59 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº144 | FORTALEZA, 01 DE AGOSTO DE 2023 que, no ato da denúncia, se teceu uma breve narrativa em relação ao contexto geral que permeou os delitos, bem como, em seguida, os crimes foram divididos em 09 (nove) episódios, referentes aos endereços e horários nos quais as ações foram levadas a afeito. Por sua importância, calha expor o contexto descrito na denúncia e cada um dos episódios, in verbis: “1. O oferecimento da presente denúncia se ampara em elementos de informações obtidos a partir de uma profunda e criteriosa investigação iniciada pela Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa DHPP, mas que, devido ao envolvimento de policiais, foi logo em seguida transferida e conduzida, até relatório final, pela Delegacia de Assuntos Internos - DAI, vinculada à Controladoria-Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Estado do Ceará – CGD. 2. Os fatos objetos da referida investigação ocorreram no horário compreendido entre o final da noite do dia 11/11/2015 e as primeiras horas da madrugada do dia 12/11/2015, os quais consistiram, em suma, em diversos homicídios consumados e tentados, assim como delitos conexos, tais como de torturas e lesões corporais delas decorrentes, por exemplo, como a seguir são dados a conhecer. 3. As vítimas, quase todas jovens, estavam, inicialmente, em sua grande maioria, em frente ou no interior de suas respectivas residências, localizadas em variados pontos da região da Grande Messejana, especialmente o Bairro Curio, nesta Capital, cujos fatos, por isso, ficaram conhecidos como Chacina da Messejana ou Chacina do Curió. 4. Os crimes, pois, objetos desta denúncia, sob os pálios da vingança, da torpeza e sem proporcionar sequer a menor chance de defesa a qualquer uma das múltiplas vitimas, foram praticados a partir de uma ação implacável e articulada por policias militares que visaram promover uma demonstração de força e poder de retaliação, especialmente à morte, em decorrência de disparos de arma de fogo, de um colega de profissão deles, de nome Valtermberg Chaves SERPA, o qual, embora não estivesse de serviço, foi assassinado horas antes dos fatos aqui narrados, ao reagir a um crime de roubo perpetrado em desfavor de sua esposa. Esse fato segundo consta, ocorreu em um campo de futebol, no bairro Lagoa Redonda, nesta capital. 5. Referido crime foi rapidamente difundido entre inúmeros policiais. Parte deles, a partir de então, se articularam, sobretudo em conversas por telefone, redes sociais e grupos de conversação disponíveis na rede mundial de computadores (WhatsApp, Zello e outros), cuja facilidade de comunicação permitiu que, em pouco tempo, contassem com a adesão de dezenas e, possivelmente, mais de uma centena de outros policiais, muitos dos quais estavam de folga no dia dos fatos, mas todos dispostos a um audacioso plano de retaliação, ao qual aderiram e o fizeram por acontecer. 6. Imbuídos desse firme propósito, projetaram os ora denunciados uma ação impactante, com divisão de tarefas, que começou pela procura de alvos preferenciais, de regra pessoas com envolvimento em práticas delitivas ou sobre as quais recalam suspeitas de ações delituosas, ou, ainda, desafetos pessoais de alguns policiais que estavam participando da mencionada ação de retaliação. 7. Em que pese também houvesse o interesse de obter alguma informação sobre quem poderia estar envolvido na morte do Policial Militar SERPA, a preocupação maior era uma imediata retaliação, a qualquer custo, pouco importando se as vítimas tinham, ou não, qualquer relação com este ou qualquer outro evento criminoso. E, ao final, foi exatamente isso o que ocorreu. 8.Na medida em que passava o tempo, e como já tarde da noite havia cada vez menos pessoas nas ruas, os executores foram escolhendo aleatoriamente as vítimas, o que se traduziu em um típico “justiçamento”, culminando com a morte e ofensa à integridade física e mental de várias pessoas absolutamente inocentes e que sequer tinham qualquer envolvimento na morte do Policial Militar SERPA. 9. Assinale-se que a confiança na impunidade era muito grande, de um lado porque os PMs tomaram cautelas para não serem reconhecidos e fazerem desaparecer vários dos vestígios dos crimes por eles perpetrados, e, de outro, porque sabiam que as vítimas não tinham a quem recorrer, pois se tratava de uma ação coordenada pelos próprios policiais. 