66 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº144 | FORTALEZA, 01 DE AGOSTO DE 2023 em serviço? Como nenhum carro com placas adulteradas foi sequer abordado ou perseguido? Como nenhuma pessoa foi conduzida a uma Delegacia de Polícia? Como nenhum policial em serviço percebeu qualquer movimentação estranha, ou comboio de veículos, ou algo que devesse ser reportado à CIOPS ou ao respectivo comando? Contudo, a atitude que dominou diversos integrantes da Polícia Militar naquela noite foi, justamente, o contrário do dever de manutenção da ordem pública e segurança da comunidade. As seguintes fotografias que circularam na rede social Facebook, mostram policiais celebrando as mortes naquela noite, como retaliação à morte do policial SERPA, e expondo o Sr. CÍCERO PAULO socorrendo seu filho e dois amigos deste baleados, tendo os dois últimos falecido […] Percebe-se, pois, que o motivo evidente da clara omissão dos policiais em serviço naquela noite foi o fato de saberem que policiais militares atuavam exterminando pessoas naquela noite […]”; CONSIDERANDO que a segunda premissa que norteou a persuasão racional de que o militar ora processado é culpado da integralidade do que lhe foi imputado é que os crimes que constituíram as transgressões objeto deste PAD se deram em concurso de agentes e, por conseguinte, nos termos do que preconiza o Art. 29 do Código Penal, todos que para elas concorreram devem ser punidos (“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”). Trata-se da adoção na legislação criminal da teoria monista, unitária ou igualitária, segundo a qual: “Todos e cada um, sem distinção, são responsáveis pela produção do resultado, em concepção derivada da equivalência das condições (todos os que concorrem para o crime respondem pelo seu resultado) e também fundamentada em questões de política criminal, em que se prefere punir igualmente os vários agentes que, de alguma forma, contribuíram para a prática de determinada infração penal” (Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1° ao 120). 8. ed. Salvador: JusPODIVM, 2020. p. 457). No mesmo sentido é lição de Cezar Roberto Bitencourt: “Para o sistema unitário clássico desenvolvido, fundamentalmente, na Itália, todo aquele que concorre para o crime causa-o em sua totalidade e por ele responde integralmente. Embora o crime seja praticado por diversas pessoas que colaboram de maneira distinta, todos respondem na qualidade de autor. O crime é o resultado da conduta de cada um e de todos, indistintamente. Essa concepção parte da teoria da equivalência das condições necessárias à produção do resultado. No entanto, o fundamento maior dessa teoria é político-criminal, que prefere punir igualmente a todos os participantes de uma mesma infração penal. Essa foi a teoria adotada pelo Código Penal de 1940 […] A participação de cada um e de todos contribui para o desdobramento causal do evento e respondem todos pelo fato típico em razão da norma de extensão do concurso” (Tratado de direito penal: parte geral, Vol. 1. 17ª ed. Rev., Ampl. e Atual. São Paulo: Saraiva, 2012); CONSIDERANDO, contudo, ser preciso atentar que, mais do que uma mera atuação delituosa praticada em um concurso de poucos agentes (exemplo, dois ou três), no caso em questão houve elevado número de pessoas que concorreram para os eventos criminosos, tratando-se, portanto, de um crime multitudinário, definido por Nelson Hungria como aquele “praticado por uma multidão em tumulto, espontaneamente organizada no sentido de um comportamento comum contra pessoa ou coisas”. (Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. II.); CONSI- DERANDO que acerca dos crimes praticados por uma multidão delinquente, Rogério Sanches explica que: “Embora o fato ocorra, normalmente, em situa- ções de excepcional comoção, permanece íntegro o liame subjetivo que, mesmo na multidão, designa o concurso de pessoas. As situações em que o fato ocorre por ação de multidão criminosa dificulta sobremaneira a individualização da conduta, pois dificilmente é possível estabelecer em pormenores a ação de cada indivíduo […] Por isso, sob pena de obstar a aplicação da lei penal, dispensa-se, nestes casos, a individualização das condutas, bastando que se demonstre a contribuição de cada indivíduo para a causação do resultado” (Ob. Cit. p.467). Esse entendimento é endossado por Bitencourt: “Nos crimes praticados por multidão delinquente é desnecessário que se descreva minuciosamente a participação de cada um dos intervenientes, sob pena de inviabilizar a aplicação da