DOU 15/02/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 31, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
2. PARECER
2.1 Do registro contábil da adjudicação de bens para a União. Conceito de receita e de
despesa pública
15. A área técnica do INCRA expôs as perplexidades suscitadas em razão da necessidade
de empenhar recursos orçamentários para viabilizar a adjudicação de imóveis rurais, no
curso de processos executivos (seq. 7).
3.9.1. O procedimento previsto na Portaria Conjunta AGU/MDA nº 12/2014
exige que após instrução do processo administrativo, o dirigente máximo do Incra
ratifique o interesse da autarquia e apresente o atesto da disponibilidade orçamentária
para pagamento da adjudicação. Tal atesto orçamentário deve englobar o valor total do
imóvel, correspondente ao seu valor de mercado.
3.9.2. Assim, pela norma atualmente em vigor, o Incra precisa atestar a
disponibilidade de recursos orçamentários no momento da ratificação de interesse na
adjudicação, pelo dirigente máximo da autarquia.
3.9.3. Adjudicado o imóvel, caberá ao Incra realizar a transferência financeira
à entidade credora, medida que poderá ser implementada por meio do SIAFI e que
implica na disponibilização do valor integral do imóvel.
3.9.4. A única exceção ocorrerá na hipótese de a entidade credora ser o
próprio Incra, situação em que a autarquia deverá depositar em juízo apenas "o valor
que exceder ao montante da dívida, devidamente atualizada".
3.9.5. Contudo, a obrigatoriedade de que o Incra transfira à entidade credora
o valor total do imóvel, suscita dúvidas.
3.9.6. Isso porque, ao destinar ao Programa Nacional de Reforma Agrária um
imóvel rural cuja origem tenha sido a adjudicação pela União ou suas autarquias, em
sede de execução fiscal, o Incra incorpora um bem público. Tanto é assim, que a
transferência ao Incra é efetivada pela Secretaria do Patrimônio da União. E, via de
regra, a incorporação de imóveis públicos da União se dá a título gratuito, uma vez que
ao Incra compete, apenas, dar-lhes destinação, no âmbito do PNRA.
3.9.7. Assim, o procedimento previsto na Portaria Conjunta AGU/MDA nº
12/2014 - ao exigir do Incra a demonstração da disponibilidade orçamentária e, ao final,
o pagamento do valor integral do imóvel - destoa dos procedimentos usualmente
utilizados para transferências de imóveis da União para fins de destinação à Reforma
Agrária.
3.9.8. A exigência de transferência financeira correspondente ao valor integral
do imóvel à entidade credora torna a adjudicação tão onerosa - do ponto de vista do
impacto orçamentário - quanto quaisquer outras formas de obtenção de imóveis ao
Programa Nacional
de Reforma
Agrária, a
exemplo da
compra e
venda e
da
desapropriação por interesse social, a despeito da conveniência da utilização do
instrumento tendo em vista a possibilidade de encerrar execuções fiscais em curso, com
incorporação de imóvel ao patrimônio público e destinação a política pública de
responsabilidade da União.
16. O conteúdo das normas veiculadas na Portaria Conjunta AGU/MDA nº 12/2014
explicitam o entendimento, até então preponderante na Secretaria do Tesouro Nacional,
quanto à forma de registro contábil das operações de recebimento de dívida ativa por
meio de bens, consoante disposto no Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor
Público.
3.6.6. Receita Orçamentária Por Baixa De Dívida Ativa Inscrita
O recebimento de dívida ativa corresponde a uma receita, pela ótica
orçamentária, com simultânea baixa contábil do crédito registrado anteriormente no
ativo, sob a ótica patrimonial. As formas de recebimento da dívida ativa são definidas em
lei, destacando-se o recebimento em espécie e o recebimento na forma de bens, tanto
pela adjudicação quanto pela dação em pagamento, sendo que o recebimento na forma
de bens também poderá corresponder a uma receita orçamentária no momento do
recebimento do bem, efetuando-se o registro da execução orçamentária da despesa com
a sua aquisição, mesmo que não tenha havido fluxo financeiro. Esse procedimento
permite a observância da legislação quanto à destinação dos recursos recebidos de dívida
ativa. Observe-se que, mesmo que não se efetue a execução orçamentária da receita e
da despesa decorrente desse procedimento, a administração deve propiciar os meios
para que a destinação dos recursos recebidos em dívida ativa, mesmo que na forma de
bens, seja garantida.[3]
17. O
Consultor Jurídico do
Ministério do
Planejamento e Orçamento,
em sua
manifestação por meio do Parecer nº 00336/2023/CONJUR-MPO/CGU/AGU (seq. 29),
apresenta posição um pouco diversa da contida no Manual de Contabilidade Aplicada ao
Setor Público. Referido opinativo assevera, citando lição de Richard e Peggy B. Musgrave,
que:
"(...) a função alocativa do Estado não se resume à questão orçamentária.
