DOE 14/03/2024 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XVI Nº051 | FORTALEZA, 14 DE MARÇO DE 2024
atingindo ambos e evadindo-se logo em seguida do local. Nesta senda, dolo, em sentido técnico penal, é a vontade de uma ação orientada à realização de um
delito, ou seja, é o elemento subjetivo que concretiza os elementos do tipo. O crime é considerado doloso quando o agente prevê objetivamente o resultado
e tem intenção de produzir esse resultado ou assume o risco de produzi-lo, conforme preceitua o art. 18, I, do CP. Segundo WELZEL, toda a ação consciente
é conduzida pela decisão de ação, é dizer, pela consciência do que se quer – o momento intelectual – e pela decisão a respeito de querer realizar – o momento
volitivo. Ambos os momentos, conjuntamente, como fatores configuradores de uma ação típica real formam o dolo. (PACELLI, Eugênio. Manual de Direito
Penal. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 272-273). No mesmo sentido, “são elementos do dolo, portanto, (conhecimento do fato – que constitui a ação típica)
e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato). A consciência do autor deve referir-se a todos os elementos do tipo, prevendo ele os dados essenciais
dos elementos típicos futuros em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os
elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base a sua decisão em praticá-la. Dessa forma, o dolo inclui não só o objetivo que o agente pretende
alcançar, mas também os meios empregados e as consequências secundárias de sua atuação. Sendo assim, o Brasil adotou, no art. 18, I, do Código Penal, a
teoria da vontade (para que exista dolo é preciso a consciência e vontade de produzir o resultado – dolo direto) e a teoria do assentimento (existe dolo também
quando o agente aceita o risco de produzir o resultado – dolo eventual)”. (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de Direito Penal. 13ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2019. p. 112-113). No caso em questão, os acusados atiraram na direção das vítimas com a intenção de matá-las, não conseguindo atingir o resultado
morte do outro, porque terceiros, a tempo o socorreram, conduzindo-o ao hospital, haja vista que após a ação, os militares, indiferente ao resultado, somente
preocuparam-se em se evadir do local. In casu, com base na materialidade, autoria e culpabilidade dos acusados, ambas as vítimas, foram atacadas de forma
súbita, enquanto se encontravam desprevenidas. Desse modo, suas condutas evidenciam a vontade de produzir a morte dos ofendidos, ou, ao menos, a assunção
do risco de produzir esse resultado, mormente em face da quantidade de disparos efetivados (pelo menos 4 a 6, como se depreende das próprias confissões
em sede de interrogatório), sendo assim, é cristalino que os PPMM agiram com animus necandi, ou seja, com a intenção (desejo) de matá-los, de forma livre
e consciente, motivo pelo qual se encontram reunidos os elementos volitivos e cognitivos do dolo de matar. No caso em tela, é incontroverso que os 2 (dois)
militares na vertente noite, agiram com dolo, pois suas atitudes de sacarem suas armas de fogo que transportavam consigo, e efetuarem disparos, tinha como
único desiderato, na verdade, atingir os ocupantes da moto. Portanto, clara, foi a intenção no ataque perpetrado em relação às pessoas atingidas. In casu, a
dinâmica dos fatos é claramente reveladora do propósito dos aconselhados, ante suas condutas. Nessa senda, a robusta prova testemunhal/material constante
nos autos, comprova que os acusados, recalcitrantes ao cumprimento do que prevê a lei, demonstraram evidente prática transgressiva, posto que ambos,
conforme confissão efetuaram os disparos, e no momento e dias subsequentes permaneceram inertes, os quais posteriormente passaram a sustentar uma
versão irreal dos fatos, ou seja, de que no dia teriam agido sob o manto da legítima defesa. Demais disso, quanto aos demais atos constantes na portaria
