DOE 18/09/2023 - Diário Oficial do Estado do Ceará
25
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº175 | FORTALEZA, 18 DE SETEMBRO DE 2023
e consumo de conteúdo pornográfico, sem que percebesse, evoluindo para um comportamento autodestrutivo, uma vez que já estava apresentando prejuízos
em sua rotina e sua vida amorosa, já que suas primeiras condutas não eram mais suficientes para saciar seu desejo libidinoso. De acordo com a defesa, o
servidor somente se deu conta de que estava acometido de uma compulsão sexual, quando passou voluntariamente a ser submetido a terapia com o uso de
medicações receitadas, haja vista o diagnóstico inicial de que o defendente é portador de transtorno obsessivo-compulsivo, bem como acometido por traços
de depressão. Asseverou que o servidor, “envolvido em tanta consternação de forma alucinada, sem ter o controle de suas ações”, após visualizar algumas
advogadas criminalistas, “passou a ver no sistema de cadastro o contato telefônico” de algumas delas, passando a ligar de forma anônima, mas, em seguida,
ressaltando que, “em atos de lucidez, o servidor sente profundo arrependimento”. A defesa também destacou que processado não teve a intenção de causar
qualquer ameaça, nem tampouco proferiu palavras ameaçadoras às advogadas criminalistas, asseverando que as ligações telefônicas decorreram de sua
patologia psiquiátrica, não tendo o servidor causado importunação física a essas mulheres. Sustentou que à época dos acontecimentos o servidor defendente
não estava no controle de suas ações, tampouco dimensionava o incômodo que estava causando às vítimas, reconhecendo que o acusado não podia ter utili-
zado seu cargo para ter acesso às informações sobre usuários do sistema penitenciário, clamando pelo reconhecimento de sua condição e pelo arquivamento
deste PAD. Ainda em sede de alegações finais, a defesa requereu a observação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, argumentando que a
primeira deve ser analisada de acordo com o caso concreto, requerendo a aplicação da justiça que o caso requer, conforme a culpabilidade do agente do fato,
levando em consideração para dosimetria da pena, a graduação e intensidade do dolo, comportamento do agente e seus antecedentes, bem como o interregno
do mínimo legal e o máximo e as circunstâncias do delito. Assim, a pena, conforme normatizado no parágrafo único do artigo 26 do CPB, pode ser diminuída
de um a dois terços em virtude perturbação mental incompleto ou retardo incapaz de entender o caráter ilícito. Sobre os argumentos trazidos pela defesa
quanto à incapacidade do acusado de entender a ilicitude do fato que pesa sobre si, dado o diagnóstico de Transtorno Obsessivo Compulsivo, ou seja, vício
em pornografia, conforme laudo médico acostado à fl. 66, imperioso esclarecer que, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, o reconhecimento
de eventual inimputabilidade do acusado deve, necessariamente, ser precedido de instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame
médico-legal nele previsto, o que não se verifica na espécie. Nesse diapasão, o STJ se manifestou nos seguintes termos, in verbis: “RECURSO ESPECIAL.
ESTUPRO. CONTRARIEDADE AO ART. 26 DO CP E NEGATIVA DE VIGÊNCIA DO ART. 149 DO CPP. ACÓRDÃO IMPUGNADO QUE RECO-
NHECEU A CONDIÇÃO DE SEMI-IMPUTÁVEL DO RECORRIDO (ART. 26, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP), SEM EXAME MÉDICO-LEGAL.
ILEGALIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DO EXAME PERICIAL. 1. O art. 149 do CPP não contempla hipótese de prova legal ou tarifada, mas a
interpretação sistemática das normais processuais penais que regem a matéria indica que o reconhecimento da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do
réu (art. 26, caput e parágrafo único do CP) depende da prévia instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame médico-legal nele previsto,
sendo possível, ao Juízo, discordar das conclusões do laudo, desde que por meio de decisão devidamente fundamentada. 2. Recurso especial provido para
cassar, em parte, o acórdão exarado no julgamento da Apelação Criminal n. 70073399487 - especificamente na parte que aplicou o redutor do art. 26, pará-
grafo único, do CP - a fim de que, verificada a dúvida acerca da sanidade mental do recorrido à época do crime, seja determinada a baixa dos autos ao Juízo
de origem para realização de exame médico-legal nos termos do art. 149 do CPP. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator”.
(REsp 1802845/RS, Relator(a): Min. SEBASTIÃO REIS JUNIOR, Sexta Turma, julgado em 23/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe: 30/06/2020).