lei.” (Ob. Cit.); CONSIDERANDO ser patente que as ações levadas a efeito por vários policiais entre os dias 11 e 12 de novembro de 2015 se assemelham, quanto à possibilidade de individualização das condutas, ao que a doutrina penal entende por crimes praticados por multidão, não sendo exigível uma perfeita individualização da ação de cada um dos acusados, bastando que esteja claro o nexo subjetivo de aderir à empreitada criminosa, com ela contribuindo de qualquer modo, o que resta claro no acervo de provas. A propósito, na hipótese dos autos, é notório que os autores e partícipes da chacina se valeram intencionalmente de artifícios com a finalidade de assegurar suas impunidades, dificultar as investigações posteriores e tornar difícil uma perfeita individualização das condutas, seja mediante a adulteração de placas de veículos ou encobrindo seus rostos. Tais ardis não podem impedir as consequências disciplinares necessárias e suficientes para reprovar e prevenir ações deste jaez, pois isso significaria beneficiar os responsáveis pelos crimes por sua própria torpeza, demandando, de modo absurdo, a produção de uma prova diabólica; CONSIDERANDO que, noutro giro, em relação aos policiais que não foram executores diretos dos crimes, poderíamos até concluir que, por serem legalmente garantidores da evitação do resultado, porquanto dotados do munus cons- titucional de velar pela ordem pública, estaríamos diante de uma omissão penalmente relevante. A priori, embora essa conclusão esteja correta à luz do Art. 13, §2º, do Código Penal, é preciso ter em mente que se tratou de uma omissão dolosa que demonstra um animus de aderir à empreitada criminosa como um todo, ou seja, havia claramente um liame subjetivo entre os que se omitiram do cumprimento do dever legal de fazer a segurança pública daqueles bairros e os executores dos delitos, denotando o concurso de agentes, sem o que a chacina não teria ocorrido como ocorreu, razão pela qual tanto inação dos do que se esquivaram de exercer seu ofício, como a ação dos que apertaram os gatilhos, constituem causa central para o desfecho criminoso; CONSIDERANDO que, nesse ínterim, calha a explicação jurídica de que mesmo a interferência das condutas negligentes na cadeia causal que configurou a chacina não perdem a característica de concausa, pois, se os policiais de serviço e demais militares que se faziam presentes nas adjacências, em vez de anuir com a onda de violência movida por vingança, tivessem agido de acordo com a conduta que deles se esperava, os crimes não teriam ocorrido como ocorreram. A propósito, Rogério Greco leciona: “Será, assim, que somente se considera como causa aquela que, na análise do caso concreto, modifique efetivamente o resultado? A título de raciocínio, suponhamos que determinado agente venha caminhando pela estrada e comece a ouvir gritos de socorro. Aproxima-se do local de onde vem os gritos e, para sua surpresa, encontra, num precipício, abraçado a um finíssimo galho de árvore prestes a se romper, seu maior inimigo. Como não havia mais ninguém por perto, o agente, aproveitando aquela oportunidade, sacode levemente a árvore fazendo com que a vítima caia no despenhadeiro, vindo a falecer. Mesmo que o agente não tivesse sacudido a árvore, a vítima, da maneira como foi colocado o problema, não teria salvação. O galho já estava se rompendo quando o processo foi agilizado pelo agente. Daí, perguntamos: Mesmo que o agente não tivesse balançado a árvore, o resultado teria ocorri- do?Sim, porque o galho se romperia de qualquer forma. Mas o resultado teria ocorrido como ocorreu? Não, porque o agente interferiu no acontecimento dos fatos, e, mesmo que o resultado, de qualquer forma, não pudesse ser modificado, parte dele foi alterada. Aqui, o agente antecipou a morte da vítima sacudindo o galho onde esta se encontrava agarrada. Deve, portanto, responder pelo resultado a que deu causa, ou seja, pelo delito de homicídio. O agente – concluindo– não deve, como vimos, interferir na cadeia causal, sob pena de responder pelo resultado, mesmo que este, sem sua colaboração, fosse considerado inevitável. Então, devemos acrescentar a expressão como ocorreu na redação final do caput do art. 13 do Código Penal, ficando, agora, assim entendido: “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido como ocorreu.” (Curso de Direit Penal: parte geral, volume I – 19. ed. – Niterói, RJ:Impetus, 2017. p. 360). Destarte, todos aqueles que exerceram algum papel para o desfecho criminoso, seja por uma atuação positiva ou negativa, concorreram