DOE 14/04/2023 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº071 | FORTALEZA, 14 DE ABRIL DE 2023
imagens, momento em que a vítima de homicídio fica escondida por trás do muro da casa de Joyce (esposa do autor), aguardando sua saída. Que ao abrir o
portão, Joyce é surpreendida por Euzimar, que é possível perceber algum diálogo entre os mesmos, e em ato sequenciado, incia-se as agressões, utilizando
um objeto grande para bater na vítima, corroborando o depoimento das testemunhas, vejamos as imagens (…) Através da análise de vídeo de câmera de
monitoramento/segurança, notamos que, a vítima de homicídio segue agredindo Joyce. Visualizamos a chegada de uma terceira pessoa na área externa do
imóvel, em seguida, o autor do disparo por arma de fogo, aparece na cena e efetua 01 (um) disparo, na direção de EUZIMAR, conforme video em anexo
(…)”. Imperioso destacar, consoante depoimentos das testemunhas Jacqueline Lopes Lima (fl. 118), Francisco José Camelo de Paiva (fl. 157), Maria Vero-
nilsa Maciel Capistrano (fl. 209), Francisco Adremark Damasceno (fl. 209) e Estefane Maciel Capistrano (fl. 209), o histórico de importunações, ameaças,
injúrias e até mesmo agressões físicas praticadas pela vítima contra vários moradores do condomínio, incluindo a esposa do policial ora processado. Os
depoimentos foram conclusivos em atestar que a vítima era extremamente problemática e que já havia causado vários problemas no local, motivando insa-
tisfação de moradores e até mesmo a saída de pessoas do local, situação confirmada até pelos familiares da vítima (Neurina dos Santos Lima - fl. 132; Josué
dos Santos Lima - fl. 132; Antônio Sérgio Santos Lima - fl. 132 e Samara Santos Crisóstomo Rodrigues - fl. 196), os quais confirmaram ter conhecimento
dos problemas causados pelo senhor Euzimar, incluindo a suspeita de que ele fazia uso de entorpecentes. As testemunhas retromencionadas também confir-
maram que a senhora Joyce já havia procurado os familiares de Euzimar buscando uma solução para as importunações e agressões. Nessa toada, a Consulta
Integrada (fls. 09/10) realizada em nome da vítima, Euzimar dos Santos Lima, demonstra que ele já fora investigado pela prática dos crimes de injúria, ameaça
e lesão corporal dolosa, procedimentos instaurados entre os anos de 2017 e 2019, demonstrando, assim, a verossimilhança das informações prestadas pelas
testemunhas. Compulsando os autos do Inquérito Policial nº 322-505/2021 (fls. 33/35), verifica-se que o processado SD PM Igor Yure Goes Martins, logo
após a ocorrência, apresentou-se espontaneamente perante a Autoridade Policial, tendo apresentado sua arma, que estava devidamente registrada em seu
nome, o que demonstra sua boa-fé em não se furtar de uma eventual responsabilidade. Consoante o exposto, não há a menor dúvida de que o processado agiu
após presenciar sua esposa ser agredida injustamente por um vizinho que a atacava com balde de água, contudo utilizou-se de um meio desproporcional para
cessar a injusta agressão sofrida pela companheira, o que afasta a incidência da legítima defesa, por faltar-lhe um dos requisitos necessários para a sua
consecução. Conforme se depreende dos Arts. 23 e 25 do Código Penal, não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa, entendida como a
situação em que o autor, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Por sua vez,
o parágrafo único do Art. 23 assevera que, no caso de legítima defesa, o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo. Sobre o instituto da legítima
defesa, Cleber Masson aduz, in verbis: “A análise do Art. 25 do Código Penal revela a dependência da legítima defesa aos seguintes requisitos cumulativos:
(1) agressão injusta; (2) atual ou iminente; (3) contra direito próprio ou alheio; (4) reação com os meios necessários; e (5) uso moderado dos meios necessá-
rios.” (MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral – Vol 01, 11ª ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2017. Pág. 454). Quanto aos dois últimos requisitos elencados acima, Rogério Greco assevera, in verbis: “Meios necessários são todos aqueles eficazes e
suficientes à repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer. Costuma-se falar, ainda, que meio necessário é ‘aquele que o agente
dispõe no momento em que rechaça a agressão, podendo ser até mesmo desproporcional com o utilizado no ataque, desde que seja o único à sua disposição
no momento.’53 Com a devida vênia daqueles que adotam este último posicionamento, entendemos que para que se possa falar em meio necessário é preciso
que haja proporcionalidade entre o bem que se quer proteger e a repulsa contra o agressor (...) Os princípios reitores, destinados à aferição da necessidade
dos meios empregados pelo agente, são o da proporcionalidade e o da razoabilidade. A reação deve ser proporcional ao ataque, bem como deve ser razoável.
