114 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº185 | FORTALEZA, 02 DE OUTUBRO DE 2023 consistentes em afirmar que a vítima era feia para ser estuprada. Relatou que, quando essas palavras foram proferidas, a vítima ficou com os “olhos cheios de água”. O relato do CB Claubemir em sede processual, em suma, é consonante com o teor de seu depoimento na investigação preliminar (fls. 41/42); CONSIDERANDO que, apesar de a vítima A.S. da S. não ter prestado declarações durante a fase acusatória da persecução disciplinar, é pertinente considerar seu termo colhido na Promotoria de Justiça de Caridade-CE (fls. 07/08), o que, esclareça-se, é autorizado pelo art. 155 do Código de Processo Penal, dispo- sitivo aplicável aos feitos disciplinares (art. 13 da Lei Estadual nº 13.441/04), o qual admite a utilização subsidiária dos elementos informativos colhidos no âmbito pré-processual, desde que não utilizados exclusivamente para o convencimento do julgador. Sobreleve-se ainda que a legislação pátria possui dispo- sitivos que buscam coibir a revitimização da vítima por meio de sucessivas inquirições sobre o mesmo fato, v.g., art. 15-A da Lei nº 13.869/2019, Arts. 10-A, § 3º, da Lei nº 11.340/06, alterações produzidas pela Lei nº 14.245/2021, dentre outras. Em resumo, segundo o relato da vítima perante o MP, no dia 11 de março de 2018, após por ter sido vítima de crime sexual, foi prontamente atendida por policiais militares, os quais a conduziram, com o infrator, à Delegacia de Canindé, local no qual não foi bem atendida, tendo sido vítima de chacotas e humilhações; CONSIDERANDO que, quando de seu interrogatório (fls. 216), o IPC Delmiro Gomes Mendonça confirmou que, em março de 2018 (época do fato), trabalhava na Delegacia de Canindé, mas, devido ao tempo, não se recorda do fato denunciado. Negou que tenha destratado qualquer pessoa e disse que todas as pessoas que chegavam para prestar queixa na delegacia eram bem atendidas, mas não lembra da Sra. Adriana Sousa, tendo enfatizado novamente que todos que chegavam na Unidade Policial eram bem atendidos. Foi perguntado ao Sr. Delmiro se ele conhecia os policiais militares que acompanharam a Srª Adriana até a delegacia, sendo explicado por ele que a Delegacia de Canindé abrange várias cidades, bem como lembrou que os policiais e a Srª Adriana eram de Paramoti/CE. Além disso, explicou que toda ocorrência que chega até a delegacia, quem está a frente primeiro são os policiais plantonistas (permanentes), pois o delegado não está na delegacia. O IPC Delmiro disse que deve haver alguma distorção, pois lembra ter dito que ligaria para o Delegado plantonista para resolver a situação, inclusive, a Srª Adriana foi atendida pelo Delegado nesse dia. Contudo, foi perguntado novamente se o IPC Delmiro lembrava desse fato, respondeu que se esse fato foi o de Paramoti/CE, então, lembrava. Foi lido novamente um trecho da denúncia para o Sr. Delmiro, tendo ele em sua defesa alegado que explicou para a denunciante que como o fato se tratava de violência doméstica, quando o Delegado fizesse o procedimento o acusado de estupro seria preso, mas a Adriana teria dito, segundo as palavras do Delmiro, que o acusado estava embriagado e não queria que ele fosse preso. Lembra que os policiais militares falaram para a Adriana, “a senhora faz a gente vir de lá para cá, gastando gasolina, e quando chega aqui a senhora não quer fazer o procedimento”, foi então que o IPC Delmiro disse que o Delegado é quem decidiria se faria procedimento ou não. Explicou que a delegacia tinha uma estrutura boa para o Delegado e os policiais, contudo o Delegado não estava presente, pois a autoridade policial só vem quando ligam. Ademais, quem fica na frente da delegacia é o inspetor, e quando a PM chega o inspetor atende. O Sr. Delmiro disse que o Delegado orienta os policiais civis primeiro ouvir as partes e informar sobre a situação depois, porém, o problema ocorrido foi que Paramoti/CE é outra cidade e os PMs queriam que fizessem o procedimento na delegacia. Além disso, o IPC Delmiro acredita que Sra. Adriana foi orientada a procurar o Ministério Público por outras pessoas, mas novamente negou ter acontecido chacotas em seu atendimento; CONSIDERANDO que, em sede de Alegações Finais (fls. 220/232), a defesa arguiu que os fatos não ocorreram de forma narrada na denúncia, pois alega que, de todos os depoimentos, absolutamente nenhuma das testemunhas trouxeram qualquer fato que ligassem o sindicado às transgressoras investigadas. A defesa alegou que o único policial