10. Daí que, enquanto diversas vítimas eram covardemente assassinadas e a população, desesperada, ligava insistentemente para a CIOPS, vários dos policias militares que estavam em viaturas próximas e tinham pleno conhecimento do que estava acontecendo, ao invés de saírem em socorro delas - como seria de se esperar e de seu dever -, aderiram e colaboraram na prática dos referidos crimes. 11. Apenas para se ter uma dimensão do que ocorreu, informações de ordem técnica, tais como dados oficiais sobre os monitoramentos eletrônicos das viaturas, demonstraram, aliás, que policias militares que estavam próximos somente se dirigiram aos locais dos fatos horas depois, quando tudo já havia se passado. 12. Imagens, depoimentos de testemunhas e registros de ordem técnica também demonstraram que algumas viaturas ficaram se movimentando pelas redondezas dos locais onde estavam ocorrendo as execuções, mas não pararam nem mesmo diante do apelo da população por socorro. 13. Outras, quando se aproximaram do local, passaram inclusive ao lado de corpos de vítimas, mas nada fizeram. 14. Ambulâncias do SAMU acionadas, as quais vinham de locais mais distantes e, mesmo assim, chegaram primeiro do que as viaturas que estavam bem próximas dos locais, tiveram dificuldades em fazer o atendimento de algumas vítimas porque, sem saber precisamente o que se passava e sem o apoio efetivo da Polícia Militar, os socorristas não sentiram segurança para pararem e fazerem os prelimi- nares atendimentos. 15. Enquanto isso, a população, familiares, amigos e conhecidos das vítimas providenciavam, da forma como podiam, o atendimento às vitimas, conduzindo-as a hospitais, inclusive em carrocerias abertas de veículos particulares de carga. 16. E, mesmo cientes disso, policiais militares causaram obstáculos a esses socorros providenciados pela população, chegando a abordar e parar um veículo, por exemplo, que socorria algumas vítimas para deter- minado hospital, e na sequência, atentaram contra a vida de uma das pessoas que estava prestando socorro às referidas vítimas, a qual foi atingida por 8 (oito) disparos. 17. Ligações recebidas da população, que clamavam desesperadamente por ajuda, dão uma dimensão do terror levado pelos policias militares a toda uma comunidade, no que, talvez, tenha sido a maior e mais sangrenta chacina da história do Ceará. 18. Assinale-se, por oportuno, que os autos da investigação que dão suporte à presente denúncia já contam com mais de 3.300 (três mil e trezentas) laudas, distribuídas em 12 (doze) volumes e 3 (três) anexos, nos quais foram ouvidas mais de 240 (duzentos e quarenta) pessoas e coletados os mais variados elementos de informações possíveis, que foram resumidamente indicados no índice constante às fls. 2.413/.2430. 19. Importa registrar, outrossim, que a denúncia ora oferecida somente abrange as pessoas em face das quais, a partir do exame de tais elementos de informação, já foram reunidos elementos sérios, concretos, suficientes e idóneos de autoria ou participação, sem prejuízo de que, oportunamente, seja feito o devido e competente aditamento, se necessário, para inclusão de outros agentes ainda não identificados no polo passivo da respectiva ação penal. 20. De acordo com os fólios, foram perpetrados vários homicídios consumados e tentados, em horá- rios e locais relativamente próximos, sendo que, embora façam parte de uma mesma projetada e articulada ação criminosa, serão divididos nesta denúncia em 9 (nove) episódios, conforme os horários e locais em que ocorreram. 21. Visando a adequada compreensão dos fatos e, também, para proporcionar o pleno exercício constitucional, pelos denunciados, do direito ao contraditório e à ampla defesa, a presente denúncia, em complemento a esta introdução, individualizará cada um desses 9 (nove) episódios atinentes aos homicídios (consumados e tentados) e demais crimes conexos, seguindo-se com a individu- alização, mais precisa possível, das condutas dos denunciados. 22. A propósito da individualização das condutas dos denunciados, cumpre asseverar que, a despeito de não ser exigido, em situações similares, um grande rigor na individualização da conduta dos envolvidos”, no caso, não se deixará de descrever a conduta deles de modo a thes assegurar, por óbvio, o pleno exercício a ampla defesa e ao contraditório. 