6 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº190 | FORTALEZA, 09 DE OUTUBRO DE 2023 (GRECO, Rogério. Código Penal Comentado – Impetus, 11ª Ed., Rio de Janeiro/RJ - 2017, pág. 1602). De igual modo, Rogério Sanches Cunha esclarece, in verbis: “Discute-se se haverá o crime em caso de ânimo de uso. A resposta está umbilicalmente ligada à natureza da coisa apoderada (ou desviada) momentaneamente. Sendo consumível com o uso, existe o crime; se não consumível, teremos mero ilícito civil. Desse modo, inexistiria o delito se o agente utilizasse equipamentos pertencentes à administração, com nítida intenção de devolvê-los, ficando a punição restrita à esfera cível, administrativa ou política” (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte especial – JusPodivm, 9ª ed., rev., ampl. e atual., Salvador/BA - 2017, pág. 780). O Superior Tribunal de Justiça já tem entendimento consolidado de que, “Analogamente ao furto de uso, o peculato de uso também não configura ilícito penal, tão somente administrativo” (STJ, HC 94168/MG, Min.ª Jane Silva [Des.ª convocada do TJ/MG], 6ª T., DJ 22/4/2008); CONSIDERANDO que o conjunto probatório produzido no presente Processo Administrativo Disciplinar foi mais do que suficiente para demonstrar, de forma irrefutável, que o EPC Hudson Barbosa Pimenta utilizou indevidamente um veículo formalmente apreendido em autos de inquérito policial, causando, inclusive, prejuízos a terceiros; CONSIDERANDO que o artigo 97 da Lei Estadual nº 12.124/1993, preceitua que o “O policial responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições ficando sujeito, cumulativamente, às respectivas cominações”; CONSIDERANDO que o Art. 197 da Lei Estadual nº 12.124/1993 que “a sanção cabível para a transgressão disciplinar do terceiro grau é a demissão”; CONSIDERANDO que, nos termos do mencionado diploma normativo, consideram-se transgressões de terceiro grau aquelas tipificadas na alínea “c”, do Art. 103, dentre as quais se inclui a prevista no inc. III (procedimento irregular, de natureza grave), transgressão esta praticada pelo defendente. Sobre a transgressão prevista no inc. III (procedimento irregular de natureza grave), Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera, in verbis “É de se lembrar também que existem defensores da tese de que o ‘procedimento irregular’ somente se caracteriza quando se trate de ilícito funcional. Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo que ‘o procedimento irregular, previsto no Estatuto, é relativo à atividade funcional do servidor público e não à sua conduta na vida privada (RDA 52/188). Em defesa desse entendimento, o acórdão cita a lição de Themístocles Brandão Cavalcanti, que considera como tal ‘o procedimento escandaloso, no sentido de sua desconformidade entre o procedi- mento funcional e a falta de cumprimento dos deveres do cargo’. E cita também o entendimento adotado pelo DASP no sentido de que o procedimento irregular é aquele ‘oposto à justiça ou à lei, e contrário aos princípios de moral com que se deve conduzir o funcionário no desempenho do cargo ou função pública.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo – Forense, 32ª Ed., 2019, p. 1379-1380). Pelo que se depreende das provas produzidas durante a instrução, o servidor, com sua conduta, agiu em desconformidade com os princípios com que se deve conduzir o servidor público no desempenho de sua função; CONSIDERANDO que o conjunto probatório produzido nos autos revelou-se suficientemente coeso para viabilizar a conclusão de punição demissória em relação ao EPC Hudson Barbosa Pimenta – M.F. nº 151.892-1-5, haja vista que as condutas praticadas pelo acusado são suficientemente gravosas e incompatíveis com o exercício da função policial civil, ensejando a sanção disciplinar de demissão nos termos do art. 107 da Lei nº 12.124/1993. De modo a exaurir a cognição e justificar a punição demissória, é pertinente dizer que o poder disciplinar busca, como finalidade fundamental, velar pela regularidade do serviço público, aplicando, para tanto, medidas sancionatórias aptas a atingir esse desiderato, respeitando-se sempre o princípio da propor- cionalidade e seus corolários (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). No caso concreto dos autos, pelo acentuado grau de reprova- bilidade da conduta, outra solução não se impõe como a adequada e, ao mesmo tempo, necessária, senão a demissão, porquanto, diante da infração funcional de patente natureza desonrosa levada a efeito pelo acusado EPC Hudson Barbosa Pimenta, qualquer sanção diversa