Conforme os autores, as políticas regulatórias também "poderiam ser consideradas parte
da função alocativa" do Estado (1980, p. 6). Há diversas escolhas alocativas realizadas
pelo Estado que não se dão pelo processo orçamentário, como ocorre com a afetação
de bens públicos (imóvel que se destina a uma escola, i. e.), pela intervenção do Estado
na economia, pela atuação do Estado como acionista de empresas ou cotista de fundos
privados e com a destinação de bens adjudicados para políticas públicas diversas. Em
outras palavras, tão somente a alocação de receitas públicas(despesas públicas) está
sujeita ao processo orçamentário." (realces no original)
18. Nessa linha de ideias, ele desenvolve o conceito de receita pública da seguinte
forma:
II. 2. Do conceito jurídico de receita pública
8. Como reiterado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em diversos
de seus pareceres, dentre os quais o Parecer SEI nº 9057/2022/ME, receita pública é o
ingresso definitivo e incondicional de recursos financeiros no Erário (Oliveira, 2019, p.
222). Marcus Abraham destaca que "para a entrada financeiras e tornar uma efetiva
receita pública e não ser um mero ingresso financeiro, o recurso deverá passar a integrar
o patrimônio público deforma definitiva" (2015, p. 90).
9. Aliomar Baleeiro (2006, p. 125-126) ensina o conceito de receita pública à
luz da teoria do ingresso - adotada pelo art. 2º, § 1º, do Decreto nº 93.872, de 23 de
dezembro de 1986:
"Para auferir o dinheiro necessário à despesa pública, os governos, pelo
tempo afora, socorrem-se de uns poucos meios universais: a) realizam extorsões sobre
outros povos ou deles recebem doações voluntárias; b) recolhem as rendas produzidas
pelos bens e empresas do Estado; c) exigem coativamente tributos ou penalidades; d)
tomam ou forçam empréstimos; e) fabricam dinheiro metálico ou de papel. (...)
As quantias recebidas pelos cofres públicos são genericamente designadas
como "entradas" ou "ingressos". Nem todos esses ingressos, porém, constituem receitas
públicas, pois alguns deles não passam de "movimentos de fundo", sem qualquer
incremento do patrimônio governamental, desde que estão condicionados a restituição
posterior ou representam mera recuperação de valores emprestados ou cedidos pelo
governo. (...)
Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem
quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto,
como elemento novo e positivo."
Em todos os casos, pois, adota-se a teoria do ingresso, pela qual o conceito
de receita pública pressupõe que haja efetivo ingresso de recursos financeiros no Erário.
Esta foi a análise encampada no Parecer SEI nº 9262/2021/ME, sobre o Sistema
Eletrônico dos Registros Públicos - SERP, e nos Pareceres no 362/2015 e 4598/2020/ME,
sobre o extinto Fundo PIS-PASEP, dentre outros. (destaques no original)
19. No tópico seguinte, discorre sobre o conceito de despesa pública:
II. 3 Do conceito jurídico de despesa pública
11. Em termos jurídicos, despesa pública é tradicionalmente conceituada
como "a aplicação de certa quantia em dinheiro, por parte da autoridade ou agente
público competente, dentro de uma autorização legislativa, para execução de fim a cargo
do governo" (BALEEIRO, 2006, p. 73). Para Carlos Valder do Nascimento, trata-se
"desembolso de dinheiro visando a cobrir os gastos cometidos ao Estado em favor da
população". O professor explica que "a expressão despesa pública decorre do fato de ser
ela decorrente das receitas despendidas pelo Poder Público" (2013, p.72).
