DOU 22/06/2023 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 117, quinta-feira, 22 de junho de 2023
ISSN 1677-7042
Seção 1
290. Anteriormente, nas investigações de dumping sobre produtos originários
da China cujo período de investigação se encerrava até dezembro de 2016, os atos de
início das investigações apresentavam a menção expressa ao fato de que a China não era
considerada país de economia de mercado para fins de defesa comercial. Por exemplo, no
Parecer DECOM nº 33, de 19 de julho de 2016, o parágrafo 78 informou:
78. Considerando que a China, para fins de investigação de defesa comercial,
não é considerada país de economia de mercado, aplica-se, no presente caso, a regra
disposta no caput do art. 15 do Regulamento Brasileiro. Isto é, em caso de país que não
seja considerado economia de mercado, o valor normal será determinado a partir de
dados de um produto similar em um país substituto. O país substituto é definido com
base em um terceiro país de economia de mercado considerado apropriado. Ainda,
segundo o artigo 15, §2º, do Decreto nº 8.058/2013, sempre que adequado, o país
substituto deverá estar sujeito à mesma investigação.
291. Assim, até dezembro de 2016 havia presunção juris tantum de que os
produtores/exportadores chineses não operavam em condições de economia de mercado.
Essa presunção era respaldada pelo Artigo 15(a)(ii) do Protocolo, pois se os produtores
chineses investigados não pudessem demonstrar claramente que prevaleciam condições
de economia de mercado no segmento produtivo objeto da investigação, o importador
Membro da OMC poderia utilizar metodologia alternativa para apurar o valor normal.
292. No âmbito do Regulamento Antidumping Brasileiro vigente - Decreto nº
8.058, de 26 de julho de 2013 - os produtores/exportadores chineses tinham a possibilidade
de comprovar que operavam em condições de economia de mercado se atendessem ao
disposto nos artigos 16 e 17. Segundo seus termos, os produtores/exportadores de um país
não considerado economia de mercado pelo Brasil podem apresentar elementos de prova
com o intuito permitir que o valor normal seja apurado com base na metodologia considerada
padrão:
Art. 16. No prazo previsto no § 3º do art. 15, o produtor ou exportador de um
país não considerado economia de mercado pelo Brasil poderá apresentar elementos de
prova com o intuito de permitir que o valor normal seja apurado com base no disposto
nos arts. 8º a 14.
Art. 17. Os elementos de prova a que faz referência o art. 16 incluem
informações relativas ao produtor ou exportador e ao setor econômico do qual o
produtor ou exportador faz parte.
§ 1º As informações relativas ao produtor ou exportador devem permitir a
comprovação de que:
I - as decisões do produtor ou exportador relativas a preços, custos e insumos,
incluindo matérias-primas, tecnologia, mão de obra, produção, vendas e investimentos, se
baseiam nas
condições de oferta
e de
demanda, sem que
haja interferência
governamental significativa a esse respeito, e os custos dos principais insumos refletem
substancialmente valores de mercado;
II - o produtor ou exportador possui um único sistema contábil interno,
transparente e auditado de forma independente, com base em princípios internacionais
de contabilidade;
III - os custos de produção e a situação financeira do produtor ou exportador
não estão sujeitos a distorções significativas oriundas de vínculos, atuais ou passados,
estabelecidos com o governo fora de condições de mercado; e
IV - o produtor ou exportador está sujeito a leis de falência e de propriedade,
assegurando segurança jurídica e estabilidade para a sua operação.
§ 2º As informações relativas ao setor econômico do qual o produtor ou
exportador faz parte devem permitir a comprovação de que:
I - o envolvimento do governo na determinação das condições de produção ou
na formação de preços, inclusive no que se refere à taxa de câmbio e às operações
cambiais, é inexistente ou muito limitado;
II - o setor opera de maneira primordialmente baseada em condições de mercado,
inclusive no que diz respeito à livre determinação dos salários entre empregadores e
empregados; e
III - os preços que os produtores ou exportadores pagam pelos insumos
principais e por boa parte dos insumos secundários utilizados na produção são
determinados pela interação entre oferta e demanda.