Caso contrário, devemos descartar a necessidade do meio utilizado e, como consequência lógica, afastar a causa de exclusão da ilicitude” (GRECO, Rogério.
Curso de Direito Penal – Vol. 01 – Impetus, 19ª Ed., Niterói/RJ - 2017, págs. 484/485). In casu, não obstante o servidor tenha agido com o intuito de cessar
a agressão sofrida pela esposa, utilizou-se de um meio totalmente desproporcional, tendo em vista que o agressor fez uso de um balde de água para atacar a
esposa do militar, instrumento que dificilmente colocaria em risco a vida da senhora Joyce. Necessário frisar que no presente caso não há que se falar nem
mesmo em excesso, posto que, diante da ausência de um dos requisitos elencados acima, resta totalmente desconfigurada a incidência da excludente de
ilicitude. Conforme anota Rogério Greco, in verbis: “Quando falamos em excesso, o primeiro raciocínio que devemos ter, uma vez que lógico, é que o agente,
inicialmente, agia amparado por uma causa de justificação, ultrapassando, contudo, o limite permitido pela lei (…) Se, mesmo depois de ter feito cessar a
agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, o agente não interrompe seus atos e continua com a repulsa, a partir desse momento já estará incor-
rendo em excesso” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Vol. 01 – Impetus, 19ª Ed., Niterói/RJ - 2017, pág. 493). Na espécie, o processado deixou
de cumprir um dos requisitos elencados no Art. 25 do Código Penal, motivo pelo qual restou afastada a legítima defesa; CONSIDERANDO, por outro lado,
as circunstâncias que envolveram a morte da pessoa de Euzimar dos Santos Lima apontam para o reconhecimento de um homicídio simples na modalidade
privilegiada. O § 1º do Art. 121 prevê uma causa especial de redução de pena, desde que reconhecida determinadas situações que justifiquem sua aplicação.
De acordo com o dispositivo retromencionado, in verbis: “Art. 121 – Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos; § 1º Se o agente comete o crime
impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode
reduzir a pena de um sexto a um terço”. Discorrendo sobre o homicídio privilegiado, Guilherme de Souza Nucci anota que “denominação ora exposta é
tradicional na doutrina e na jurisprudência, embora, no significado estrito de privilégio, não possamos considerar a hipótese do § 1.º do art. 121 como tal. O
verdadeiro crime privilegiado é aquele cujos limites mínimo e máximo de pena, abstratamente previstos, se alteram, para montantes menores, o que não
ocorre neste caso. Utiliza-se a pena do homicídio simples, com uma redução de 1/6 a 1/3. Trata-se, pois, como a própria rubrica está demonstrando, de uma
causa de diminuição de pena. (…) No caso do relevante valor moral, o interesse em questão leva em conta sentimento de ordem pessoal. Ex.: agressão (ou
morte) desfechada pelo pai contra o estuprador da filha. (...) Embora haja punição, pois não se trata de ato lícito (como no caso de legítima defesa ou estado
de necessidade), o Estado, por intermédio da lei, entende ser cabível uma punição menor, tendo em vista a relevância do motivo que desencadeou a ação
delituosa (…) Fundamento da atenuação do homicídio no caso de violenta emoção: há, basicamente, três critérios: a) objetivo: trata-se de uma espécie de
compensação entre a violência gerada pelo provocador e a resposta dada pelo provocado, reduzindo a ilicitude do ato praticado. Seria uma espécie de legítima
defesa imperfeita; (...) Não há dúvida de que, no Brasil, adotamos a teoria subjetiva, ou seja, interessa o lado psicológico do agente, que, violentamente
emocionado, não se contém. Cuida-se, pois, de diminuição da culpabilidade, motivo pelo qual reflete na redução da pena de 1/6 a 1/3”. (NUCCI, Guilherme
de Souza. Código Penal Comentado – Forense, 17ª Ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro/RJ - 2017, págs. 444/447). Isso posto, diante das circunstâncias
que envolveram o disparo efetuado pelo militar SD PM Igor Yure Goes Martins, especificamente num contexto em que presenciou as injustas agressões
sofridas pela própria esposa, não há dúvidas de que o defendente agiu sob violenta emoção e logo em seguida a injusta provocação da vítima, motivo pelo
qual, em que pese a gravidade do resultado da conduta do processado, tal circunstância deve ser levada em consideração na aplicação da reprimenda disci-
plinar. Por todo o exposto, conclui-se que o processado incorreu no crime tipificado no Art. 121, § 1º (homicídio privilegiado), do Código Penal, incorrendo,
por consequência, na quebra dos valores fundamentais da moral militar insculpidos no Art. 7º, incisos IV (disciplina), V (profissionalismo) e X (a dignidade
humana), no descumprimento dos deveres militares previstos no Art. 8º, incisos IV (servir à comunidade, procurando, no exercício da suprema missão de
preservar a ordem pública e de proteger a pessoa, promover, sempre, o bem estar comum, dentro da estrita observância das normas jurídicas e das disposições
deste Código), XIII (ser fiel na vida militar, cumprindo os compromissos relacionados às suas atribuições de agente público), XVIII (proceder de maneira
ilibada na vida pública e particular) e XXVI (respeitar a integridade física, moral e psíquica da pessoa do preso ou de quem seja objeto de incriminação,
evitando o uso desnecessário de violência), bem como praticou as transgressões disciplinares tipificadas ao teor do Art. 12, § 1º, incisos I e II, § 2º, inciso
II, Art. 13, § 1º, inciso II (usar de força desnecessária no atendimento de ocorrência ou no ato de efetuar prisão – G), § 2º, inciso LIII (deixar de cumprir ou
fazer cumprir as normas legais ou regulamentares, na esfera de suas atribuições - M), todos da Lei Estadual nº 13.407/2003; CONSIDERANDO que o Art.