12. O conceito de atividade financeira do Estado é geralmente colocado como
a atividade de "captação de recursos financeiros (receitas públicas) para o Estado, a sua
administração (gestão e controle) e, finalmente, a respectiva aplicação (despesas
públicas)" (ABRAHAM, 2015, p. 9). Em outras palavras, "o Estado tem a necessidade de
se abastecer monetariamente para financiar o atendimento e o cumprimento de seus
objetivos. Após a entrada de dinheiro, por arrecadação, deve aplicá-lo nos fins
previamente traçados. Daí a despesa" (OLIVEIRA, 2019, p.404).
13. No curso de 2013, contudo, a PGFN, no âmbito do Parecer PGFN/CAF nº
1221/2013, havia
concordado com
tese veiculada
ao tempo
pela Secretaria
de
Orçamento Federal e pela Secretaria do Tesouro Nacional no sentido de que a
adjudicação de bens consistiria em uma despesa pública, porque gera "a baixa de um
crédito e a correspondente entrada de uma receita".
14. O questionamento não havia sido trazido novamente até que pelo Parecer
Conjunto SEI nº 51/2022, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional concluiu que "a
compensação não configura despesa pública, pois não se trata de 'aplicação de certa
quantia em dinheiro'" (BALEEIRO, 2006, p. 73), "desembolso de dinheiro" (NASCIMENTO,
2013, p. 72), aplicação do dinheiro arrecadado (OLIVEIRA, 2019, p. 404) ou aplicação
dos recursos financeiros captados (ABRAHAM, 2015, p. 9). Assim, a realização de
compensações entre dívidas, nos termos do § 11 do art. 100 da Constituição, não está
condicionada à prévia dotação orçamentária, não havendo que se falar em incidência do
art. 167, inciso II, da Constituição".
15. Em outras palavras, de acordo com o referido parecer, a mera "baixa de
um crédito e a correspondente entrada de uma receita" não fazem surgir, per se, uma
despesa pública.
16. O entendimento de que "a baixa de um crédito e a correspondente
entrada de uma receita" implicaria em despesa pública foi revisto, pois, pela própria
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
17. O art. 104 da Lei nº 4.320, de 4.320, de 17 de março de 1964, prevê que
"a Demonstração das Variações Patrimoniais evidenciará as alterações verificadas no
patrimônio, resultantes ou independentes da execução orçamentária, e indicará o
resultado patrimonial do exercício".
18. Em outras palavras: meras variações patrimoniais não se confundem com
despesa pública, muito embora as despesas públicas possam gerar variações
patrimoniais. O art. 104 da Lei nº 4.320 prevê, pois, que nem tudo que gera variação
patrimonial deve ser refletido no orçamento - mas apenas aquilo que for despesa
pública.
19. Por fim, gize-se que, apesar de no Acórdão nº 56/2021 o Tribunal de
Contas da União (TCU) ter entendido que a caracterização de despesa pública
independe de fluxo financeiro, esta posição não logrou êxito em se consolidar e foi
logo revisitada, no ano seguinte, no âmbito do Acórdão nº 1771/2022, pelo qual se
concluiu que a integralização de cotas com imóveis "não requer nem dotac–ão e execuc–ão
orçamentária, nem previsão e reconhecimento de receita orçamentária". O TCU ressalta
que apenas "eventual aporte de recursos financeiros"
dependerá de dotação
orçamentária.
20. Este entendimento foi defendido perante o TCU pela Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional, que pelo Parecer SEI nº 17948/2021/ME concluiu que "a
integralização de imóveis da União em Fundos de Investimento imobiliário não requer
nem (i) a previsão de arrecadação de receita específica, nem (ii) a autorização para a
realização de despesa específica, por se tratar de uma operação, pura e simples, de troca
de ativos, sem qualquer impacto direto e imediato nas capacidades de pagamento de
outros órgãos e entidades, públicos ou privados, e por não afetar as destinações de
receitas e as execuções de despesas que são objeto das decisões alocativas que devem
estar necessariamente refletidas no orçamento".
21. Pelo referido opinativo, a PGFN esclareceu que "o registro obrigatório e
universal de todas as receitas e despesas públicas no orçamento pressupõe, em tese, a
existência de um fluxo financeiro de recursos: receitas são arrecadadas e passam a
integrar a Conta Única do Tesouro Nacional, assim como despesas são realizadas por
meio do dispêndio efetivo de recursos financeiros à disposição da administração".
