis ao esclarecimento do ocorrido, restando apenas as declarações prestadas no Inquérito
Policial e os depoimentos de testemunhas que não estiveram presentes no momento dos fatos. Nesse sentido, como consectário lógico das provas coletadas,
a fim de externar convicção acerca do elemento objetivo, atinente à eventual conduta reprovável praticada pelo servidor, e do elemento subjetivo, atinente
ao ânimo do agente infrator ao realizar eventual conduta considerada reprovável, a Comissão Processante deu especial atenção à versão apresentada pelo
processado em cotejo com o acervo probatório jungido aos autos, uma vez que não existiram outros elementos probatórios constituídos na instrução proces-
sual que pudessem contribuir para a elucidação da dinâmica da ocorrência e para a refutação, extreme de dúvidas, dos argumentos defensivos. É dizer, o
cabedal probante constituído carece da robustez necessária ao embasamento de um decreto condenatório quanto às infrações disciplinares, uma vez que as
provas capazes de sancionar o imputado não puderam ser produzidas sob o crivo do contraditório no âmbito disciplinar; CONSIDERANDO que, em caso
de dúvida à luz das provas obtidas sobre a existência de falta disciplinar ou da autoria, não se aplica penalidade, por ser a solução mais benigna, devendo o
julgador adotar o princípio do “in dubio pro reo” (na dúvida, a favor o réu), em detrimento do “in dubio pro societate” (na dúvida, a favor da sociedade – que
norteia a decisão da comissão de indiciar o servidor), e absolver o indiciado; CONSIDERANDO que as testemunhas ouvidas no curso da instrução proces-
sual não presenciaram o fato, tendo algumas delas, enquanto policiais militares, participado somente da prisão do processado, as quais asseveraram, em
uníssono, que o aconselhado não esboçou reação à abordagem e cooperou com o trabalho policial; CONSIDERANDO que o exame de corpo de delito para
verificação de embriaguez realizado na pessoa do imputado no curso do IP nº 3213-159/2019 (mídia folha 14) resultou em laudo negativo para influência de
álcool ou substância psicoativa, onde o médico constatou que o periciando Henaud Gomes apresentava exame clínico normal, não havendo provas suficientes
para atestar que estaria sob efeito de bebida alcoólica enquanto portava arma de fogo, embora tenha sido encontrada e apreendida uma garrafa de bebida no
interior do automóvel. Demais disso, insta asseverar que consta nos autos do referido IP que o aconselhado em tela se negou a fornecer amostra de urina e
sangue para a realização de exame de embriaguez e a se submeter a exame residuográfico na arma apreendida em sua posse. Todavia, tais negativas não
podem importar em consequências jurídicas para o acusado, pois a Constituição Federal tutela o nemo tenetur se detegere, direito de não produzir prova
contra si mesmo - não autoincriminação (Art. 5º, LXIII, CF/88); CONSIDERANDO que a instrução processual demonstrou ainda que, na data do ocorrido,
o imputado encontrava-se no último dia de Licença para Tratamento de Saúde, inexistindo restrição ao porte de arma por parte do mesmo, tanto que não
chegou a ser autuado por crime relacionado ao porte ou posse irregular de arma de fogo quando da lavratura do auto de prisão em flagrante; CONSIDERANDO
que as provas carreadas ao feito mostraram-se insuficientes para embasar o reconhecimento de prática transgressiva por parte do processado. Não havendo
substrato probante suficiente para comprovar as acusações de que o aconselhado tenha violado a disciplina, os valores e deveres militares; ofendido a moral
e os bons costumes por palavras, gestos ou ações; portado arma em desacordo com as normas vigentes; disparado arma por imprudência, negligência, impe-
rí¬cia, ou desnecessariamente; nem que tenha ferido a hierarquia ou a disciplina, de modo comprometedor para a segurança da sociedade e do Estado;
CONSIDERANDO que o aconselhado assumiu a autoria dos disparos que resultaram em ofensas às integridades físicas dos ofendidos, consubstanciadas nos
Exames de Lesão Corporal (DVD-R às fls. 14), ressaltando que tais lesões não foram consideradas graves ou incapacitantes. Entretanto, o militar alegou que
efetuou os disparos direcionados ao solo visando evitar iminente agressão provocada por algumas pessoas presentes no estabelecimento, uma delas fazendo
suposta menção de sacar uma arma de fogo, resultando em lesões corporais em dois deles em decorrência do ricochete de um dos projéteis disparados. Apesar
do trabalho diligente da Trinca Processante, não foi possível coletar imagens visuais do ocorrido e nem se chegou às testemunhas oculares do fato. Não há
suporte nos autos à conclusão de que o aconselhado teve a intenção de lesionar as pessoas vitimadas. A Comissão Processante inferiu que o militar acusado
utilizou-se moderadamente dos meios que dispunha para afastar injusta e iminente agressão, não havendo outras provas constituídas na instrução processual
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