23. Em arremate, consigne-se que o Ministério Público Estadual, a partir de um grupo especial de trabalho constituído pela Procuradoria-Geral de Justiça, acompanhou de perto todas as fases da investigação […]”; CONSIDERANDO que, na continuidade da peça ministerial, se discorreu acerca de cada um dos 09 (nove) episódios, com descrição das vítimas, local, horários e modo de ação dos infratores, cujo resumo segue; CONSIDERANDO que o denominado Episódio 01 teve como vítima João Batista Macedo Teixeira Filho, o qual, por volta das 23h30min do dia 11/11/2015, na Rua Raquel Florêncio, 351 – Bairro Lagoa Redonda, Fortaleza-CE, foi vítima de tortura, cometida mediante o emprego de violência, consistente em disparos de arma de fogo, que lhe causaram intenso sofrimento físico, conforme faz prova o exame de corpo de delito acostado aos autos, visando os autores aplicar-lhe castigo pessoal. Segundo os autos, a vítima estava internada no Instituto Volta Vida, especializado em tratamento e recuperação de drogas quando, em certo momento, decidiu pular o muro dessa entidade para comprar substâncias entorpecentes, na companhia do, também, interno Airton, momento em que, logo em seguida, ambos foram abordados por homens que estavam em um automóvel descaracterizado de cor prata, havendo ainda outro veículo descaracterizado um pouco mais distante. Segundo a denúncia, os homens que desceram do veículo de cor prata determinaram a João Batista e a Airton que colocassem as mãos na cabeça, os quais, acreditando que se tratava de bandidos, correram em sentido contrário, sendo perseguidos pelos homens desconhecidos, oportunidade em que João Batista foi atingido por um projétil, tendo continuado a correr, sendo, porém, alvejado novamente, ocasião em que caiu. Destaque-se que o exame de corpo de delito acostado aos autos concluiu que a vítima sofreu duas lesões a bala em cada uma das coxas, apresentando ainda curativo no pé direito que não pôde ser removido por ordem médica, tendo a mencionada vítima informado que sofreu fratura externa nos dedos do pé direito; CONSIDERANDO que no Episódio 02, narra-se que uma viatura caracterizada, com quatro policiais fardados e mais três veículos descaracterizados, com homens com rostos cobertos com balaclavas ou camisas, compareceram à casa de Francisco Breno Sá de Sousa, na Rua Antônio Pompil, 645, tendo o colocado dentro de um desses veículos e feito pressão para que confessasse se tinha algum envolvimento na morte do policial militar SD PM Serpa, bem como para que informasse o endereço de um traficante da área. Tais homens restringiram a liberdade de locomoção de Breno, conduzindo-o em um dos veículos, no período aproximado de 23h30min do dia 11/11/2015 e 03h30min do dia 12/11/2015. Destaca-se da narrativa da vítima que, ao ser apontada uma residência como de um dos alvos dos homens, eles desembarcaram e ingressaram no imóvel, tendo os policiais fardados ficado do lado de fora. Narrou ainda que aquelas pessoas o obrigaram a efetuar ligações para pessoas do Bairro para lhes perguntar se sabiam quem havia matado o policial Serpa. A vítima disse ainda que “foi levado para a praça da Igreja São José, na Av. Recreio (continuação da Av. José Artur de Carvalho), Lagoa Redonda, onde já haviam várias motocicletas e carros no meio da pista, contando com mais de cinquenta homens, todos encapuzados. BRENO afirmou que alguns dos homens portavam rádios ‘daqueles que a Polícia usa’, enquanto outros falavam ao celular. Pouco depois, a viatura caracterizada deixou o local, na direção do Curió.” Consta também que, enquanto trafegavam nas ruas do Bairro, “Defronte à delegacia do 35º DP, Breno Percebeu que havia um corpo caído, sem ninguém por perto. Os ocupantes do veículo, porém, nada comentaram sobre esse segundo fato.” A vítima ainda relatou que o carro no qual era conduzida parou no estacionamento da delegacia e, “logo depois, um policial com a farda do Ronda do Quarteirão se aproximou e tirou uma fotografia de BRENO, afirmando que seria para mostrar às ‘vítimas da morte do policial’, recolhendo também seu documento de identidade. Após cerca de vinte minutos, o mesmo policial retornou ao veículo, afirmando que BRENO ‘não tinha nada a ver’ com a morte do policial SERPA e o liberou. Por volta de 03hs30min, os policiais deixaram BRENO na casa de sua mãe, localizada na Av. Maestro Lisboa.”; CONSIDERANDO o Episódio 03, ocorrido por volta das 00h25min do dia 12/11/2015, na Rua Lucimar de Oliveira, 452, Curió, Grande Messejana, onde foram cometidos 04 (quatro) homicídios consumados contra as vítimas Antônio Alisson Inácio Cardoso, Jardel Lima dos Santos, Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho e Alef Souza Cavalcante, mortas por disparos de armas de fogo, bem como uma tentativa de homicídio contra Cícero De Paulo Teixeira Filho, “provocando-lhe as lesões descritas no exame de corpo de delito juntado aos respectivos autos do procedimento inquisitorial em anexo 3, contudo, em relação a esta vítima, oFechar