da demissória não atingiria o fim que orienta a própria razão de ser da atividade correcional disciplinar, pois não se admite que um servidor público policial, cuja função precípua é a de combater a criminalidade, tenha utilizado, em proveito próprio, um veículo de placas clonadas que estava formalmente apreendido na delegacia em que atuava, causando prejuízos à proprietária do veículo de placas verdadeiras, bem como à imagem da instituição policial civil. Em relação ao DPC Paulo André Maia Cavalcante, as provas colhidas durante a instrução foram conclusivas em demonstrar que o DPC Paulo André Maia Cavalcante, muito embora tenha agido com a finali- dade de resguardar um bem apreendido em sede de inquérito policial, agiu em desconformidade com os preceitos legais previstos na legislação de referência, tendo concorrido, ainda que culposamente, para que o EPC Hudson Barbosa Pimenta utilizasse indevidamente e para fins particulares, o veículo apreendido que estava em seu poder, causando, inclusive, prejuízos a terceiros. Em auto de qualificação e interrogatório acostado às fls. 185/187, o DPC Paulo André Maia Cavalcante confirmou ter concedido autorização para que o IPC Hudson guardasse o veículo apreendido na residência em sua própria residência, mas ressaltou que nenhum momento autorizou que o escrivão utilizasse o automóvel para fins particulares. O defendente asseverou que em dezembro de 2017 recebeu uma informação não oficial de que o veículo citado anteriormente poderia ser alvo de subtração ou de dano, por parte de membros da quadrilha de que faziam parte as pessoas que foram presas na posse do mencionado veículo, o que motivou o defendente a solicitar que o EPC Hudson guardasse o auto- móvel em sua residência, ressaltando que seu único intuito foi o de resguardar o bem que estava sob a guarda do Estado. Nesse diapasão, as testemunhas IPC Raquel da Conceição Barbosa (fls. 170/171), IPC Sandro Barros Barbosa (fls. 172/173) e IPC João Luiz Pinheiro de Souza (fls. 174/175) confirmaram a existência de informações que apontavam que a delegacia do 7º distrito policial poderia sofrer ataques por parte de criminosos. Por sua vez, o DPC Pedro Viana de Lima Júnior (fls. 155/156) confirmou que em conversa com o DPC Paulo André Maia Cavalcante, este teria relatado que o veículo apreendido estaria na posse do EPC Hudson Barbosa Pimenta com o intuito de evitar que fosse danificado. Outrossim, o DPC Alexandre Paulo de Brito Saunders (fls. 157/158) aduziu que, na ocasião, o DPC Paulo André lhe explicou que havia autorizado apenas que o escrivão guardasse o veículo na residência, de modo a impedir que o automóvel sofresse algum tipo de dano e que o delegado não autorizou que o servidor fizesse uso pessoal do veículo. Pelo que se depreende dos depoimentos retromencionados, parece verossímil a versão apresentada pelo defendente de que a autorização concedida ao EPC Hudson tinha como objetivo garantir a segurança do automóvel, haja vista a ameaça de que o bem poderia sofrer ataques de criminosos. Entretanto, não resta dúvida que o delegado acusado agiu em desconformidade com o disposto no Manual de Procedimentos de Polícia Judiciária do Estado do Ceará, instituído pela Portaria GS/DGPC nº 0617/2013, que preconiza que o automóvel aprendido poderá ser recolhido na própria sede da delegacia quando dispuser de condições para sua guarda, ficando, neste caso, sob a responsabilidade de seu titular, a quem compete dar conhecimento do fato ao gerente do depósito mais próximo, para fins de registro e controle no sistema. Conforme se extrai do dispositivo normativo supra, não há previsão legal para que servidores fiquem na posse de veículos apreendidos. Assim, a autoridade policial deveria ter adotado as providências necessárias para a devolução do veículo para a seguradora, real proprietária do bem, já que, consoante depoimento prestado pela senhora Maria Marlene Maciel Almeida (fls. 141/142), o EPC Hudson já havia tentado contatá-la, oportunidade em que recebeu a informação de que a seguradora já havia indenizado a proprietária, onde se infere que a autoridade policial já sabia a quem deveria restituir o bem. Destarte, não obstante sua intenção de apenas resguardar o veículo apreendido, não resta dúvida que o delegado defendente adotou procedimento inadequado e fora dos casos previstos em lei, já que o acautelamento de veículos apreendidos somente se aplica nas hipóteses previstas no Art. 62 da Lei Federal nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), o que não se verificou no presente caso. Por