que presenciou a ação apenas aponta, genericamente, que ouviu por alto, e que ao ser indagado se fez qualquer questionamento no momento da suposta agressão verbal, tão somente disse “que saiu de perto”. No mérito, a defesa aduziu que tais condutas denunciadas nunca existiram no mundo dos fatos. Ademais, defendeu que os depoimentos dos policiais devem ser dignos de fé somente quando apoiado no conjunto de provas, com produção sob o crivo do contraditório e ampla defesa. Ponderou que não há como prevalecer a acusação, pois as testemunhas não conseguiram demonstrar que o sindicado tenha praticado qualquer conduta irregular; CONSIDERANDO que a Autoridade Sindicante emitiu o Relatório Final nº 179/2022 (fls. 233/239), no qual firmou o seguinte posicionamento, in verbis: “[…] A Sindicância teve seu fundamento em face da prática, em tese, da violação dos deveres previstos no art. 100, incisos I e XII, bem como, das transgressões disciplinares art.103, alínea “b”, incisos I, II, XVIII e XXIII todos da Lei Nº 12.124/93, onde depois da instrução probatória existem indícios de transgressão disciplinar aplicável ao servidor Delmiro Gomes Mendonça, Inspetor de Polícia Civil. […] Enfrentando as Alegações Finais (Fls.220/232), no sentido que as testemunhas não teriam trazido fatos que ligassem o sindicado as transgressões referidas no processo, refuto tais alegações, tendo em vista o depoimento do Sr. Francisco Jefferson Evangelista Ferreira, policial militar, condutor da vítima Adriana até a delegacia, o qual diz que a denunciante contou para ele depois do procedimento, que o policial civil falou para ela a seguinte frase: “Você é muito feia para ser estuprada” […] Outro depoimento que confirmou a denúncia, foi realizado pelo CB PM Francisco Glaubenir Gomes Andrade, o qual disse que apesar de não lembrar muito dos fatos, afirmou categoricamente ter visto o Sr. Delmiro dizer que a moça era muito feia para ser estuprada, de acordo com o seu depoimento abaixo: ‘O segundo depoente, o CB PM Francisco Glaubenir Gomes Andrade disse não lembrar muitos dos fatos, pois já se passaram quatro anos, porém lembra que conduziu a Srª Adriana e o acusado de estupro para a Unidade Policial. Ademais, quando perguntado se o policial conhecia o Sr. Delmiro, respondeu que no dia do fato ele tava lá, e que era um senhor de cabeça branca. Disse que ao chegar na delegacia o Delegado entendeu que a Srª Adriana teria sofrido importunação sexual, não sendo tentativa de estupro, mas lembra que estava na recepção e o inspetor que estava com a Srª Adriana fez alguns comentários desagradáveis. Quando perguntado novamente se o depoente viu o fato, ele respondeu que sim, dizendo que o IPC Delmiro disse que a vítima ‘era muito feia para ser estuprada.’ Os depoimentos dos policiais militares, condutores da vítima até a Unidade Policial, são revestidos de Fé pública, onde existe uma confiança atribuída pelo estado democrático de direito aos agentes públicos para prática dos atos públicos, cuja veracidade e legalidade se presumem, devendo ser exercida nas exatas limitações constitucionais e legais, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal, então, baseado no Princípio da fé pública, entendo que existiu violação de deveres e transgressão disciplinar […] Ex positis, examinados os autos da presente Sindicância Disciplinar, em que é sindicado o servidor Delmiro Gomes Mendonça, Inspetor de Polícia Civil, à luz do que nele contém e à vista de tudo o quanto se expendeu e considerando a falta de zelo com o serviço público, referente a conduta praticada pelo sindicado, que se revestem de média lesividade ao serviço público, sendo transgressão de 2º grau, de porquanto perpetradas justamente por policial civil, a quem é incumbido o dever de zelar pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, e tem o dever de cumprir as normas legais regulamentadas, afigura-se adequado o apenamento administrativo médio aplicado ao servidor, faz-se imperioso dar primazia à solução dos conflitos pela via consensual, razão pela qual, in casu, sugiro submeter o processo em epígrafe ao núcleo especializado existente nesta Controladoria Geral, na medida em que o caso em análise preenche os requisitos legais que autorizam a submissão ao NUSCON/CGD […]”; CONSIDERANDO que a Orientação da CESIC/CGD (fls. 242) exarou o seguinte posicionamento acerca do feito: “[…] Diante do exposto, verifico que resta razão ao Sindicante quanto ao mérito, diante da demonstração de que o IPC Delmiro Gomes Mendonça não agiu com urbanidade