Dessarte, o simples diagnóstico médico de que o processado sofre de transtorno Obsessivo Compulsivo, por si só, não é suficiente para aferir se o defendente,
ao tempo da ação ou omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Compul-
sando os autos do presente processo administrativo, não há nenhuma evidência que aponte que o servidor processado, à época dos fatos, estivesse agindo
sem qualquer possibilidade de determinar-se conscientemente e de modo autônomo, condição esta que, se presente, afastaria a responsabilidade disciplinar;
CONSIDERANDO que às fls. 166/191, a Comissão Processante emitiu Relatório Final nº 091/2023, no qual firmou o seguinte posicionamento, in verbis:
“[…] Ex positis, opinam os componentes desta 1ª Comissão Civil Permanente, após detida análise e por todas as provas produzidas nos autos, considerando
os elementos de convicção, que o servidor Caio Vinício Façanha da Paz, policial penal, M.F. Nº 430.963-6-2, incorreu na prática das transgressões discipli-
nares de terceiro grau (art. 10, incisos VIII e X) da Lei Complementar Nº 258/2021, o que gerou a subsunção dos deveres funcionais violados e transgressões
disciplinares de segundo grau, motivo pelo qual sugerimos que o servidor seja punido com a sanção de demissão, anotando-se esta conclusão na ficha funcional
do precitado servidor [...]”; CONSIDERANDO que a Coordenadoria de Disciplina Civil – CODIC/CGD (fl. 167) ratificou o entendimento acima, nos
seguintes termos, in verbis “[…] 5. Quanto ao mérito, homologamos na íntegra o relatório da Comissão constante às fls. 166/191. em razão de restar demons-
trada a prática de infrações disciplinares previstas no art. 10, VIII e X da Lei Complementar nº 258/2021, passível de demissão. […]”; CONSIDERANDO
que em 03/11/2022, a Delegacia de Assuntos Internos – DAI instaurou o Inquérito Policial nº 323-105/2022 (fls. 21/51), com o escopo de apurar as condutas
praticadas pelo acusado PP Caio Vinício Façanha da Paz em desfavor das advogadas criminalistas, cujo relatório final aponta para o indiciamento do servidor
processado nas tenazes do Artigo 147-A §1º, II, na forma do Art. 71 do Código Penal, bem como no Art. 307 do Código Penal, conforme se depreende de
consulta pública realizada ao e-SAJ, no site do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará; CONSIDERANDO assim, que o conjunto probatório produzido nos
autos, em especial, os depoimentos das testemunhas acostadas às fls. 114, 116, 118, 120, 122, 124 e 126, bem como a documentação acostada às fls. 21/51,
11/13 e 33/34, foram conclusivos para demonstrar, com juízo de certeza, que o PP Caio Vinicio Façanha da Paz, após acessar indevidamente os cadastros
de pelo menos 4 (quatro) advogadas, os quais a SAP mantinha para fins de agendamento de visitas jurídicas aos detentos, passou reiteradamente a persegui-
-las e importuná-las por meio de ligações telefônicas, nas quais proferia palavras desrespeitosas de cunho sexual, situação que perdurou durante os anos de
2021 a 2022 e abalou profundamente o psicológico das vítimas, as quais tiveram sua privacidade invadida pelo processado. O conjunto probatório demons-
trou que o Policial Penal Caio Vinício, por ter feito parte da gestão do sistema penal, na qualidade de chefe de equipe, tinha senha de acesso ao SIGEPEN
– Sistema Integrado de Gestão Penitenciária, e assim, após visualizar as advogadas na unidade prisional na qual trabalhava, no caso, CPPL II, acessava o
referido sistema, do qual obtinha todas as informações acerca das profissionais, passando então a fazer contato com as advogadas através de ligações telefô-
nicas, usando palavras obscenas e vulgares. Nesse sentido, o próprio processado (fl. 151) confirmou ter conseguido os números de telefone das advogadas
através do acesso ao SIGEPEN, esclarecendo quando se tornou chefe de equipe, em três gestões diferentes, foi cedido um login e senha para ter acesso a
informações do sistema, tendo acesso membros da gestão da unidade ou pessoas que trabalham na administração (RH) ou trabalhe com processo (jurídico).