§ 3º Constitui condição para que o valor normal seja apurado com base no disposto
nos arts. 8º a 14 a determinação positiva relativa às condições estabelecidas neste artigo.
§ 4º Determinações positivas relacionadas ao § 2º poderão ser válidas para
futuras investigações sobre o mesmo produto.
§ 5º As informações elencadas nos § 1º e § 2º não constituem lista exaustiva
e nenhuma delas, isoladamente ou em conjunto, será necessariamente capaz de fornecer
indicação decisiva.
293. Posteriormente, porém, transcorridos 15 anos da data de acessão, ou
seja, a partir do dia 12 de dezembro de 2016, nas investigações de dumping contra a
China cujo período de investigação fosse posterior a dezembro de 2016, não foram feitas
mais menções expressas no ato de início das investigações sobre tal condição de a China
ser ou não considerada país de economia de mercado para fins de defesa comercial.
Deste modo, a utilização de metodologia alternativa para apuração do valor normal da
China não era mais "automática".
294. Nesse sentido, considerando que apenas o item 15(a)(ii) do Protocolo de
Acessão expirou, e que o restante do Artigo 15, em especial as disposições do 15(a) e do
15(a)(i), permanecem em vigor, procedeu-se a uma "alteração do ônus da prova" sobre a
prevalência de condições de economia de mercado em determinado segmento produtivo
objeto de
investigação. Expira a
presunção juris tantum
de que
os produtores
exportadores/chineses operam em condições que não são de economia de mercado no
seguimento produtivo investigado, de modo que a determinação do método de apuração do
valor normal em cada caso dependerá dos elementos de prova apresentados nos autos do
processo pelas partes interessadas, acerca da prevalência ou não de condições de economia
de mercado no segmento produtivo específico do produto similar.
295. Esse posicionamento decorre das regras de interpretação da Convenção
de Viena sobre o Direito dos Tratados - a qual, em seu Artigo 31, estabelece que "1. Um
tratado deve ser interpretado de boa-fé segundo o sentido comum atribuível aos termos
do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade". Ademais, com base no
princípio interpretativo da eficácia (effet utile ou efeito útil), as disposições constantes de
um acordo devem ter um significado. Tanto é assim que, segundo o Órgão de Apelação
da OMC (DS126: Australia - Subsidies Provided to Producers and Exporters of Automotive
Leather, Recourse to Article 21.5 of the DSU by the United States - WTO Doc. WT/DS
126/RW):
6.25 The Appellate Body has repeatedly observed that, in interpreting the
provisions of the WTO Agreement, including the SCM Agreement, panels are to apply the
general rules of treaty interpretation set out in the Vienna Convention on the Law of
Treaties. These rules call, in the first place, for the treaty interpreter to attempt to
ascertain the ordinary meaning of the terms of the treaty in their context and in the light
of the object and purpose of the treaty, in accordance with Article 31(1) of the Vienna
Convention. The Appellate Body has also recalled that the task of the treaty interpreter
is to ascertain and give effect to a legally operative meaning for the terms of the treaty.
The applicable fundamental principle of effet utile is that a treaty interpreter is not free
to adopt a meaning that would reduce parts of a treaty to redundancy or inutility. (grifo
nosso).
296. Dessa forma, a expiração específica do item 15(a)(ii), com a manutenção
em vigor do restante do Artigo 15(a), deve ter um significado jurídico, produzindo efeitos
operacionais concretos. A utilização da metodologia alternativa deixa de ser, portanto,
"automática", e passa-se a analisar, no caso concreto, se prevalecem ou não condições de
economia de mercado no segmento produtivo investigado. Assim, a decisão acerca da
utilização ou não dos preços e custos chineses em decorrência da análise realizada possui
efeitos que se restringem a cada processo específico, e não implica de nenhuma forma
declaração acerca do status de economia de mercado do Membro. Por um lado, caso tais
provas não tenham sido apresentadas pelas partes interessadas, ou tenham sido
consideradas insuficientes, poderão ser utilizados os preços e custos chineses para a
apuração do valor normal no país, desde que atendidas as demais condições previstas no
Acordo Antidumping. Por outro lado, caso tenham sido apresentadas provas suficientes
de que não prevalecem condições de economia de mercado no segmento produtivo, a
metodologia
de
apuração do
valor
normal
a
ser
utilizado na
determinação
da
probabilidade de continuação/retomada de dumping poderá não se basear nesses preços
e custos do segmento produtivo chinês.