inaugural, quais sejam, a não justificativa dos disparos, o não registro dos fatos por meio de Boletim de Ocorrência a tempo, bem como a não adoção de
medidas no sentido de socorrer a pessoas lesionadas, consta-se que se omitiram de maneira deliberada, posto que têm a função de garante, ou seja, o encargo
do poder-dever de agir. Logo, a conduta dos aconselhados na esfera disciplinar por si só, já é de extrema gravidade, lapidar no sentido da materialidade da
infração. Nesse sentido, é o entendimento expedido pelo Supremo Tribunal de Justiça: “[…] A indigitada conduta só não resultou em prejuízo, porque foi
flagrada pelos controles administrativos, sendo de resto irrelevante a ocorrência ou não do prejuízo; para a punição importa apenas a infração ao dever função
ao dever funcional. Ordem denegada. […]” MS 20525/DF, MANDADO DE SEGURANÇA 2013/0345887-0, Relator(a) Ministro ARI PARGENTDLER
(1104), órgão Julgador S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgador 23.04.2014, Data da Publicação/Fonte DJe 30.04.2014 (grifou-se); CONSIDERANDO
que em última análise, do mesmo modo não merece amparo, se falar em inexistência material do fato ou de autoria (falta de provas), visto que os próprios
processados não negaram a autoria dos disparos ao serem ouvidos perante a Autoridade Policial e nesta Comissão Processante, só simplesmente fundamen-
taram seus atos em decorrência de hipotética excludente de antijuridicidade, porém não comprovada. No vertente caso, a materialidade, a autoria das condutas
transgressoras dos deveres éticos e disciplinares e a torpeza da motivação na execução dos atos encontram-se incontestes. Mormente pela própria confirmação
dos acusados, aliada a prova testemunhal acostada aos autos, revelando o cometimento das imputações constantes no bosquejo fático descrito na vestibular
acusatória. Nesse sentido, restou plenamente comprovado que os aconselhados praticaram as condutas descritas na exordial acusatória, fato inescusável,
afrontando a dignidade do cargo, descumprindo suas funções de policial militar, que é garantir na esfera de suas atribuições, a manutenção da ordem pública
e proteção às pessoas/sociedade, promovendo sempre, o bem-estar comum, dentro da estrita observância das normas jurídicas e das disposições do seu Código
Disciplinar e não proceder de forma contrária, pois de seus integrantes se esperam homens e mulheres que mantenham a disciplina, o senso do dever e o
firme propósito de cumprir os valores e deveres militares; CONSIDERANDO que cabe ainda frisar, que em relação à vítima sobrevivente, esta prestou
relevantes declarações desde os autos do IP de Portaria nº 1320/2020 (nº 322-1333/2020) instaurado para a elucidação dos eventos, assim como neste processo
regular (PAD), detalhando com riqueza de detalhes sua dinâmica, ou seja, de como os fatos se desencadearam, ratificando sem embargos os fatos formalmente
expostos perante a autoridade policial. Da mesma forma, o mesmo contexto foi corroborado pelas demais testemunhas, amigas das vítimas, as quias trafegaram
pela mesma via em outro veículo e que se encontravam paradas os aguardando em outro ponto da via, bem como pelas testemunhas ocupantes do veículo
dos aconselhados, as quais confirmaram que os motociclistas não estavam armados e pelos policiais militares que atenderam a ocorrência, que chegaram
coincidentemente ao local, após pouco tempo do ocorrido. Nessa perspectiva, calha ressaltar a unicidade e harmonia das declarações, demonstrando assim,
que as demais provas que depõem contra os acusados, foram reiteradas neste processo, sob o pálio do contraditório, afastando assim, qualquer condenação
baseada na exclusividade da prova indiciária, sem no entanto, desmerecer sua importância; CONSIDERANDO que na mesma esteira, é necessário sublinhar
ainda, que o valor probatório dos indícios colhidos durante a fase inquisitorial (IP de Portaria nº 1320/2020, nº 322-1333/2020), tem a mesma força que