12, § 1º, inciso I, da Lei Estadual nº 13.407/2003, preconiza que “As transgressões disciplinares compreendem: I - todas as ações ou omissões contrárias à
disciplina militar, especificadas no artigo seguinte, inclusive os crimes previstos nos Códigos Penal ou Penal Militar”; CONSIDERANDO que o Art. 33, da
Lei Estadual nº 13.407/2003, preconiza que “Na aplicação das sanções disciplinares serão sempre considerados a natureza, a gravidade e os motivos deter-
minantes do fato, os danos causados, a personalidade e os antecedentes do agente, a intensidade do dolo ou o grau da culpa”; CONSIDERANDO os assen-
tamentos funcionais de fls. 138/138v, verifica-se que o processado ingressou nos quadros da PMCE no dia 28/12/2017, não possui elogios, não apresenta
registro ativo de punições disciplinares, estando atualmente no comportamento “BOM”; CONSIDERANDO, por fim, que a Autoridade Julgadora, no caso,
o Controlador Geral de Disciplina, acatará o relatório da Autoridade Processante (Sindicante ou Comissão Processante) sempre que a solução estiver em
conformidade às provas dos autos, consoante descrito no Art. 28-A, § 4° da Lei Complementar n° 98/2011; RESOLVE: a) Não acatar a fundamentação
exarada no Relatório Final nº 207/2022 (fls. 254/279) pela Comissão Processante e, desta feita, punir o militar estadual SD PM IGOR YURE GOES
MARTINS - M.F. nº 308.893-9-8, com 10 (dez) dias de Permanência Disciplinar, nos moldes do Art. 17 c/c Art. 42, inc. III, da Lei Estadual n.º 13.407/2003,
face o comprovado cometimento de ações contrárias à disciplina militar, inclusive por ser conduta igualmente tipificada como crime previsto no Código
Penal Brasileiro, representando, portanto, violação do valor fundamental determinantes da moral militar estadual insculpidos no Art. 7º, incisos IV, V e X,
bem como malferimento dos deveres éticos consubstanciados no Art. 8º, incisos IV, XIII, XVIII e XXVI, caracterizando, deste modo, o cometimento das
transgressões disciplinares capituladas no Art. 12, § 1º, incisos I e II, e § 2º, inc. II do mesmo artigo, c/c Art. 13, § 1º, II, e §2º, LIII, presente como circuns-
tância disciplinar desfavorável do Art. 33 os “danos causados” e as atenuantes dos incs. I, IV e VIII do Art. 35, devendo o militar permanecer no comporta-
mento “bom”, consoante disposto no Art. 54, inc. III, todos da Lei nº 13.407/2003 (Código Disciplinar dos Militares Estaduais do Ceará); b) Nos termos do
Art. 30, caput, da Lei Complementar n.º 98, de 13 de junho de 2011, caberá a interposição de recurso face a presente decisão no prazo de 10 (dez) dias
corridos, contados a partir do primeiro dia útil posterior à data da intimação pessoal dos acusados ou de seus defensores acerca do teor da presente decisão,
nos termos do que preconiza o Enunciado n.º 01/2019-CGD, publicado no D.O.E./CE n° 100, de 29/05/2019, o qual deverá ser dirigido ao Conselho de
Disciplina e Correição (Codisp/CGD); c) Nos termos do § 3º do Art. 18 da Lei 13.407/2003, a conversão da sanção de permanência disciplinar em prestação
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