(destaques no original)
20. A posição defendida pela PGFN junto ao Tribunal de Contas da União, no citado
Parecer SEI nº 17948/2021/ME, encontrou eco na decisão do TCU, ACÓRDÃO 1771/2022
- PLENÁRIO, de 03/08/2022, assim ementado:
9.2.1. a integralização de imóveis em cotas de fundos de investimento
imobiliário é espécie sui generis de transação, que não requer nem dotação e execução
orçamentária, nem previsão e reconhecimento de receita orçamentária, sem prejuízo de
observar que a obrigatoriedade de constar ela da Lei Orçamentária Anual está mantida
quando houver eventual aporte de recursos financeiros e que deve haver registro da
receita orçamentária pelo menos no recebimento dos rendimentos pagos pelo fundo e
na realização ou vencimento das cotas de participação pertencentes à União;
9.2.2. a transparência desse tipo de transação deve ser assegurada mediante
registro em contas patrimoniais específicas e disponibilização de informações nos
balanços da União, e, assim, a administração pública deve avaliar a necessidade de
expedição do correspondente procedimento contábil específico sobre a operacionalização
do FII, buscando fixar os devidos parâmetros econômico-contábeis para o adequado
registro dos diversos atos e fatos, com a respectiva evidenciação e demonstração
contábil, em face dos procedimentos técnico-operacionais na aplicação do referido art.
20 da Lei n.º 13.240, de 2015, com a Lei n.º 13.465, de 2017, e a Lei n.º 13.813, de
2019, diante da Lei n.º 8.668, de 1993, observando, entre outros aspectos, a necessidade
de garantir a adequada mensuração e avaliação dos ativos entregues ao administrador
do FII;
9.2.3. o Ministério da Economia, com o objetivo de garantir segurança
jurídica, deve avaliar a expedição de decreto regulamentar para a operacionalização do
FII pela adequada aplicação do art. 20 da Lei n.º 13.240, de2015, com a Lei n.º 13.465,
de 2017, e a Lei n.º 13.813, de 2019, diante da Lei n.º 8.668, de 1993, com o intuito,
assim, de passar a, entre outros aspectos, definir os seguintes parâmetros técnicos: (a)
natureza jurídica dos bens públicos após a respectiva entrega ao administrador do FII, se
pública (dominical) ou privada; (b) estruturação orgânica para a efetiva segregação das
funções e definição das respectivas responsabilidades dos administradores;(c) execução
do subsequente controle gerencial da administração federal sobre a administração do FII
no âmbito, entre outras instâncias, da correspondente assembleia geral do fundo
imobiliário e execução de medidas para viabilizar a transparência ativa do FII e dos
relatórios gerenciais produzidos pelo FII, buscando fomentar o controle administrativo e
social sobre a gestão do patrimônio público aportado ao FII;
9.3. encaminhar cópia desta decisão ao Consulente, à Comissão de Valores
Mobiliários, à Advocacia-Geral da União, à Consultoria-Geral da União e à Procuradoria Geral
da República, com a informação de que o inteiro teor deste acórdão e do relatório e do voto
que o fundamentam está disponível no endereço eletrônicowww.tcu.gov.br/acórdãos.
(destaques acrescidos)
21. O Tribunal de Contas da União entendeu, dessa forma, que nem toda operação que
envolve o ingresso de bens e direitos no patrimônio da União constitui receita
orçamentária; assim como, não é toda operação envolvendo a saída de bens e direitos
que configura despesa orçamentária. No caso considerado, vislumbrou-se a possibilidade
de realização das operações de integralização de imóveis em cotas de fundos de
investimento imobiliário, sem a necessidade de previsão orçamentária. Nessa hipótese, a
União transfere a propriedade dos imóveis para o fundo e, em troca, passa a ser
detentora de cotas desse fundo, sem o ingresso ou saída de recursos financeiros dos
cofres da União.
22. A adjudicação de bens, em processos de execução, apresenta dinâmica semelhante. A
União, suas autarquias ou fundações, inicialmente detentoras de um crédito em face de
um devedor, não tendo logrado êxito em receber a dívida em dinheiro, fazem ingressar no
patrimônio da União um bem penhorado na execução, por meio do instrumento processual
da adjudicação, em contrapartida à quitação total ou parcial da dívida.

                            

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