5.1.1.2.2 Da situação do mercado siderúrgico mundial e da participação das
empresas chinesas
297. As evidências trazidas aos autos pela peticionária apontam para as
distorções no setor siderúrgico chinês. Não obstante, consideraram-se ainda informações
identificadas quando da condução de investigações anteriores sobre produtos siderúrgico
chineses, como o estudo da OCDE.
298. Segundo os dados da OCDE, a capacidade instalada mundial de aço bruto
cresceu 112% de 2000 a 2017. Nesse mesmo período, a capacidade instalada de aço
bruto da China aumentou 600%. Consequentemente, sua participação na capacidade
instalada mundial subiu significativamente. Em 2000, sua participação era de 14%,
enquanto em 2017 ela chegou a 47%, tendo atingido seu ápice de 2013 a 2015, quando
representou em torno de 49% da capacidade instalada mundial.
299. Esse crescimento, contudo, não foi acompanhado por aumento proporcional
da demanda mundial por aço. Dados da World Steel Association (2018) mostram que, no
mesmo período, a produção mundial cresceu 837 Mt, em comparação com o aumento de
1.195 Mt de capacidade instalada mundial. Consequentemente, a capacidade ociosa do setor
siderúrgico mundial cresceu.
1_PR_22_001
Fonte: World Steel Association (2018); Comitê do Aço da OCDE.
300. Pode-se observar, porém, dois momentos distintos no comportamento
da capacidade ociosa entre 2000 e 2017. Até pelo menos 2007, um ano antes da crise
financeira internacional, o aumento de capacidade instalada cresceu de maneira similar
ao aumento da produção. Contudo, a partir de 2008, há um claro descolamento em
direção a um excesso de capacidade na indústria. Em 2015, auge da participação
chinesa na capacidade instalada mundial, registraram-se o maior volume absoluto da
capacidade ociosa (714Mt) e o menor grau de utilização da capacidade (69%). Em
2017, a capacidade ociosa caiu para 562Mt, mas, ainda assim, 2,7 vezes maior do que
em 2000 e 2,3 vezes maior do que em 2007.
301. Dessa forma, é possível argumentar que a China contribuiu significativamente
para o excesso de capacidade de aço no mundo, especialmente a partir de 2008.
1_PR_22_002
Fonte: Comitê do Aço da OCDE.
302. Nota-se que a taxa de crescimento da capacidade instalada da China foi
muito maior de 2008 a 2013, com tendência de alta, tendo se reduzido desde então. Isso, não
obstante, somente foi menor do que a taxa do resto do mundo nos últimos dois anos.
303. Em estudo de 2015, a OCDE concluiu que o desempenho financeiro da indústria
siderúrgica global havia se deteriorado para níveis não vistos desde a crise do aço no final da
década de 1990. Ademais, afirmou que havia uma relação estatisticamente significativa entre a
capacidade excedente e a lucratividade e o endividamento da indústria.
304. Segundo a OCDE, o excesso de capacidade afeta a lucratividade por meio
de vários canais:
Dois canais principais são os custos e preços. Por exemplo, em períodos de baixa
utilização de capacidade, as economias de escala não são totalmente exploradas e, assim, os
custos são mais altos e os lucros mais baixos. Os preços também tendem a ser menores
durante períodos de baixa utilização da capacidade, impactando diretamente os lucros. No
nível global, os efeitos do excesso de capacidade são transmitidos através do comércio;
excesso de capacidade pode levar a surtos de exportação, levando a quedas de preços e
perdas de quota para produtores domésticos concorrentes na importação (OCDE, 2015).
305. O estudo da OCDE (2018) sugere que as estatais são mais propensas a
registrar períodos mais longos de resultados negativos em comparação com suas contrapartes
privadas e que estão significativa e positivamente correlacionadas com a persistência em
perdas financeiras.

                            

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