Ainda em sede de interrogatório, o defendente, sob a justificativa de que vinha apresentando problemas com o vício em pornografia, confirmou que em
determinado momento, ao ver algumas advogadas bem vestidas, se comportando com altivez e com características de mulheres dominantes, isso lhe chamou
a atenção e num primeiro momento, se saciava apenas em olhá-las, contudo depois realmente passou a ligar para elas. O processado reiterou sua confissão
destacando que as ligações não eram diárias, semanais ou mensais, mas que se estenderam por grandes períodos e que foi desrespeitoso com as advogadas.
Em consonância com a confissão do acusado, a testemunha constante da fl. 114, confirmou que a primeira ligação ocorreu em meados de outubro de 2021,
quando tinha acabado de chegar de seus atendimentos nas unidades prisionais, ocasião em que recebeu uma ligação telefônica de um número inibido, onde
o interlocutor falou com uma voz esquisita, perguntando “como era o atendimento” e “quanto era a consulta”. A depoente relatou ter estranhado aquela
ligação, pois geralmente não é dessa forma que as pessoas lhe telefonam, tendo em vista que iniciam a conversa informando terem sido indicadas por alguém
ou pedindo para ver o processo. A testemunha declinou que ao responder que não estava entendendo, o interlocutor, utilizando palavras de baixo calão,
afirmou que queria manter relações sexuais com a depoente, questionando quanto seria a consulta, ao que a depoente retrucou exigindo respeito, afirmando
que não era prostituta e que o autor parasse de lhe ligar, entretanto o homem passou a “noite inteira, inteira” (sic), lhe ligando. Segundo a testemunha, nessas
ligações, quando atendia, o acusado dizia que estava se masturbando e que estava pensando nas partes do corpo da depoente, usando expressões repulsivas
e injuriosas. A depoente esclareceu que as ligações não cessaram, ocorrendo por dias ininterruptos, estendendo-se por aproximadamente um ano, ressaltando
que sempre que visualizava um número telefônico inibido ou quando se dirigia ao presídio ficava se tremendo, destacando que ia nervosa fazer o atendimento
de seus clientes nas unidades prisionais, tendo deixado de atender muitos clientes que foram soltos, o que demonstra o abalo emocional causado pelo acusado.
A declarante relatou ainda que, diante daquela situação, procurou o PP Braga, diretor da CPPL IV, informando que estava sendo vítima de assédio e relatando
o teor das ligações, motivo pelo qual o mencionado servidor solicitou que a depoente gravasse as ligações para que pudesse identificar o servidor que estava
fazendo isso e assim poder tirá-lo do quadro de servidores da referida unidade, o que foi feito pela depoente, contudo o acusado, ao perceber que a ligação
estaria sendo gravada, sempre desligava. Segundo a depoente, apesar de ter dois telefones, o acusado ligava justamente para o número que estava cadastrado
no sistema prisional, corroborando a acusação de que o servidor ora processado fez uso indevido do acesso que tinha ao cadastro de advogados que atuavam
no sistema prisional. A depoente também asseverou que em dado momento, objetivando conhecer a identidade do processado que até aquele momento ainda
não havia sido identificado, passou a responder as invertidas do defendente, oportunidade em que conseguiu realizar uma chamada de vídeo e fazer um “print”
do rosto do acusado. De posse da foto do rosto do servidor processado, a depoente relatou ter encaminhado a imagem para o PP Tagore, o qual havia se
comprometido a ajudar na identificação do interlocutor das ligações, bem como para um grupo de advogadas/Advogados, tendo o PP Tagore identificado o
PP Caio Vinício como o autor das ligações, o que levou a depoente a procurar a Delegacia de Assuntos Internos – DAI. A depoente destacou que com a
divulgação da imagem, foram aparecendo outras vítimas do servidor ora processado. A testemunha ainda asseverou que após a chamada de vídeo, o proces-
sado PP Caio Vinício continuou ligando, inclusive no momento em que já estava na DAI, recebeu ligações do acusado, tendo a DPC Adriana atendido a
ligação, ocasião em que ele falava imoralidades, achando que estava falando com a depoente. Sobre a acusação constante na portaria inaugural de que o
processado teria utilizado indevidamente uma fotografia de um outro servidor policial penal, a depoente confirmou que o PP Caio Vinício lhe mandou a foto
do policial penal de nome Arthur, dizendo que se tratava da pessoa dele. Sobre esta acusação em especial, o PP Arthur de Oliveira Arruda (fl. 126) asseverou
ter sido avisado por um amigo que sua foto tinha aparecido na televisão no jornal da TV Cidade, e de fato constatou que era sua foto que estava no “print”
Fechar