no atendimento à vítima que foi levada até a delegacia, tendo o dever de tratar a vítima com o devido respeito, e por consequência, suas atitudes demonstraram que não procedeu na vida pública de forma a dignificar a função policial e seus comentários geraram descrédito à instituição Polícia Civil. No entanto, no que se refere a sugestão de submeter o presente caso ao NUSCON, discordo do entendimento do Sindicante, uma vez que, apesar de não constar da Certidão da CEPRO/CGD, nenhuma punição ao servidor nos últimos cinco anos, a fala e conduta do IPC Delmiro Gomes Mendonça, em relação a vítima que procurou ajuda policial para uma situação de violência sexual, não preenche os requisitos exigidos pela Lei nº 16.039/2016, em especial, o previsto no artigo 3º, inciso IV da mencionada lei, uma vez que tal comportamento atingiu direito fundamental da vítima (honra, moral...), bem como trata-se de conduta desonrosa em relação a esta, gerando revitimização da mulher que procurou atendimento policial. Desta forma, discordo do Sindicante, e entendo pela aplicação da sanção de suspensão ao servidor sindicado, nos termos do artigo 104, inciso II c/c artigo 106 da Lei nº 12.14/1993 […]”; CONSIDERANDO que a Coordenação da CODIC/CGD (fl. 243) acompanhou o posicionamento da CESIC/CGD, nos seguintes termos: “[…] Quanto ao mérito, homologamos o entendimento firmado pela Orientadora da CESIC, fls.242, não sendo cabível, assim, a solução consensual no caso em tela. Ademais, a informação prestada pela CEPRO às fls.214, indica a existência de sindicância n.º 182977110 que no sistema encontra-se na ASJUR, procedimento esse no qual o servidor fora beneficiado com a suspensão condicional do processo […]”; CONSIDERANDO que, em consonância com o parecer do sindicante, a palavra da vítima foi corroborada por prova teste- munhal, no caso, o depoimento do SD PM Francisco Glaubenir Gomes Andrade (fls. 184), concluindo-se que ambos os relatos se apresentam suficientemente coesos e, quando somados, demonstram aptidão para o reconhecimento da procedência da hipótese acusatória por parte desta autoridade julgadora, basean- do-se na livre apreciação da prova; CONSIDERANDO que, confirmada a ocorrência dos fatos tal qual deduzidos na portaria, impõe-se a aplicação de sanção proporcional e razoável ao caso, dentro dos limites da legislação de regência (Lei Estadual nº 12.124/93), tomando-se ainda como parâmetro o disposto no § 2º do art. 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657/1942), incluído pela Lei nº 13.655/2018, o qual dispõe que “Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente”; CONSIDERANDO que, por mais que a conduta levada a efeito pelo sindicado se revista de um alto grau de reprovabilidade no seio social, não pode ser enquadrada em nenhum crime, pois, embora tenha gerado inequívoca revitimização/ sobrevitimização de uma mulher que acabara de ser vítima de um crime de cunho sexual, os delitos criados para coibir tais práticas – dos quais se destaca o art. 15-A da Lei nº 13.869/2019 (Violência Institucional), incluído pela Lei nº 14.321/2022; e o art. 147-B (Violência psicológica contra a mulher) do Código Penal, incluído pela Lei nº 14.188/2021 – só entraram em vigor no ordenamento jurídico após a data dos fatos aqui apurados e, por força constitucional (Art. 5º, XL), não o alcançam, o que nos leva a concluir que estamos diante de um ilícito que cinge-se apenas ao campo disciplinar; CONSIDERANDO que, pelas razões expostas pela Coordenação da CODIC/CGD (fls. 243) e Orientação da CESIC/CGD (fls. 242), não são cabíveis ao caso os institutos da Lei Estadual nº 16.039/2016; CONSIDERANDO que a transgressão perpetrada pelo sindicado sujeita-se ao seguinte enquadramento: violação aos deveres do art. 100, I (cumprir as normas legais e regulamentares) e XII (assiduidade, pontualidade, urbanidade e discrição), bem como caracteriza as transgressões disciplinares do segundo grau, previstas no Art. 103, ‘b’, I (não ser leal às Instituições), II (não proceder na vida Pública ou particular de modo a dignificar a função policial), XVIII (interferir indevidamente em assunto de natureza policial que não seja de sua competência) e XXIII (tecer comentários que possam gerar descrédito da instituição policial), todos da Lei nº 12.124/93; CONSIDERANDO, por fim, que a Autoridade Julgadora, no caso o Controlador Geral de Disciplina, acatará o relatório da Autoridade Sindicante, sempre que estiver em conformidade com as provas dos autos, consoante descrito no Art. 28-A, §Fechar