para a consumação dos delitos perpetrados entre na noite e madrugada dos dias 11 e 12 de novembro de 2015; CONSIDERANDO que, por todo o exposto, exigir perfeita individualização das condutas numa ação de autoria coletiva, cujo modus operandi se deu exatamente com intuito de dificultar a descrição porme- norizada de cada agente, implicaria em negar vigência ao artigo 29 do Código Penal, bem como tornaria possível que, sempre que alguém quisesse praticar crimes sem ser responsabilizado, bastasse cometê-lo com um grupo grande de pessoas. A chacina foi uma “obra em comum”, de modo que todos que nela atuaram devem receber as consequências por sua participação, mesmo que não tenham sido seus idealizadores ou autores mais atuantes. E é elementar assentar que não há dúvida que o SD Vidal atuou na empreitada homicida; CONSIDERANDO que a terceira premissa na qual se baliza a presente conclusão é exata- mente que o acusado SD PM Antônio José Abreu Vidal Filho concorreu para as transgressões definidas crimes que se encontram deduzidas no raio apuratório deste Processo Administrativo Disciplinar. Sem embaraço, estabelecido ser despiciendo uma individualização precisa das condutas, dada a natureza das transgressões (multitudinárias), há uma peculiaridade de ordem lógica na qual se alicerça este entendimento, qual seja, a interpretação dos fatos é guiada pelo contexto no qual as condutas estão inseridas, é dizer, estar o SD PM Vidal comprovadamente em meio ao cenário do ocorrido, num veículo com placas adulteradas, bem como tendo ele procurado omitir sua presença no local, permitem a segura conclusão de que não estamos diante de um mero delito de adulteração de veículo automotor, tal qual exarado pela comissão, sendo de elementar clareza que tal conduta se tratou apenas de um meio de obstar sua posterior identificação na participação da chacina. Assim, colocá-lo no palco dos delitos implica entender que contribuiu de alguma forma para que as infra- ções tenham ocorrido como ocorreram. Dizer que não há relevância jurídica no fato de um policial estar no cenário de uma chacina, circunstância que só foi descoberta por diligente atividade investigativa, tendo ele tentado omitir de todas as formas sua presença no local, seja adulterando a placa o veículo empres- tado a sua genitora ou omitindo seu número de celular, ofenderia o senso lógico mais elementar. Sobreleve-se que estamos falando de um agente de segurança que tem o dever de manter a ordem pública, não de violá-la; CONSIDERANDO que a defesa parte de uma premissa equivocada ao argumentar que não seria possível ao acusado ter participado deste ou daquele Episódio. A acusação dá conta de uma ação englobada do processado em conluio com outros militares e isso restou sobejamente provado nos autos, sem que nenhum dos argumentos da defesa sejam capazes de infirmar a presente conclusão. Repita-se, o processado concorreu para a prática dos delitos, o que basta para imposição de uma sanção administrativa; CONSIDERANDO que, nesse compasso, mais uma vez é válido se ancorar no que averbou o Ministério Público nas Contrarrazões (fls. 194/240) quantos às provas da participação do SD PM Antônio José Abreu Vidal Filho, in verbis: “Analisando os elementos reunidos nos autos, percebe-se que o automóvel do Policial Militar ANTÔNIO JOSÉ DE ABREU VIDAL FILHO foi fotografado por câmera do DETRAN na Rodovia CE 040, km 9,6, com sua placa traseira visivelmente adulterada, provavelmente com o uso de fita isolante ou material similar (fls. 3.468) […] Em juízo, durante seu interrogatório, o acusado mudou completamente a versão apresentada durante a seara policial (fls. 2.187/2.188). Perante os magistrados, informou o acusado que foi até a base do “Crack é possível vencer” na madrugada da “chacina do Curió”, se dirigindo ao local no veículo VW Saveiro flagrado com a placa traseira adulterada em imagem de fotossensor,aduzindo que não adulterou a placa e que, possivelmente, a adulteração foi feita na base do “Crack é possível vencer”, enquanto ali esteve. Além disso, justificou a omissão do número do telefone que utilizava na ocasião da chacina por acreditar que seu número já constava em cadastro no SIP e, por isso, não seria necessário a informação do número às autoridades policiais que presidiam o inquérito (o réu indico dois telefones na ocasião de sua oitiva como de uso pessoal, omitindo o telefone que constatou-se ser o utilizado na madrugada do dia 12/11/2015), conforme registro de ERB a seguir […] Percebe-se, pois, que o acusado adotou em juízoFechar