todo o exposto, conclui-se que o DPC Paulo André Maia Cavalcante incorreu nos descumprimentos de deveres tipificados ao teor do Art. 100, incs. I (cumprir as normas legais e regulamentares) e II (zelar pela economia e conservação dos bens do Estado, especialmente daqueles que lhe sejam entregues para guarda ou utilização), assim como incorreu na trans- gressão disciplinar prevista no Art. 103, alínea “b”, inc. XIX (fazer uso indevido de bem ou valor que lhe chegue às mãos, em decorrência da função, ou não entregá-lo, com a brevidade possível, a quem de direito), todos da Lei Estadual nº 12.124/1993 (Estatuto da Polícia Civil de Carreira do Estado do Ceará). No entanto, imperioso ressaltar que o Art. 112, inc. II, § 1º, incs. I e II, da Lei Estadual nº 12.124/1993, preleciona que as faltas sujeitas à repreensão e suspensão prescrevem, respectivamente, em 02 (dois) e 04 (quatro) anos. Por sua vez, o Art. 112, § 2º, do mesmo diploma normativo, assevera que o prazo prescricional inicia-se na data do fato e interrompe-se pela abertura de sindicância e, quando for o caso, pela instauração do processo administrativo ou pelo seu sobrestamento. In casu, a publicação da portaria de instauração do presente procedimento, marco interruptivo da prescrição, se deu no dia 26 de março de 2018, conforme D.O.E. CE nº 057; CONSIDERANDO que este Órgão Correicional, desde o dia 16 março do ano de 2020, vinha seguindo as diretrizes adotadas pelo Governo do Estado do Ceará e, assim, suspendeu as audiências e sessões de julgamento, além dos prazos processuais, até o dia 14/08/2020, nos termos da Portaria nº 225/2020, publicada no DOE CE nº 137, de 30/06/2020, o que acarretou atrasos nas conclusões e no regular seguimento dos atos processuais. Saliente-se que no dia 31 de julho de 2020, fora publicado no D.O.E CE nº 165, o Decreto nº 33.699, de 31/07/2020, onde o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado do Ceará determinou a cessação, a partir da data da publicação do aludido Decreto, da prorrogação do prazo de suspensão da prescrição estabelecida na Lei Complementar nº 216, de 23/04/2020, referentes as infrações disciplinares apuradas em sindicâncias e processos também em tramitação nesta CGD. Nessa toada este signatário, através da Portaria nº 258/2020, publicada no D.O.E CE nº 169, de 05/08/2020, determinou a alteração para o dia 31/07/2020, da data final da suspensão dos prazos processuais, audiências e sessões de julgamento deste Órgão de Controle Disciplinar, anterior- mente prevista no Art. 1º da Portaria nº 225/2020, publicada no D.O.E CE nº 137, de 30/03/2020, mencionada outrora. Assim, conclui-se que os prazos prescricionais permaneceram suspensos por um período de 138 (cento e trinta e oito) dias; CONSIDERANDO que os fatos imputados ao DPC Paulo André Maia Cavalcante ocorreram no dia 21 de dezembro de 2017, marco inicial de contagem do prazo prescricional, cuja interrupção se deu com a publicação da portaria instauradora em 26 de março de 2018, verifica-se que o descumprimento dos deveres previstos no Art. 100, incs. I e II, da Lei Estadual nº 12.124/1993, sujeitos à sanção de repreensão, prescreveram em 11 de agosto de 2020. Por sua vez, a transgressão disciplinar prevista no Art. 103, alínea “b”, inc. XIX, sujeita à sanção de suspensão, prescreveu em 11 de agosto de 2022; CONSIDERANDO que a prescrição é matéria de ordem pública e, por tal razão, pode ser reconhecida em qualquer fase processual; CONSIDERANDO o enunciado contido no § 4º do art. 28-A, da Lei Complementar nº 98, de 13/06/2011, in verbis: “O Controlador-Geral de Disciplina após o recebimento do processo proferirá a sua decisão. […] § 4º O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos”; CONSIDERANDO que as fichas funcionais, acostadas às fls. 45/86, apontam que: a) O DPC Paulo André Maia Cavalcante ingressou na Polícia Civil em 25/01/2000, possui 09 (nove) elogios e não apresenta registro ativo de punições disciplinares; b) O EPC Hudson Barbosa Pimenta ingressou na Polícia Civil em 21/07/2004, possui 08 (oito) elogios e não apresenta registro ativo de punições disciplinares; CONSIDE- RANDO que todos os meios estruturais de se comprovar ou não o envolvimento transgressivo dos processados foram esgotados no transcorrer do presente feito administrativo; RESOLVE, diante do exposto: a) Acatar o Relatório Final nº05/2018, às fls. 254/269, ratificado pelo Excelentíssimo Senhor Contro- lador Geral de Disciplina e; b) Punir o EPC HUDSON BARBOSA PIMENTA – M.F. nº 151.892-1-5, com a sanção de DEMISSÃO, com fundamentoFechar