qualquer outro tipo de prova, com a ressalva de não ser analisado de forma isolada, posto que deve ter coerência com as demais provas (MIRABETE, 2007)
(grifou-se). Na mesma senda, como explica Nucci (2015), “a prova indiciária, embora indireta, não diminui o seu valor, o que se deve levar em conta é a
suficiência de indícios, realizando um raciocínio dedutivo confiável para que se chegue a um culpado”; CONSIDERANDO ainda sobre a suposta ausência
de provas, como arguido, os resultados evidenciam que inobstante não repousar nos autos os laudos periciais de exames balísticos concernentes às armas de
posse dos aconselhados (pistola, marca Taurus, calibre .40, nº de série SP44701 e uma pistola, marca Taurus, calibre .40 S&W, nº de série SPL44850, acau-
teladas em nome do SD PM Lopes e do SD PM S. Carvalho, respectivamente, às fls. 67/68), pelas motivações expostas pela PEFOCE, às fls. 290/291, os
próprios aconselhados confessaram terem efetuado cerca de 2 (dois) ou 3 (três) disparos contra as vítimas, bem como as duas testemunhas que na ocasião se
encontravam no interior do veículo confirmaram os tiros. Nessa esteira, às fls. 129/131, consta o exame de corpo de delito (lesão corporal), registrado sob o
nº 2020.0109545 – PEFOCE (COMEL), datado de 01/10/2020, realizado no Sr. Pedro Henrique dos Santos Pereira (vítima sobrevivente), da lavra do perito
de matrícula nº 0002181-4, que na ocasião, assentou, in verbis: “[…] PARECER: HISTÓRICO: Periciando refere ter sido vítima de lesão for arma de fogo
no dia 19/07/2020, lesionando a nádega esquerda e a mão direita. Permaneceu internado 15 dias no IJF, onde foi submetido a tratamento cirúrgico. Relata
que aguarda inicio de fisioterapia. EXAME FÍSICO: Bom estado geral, lúcido, deambulando sem dificuldade. Apresenta: 1 – Cicatriz hipercrômica e hiper-
trófica na linha média do abdome, medindo cerca de 20,0 cm, compatível com abordagem cirúrgica de laparotomia. 2 – Bloqueio na articulação interfalangiana
proximal do 3° quirodáctilo direito. DOCUMENTOS MÉDICOS EXIBIDOS: Apresenta relatório de alta do IJF datado de 31/07/2020, assinado pela. Dra
Tainah Saboya, CRM 19869, descrevendo lesão por arma de fogo com fratura de bacia, fratura da falange média do 3° metacarpo direito, lesão de alça
intestinal. Submetido a tratamento cirúrgico de fratura de falange e enterectomia com enteroanastomose. […]”. Registre-se ainda, o relatório de alta/laudo
médico, oriundo do IJF Centro (fls. 107/109), referente a pessoa de Pedro Henrique dos Santos Pereira (vítima não fatal), cujo sumário clínico descreveu:
“[…] PACIENTE VITINA DE PAF EM NÁDEGA DIREITA SEM ORIFÍCIO DE SAÍDA, ADMITIDO NO DIA 19/07/2020. CHEGOU NA EMERGÊNCIA
DO IJF DESCORADO, ABDOME COM SINAIS DE PERITONITE DIFUSOS E APRESENTANDO VÔMITOS – FOI SUBMETIDO A UMA LAPA-
ROTOMIA EXPLORATÓRIA COM DR. BRUNO LINHARES E DR. GISLANO. PACIENTE EVOLUIU HEMODINAMICAMENTE ESTÁVEL,
CONCILIANDO SONO VIGÍLIA COM AJUDA DE DIAZEPAM 3 INICIADO NA INTERNAÇÃO. PROGRESSÃO DA DIETA SEM INTERCORRÊN-
CIAS, SEM NÁUSEAS OU VÔMITOS. EVACUAÇÕES E FLATOS PRESENTES. DIURESE INICIALMENTE POR SVD COLOCADA PARA VIGIAR
POSSÍVEL LESÃO PERIVESICAL, SEM ALTERAÇÕES URINARIAS, SENDO RETIRADA EM 5 DIAS. O PACIENTE FEZ USO DE CEFTRIAXONA
E CLINDAMICINA POR 6 DIAS, MANTENDO PICOS FEBRIS, DESSA FORMA FOI ESCALONADO ANTIBIÓTICO PARA VANCOMICINA E
TAZOCIM POR 7 DIAS, DESDE O ESCALONAMENTO NÃO APRESENTOU MAIS PICOS FEBRIS PACIENTE FOI SUBMETIDO A PROCEDI-
MENTO CIRÚRGICO DA PLASMA NO DIA 31/07/2020 […]”. Do mesmo modo, dormita nos autos, às fls. 140/143, o Laudo Cadavérico registrado sob
o nº 2020.0097385 – PEFOCE (COMEL) de Marcos Aurélio dos Santos da Silva, da Lavra do médico Perito Legista, matrícula 1980871-8, destacando-se,
in verbis: “[…] AO EXAME: Presença de entrada de projétil de arma de fogo em região dorsal, perfurou ambos os pulmões e saiu em região peitoral direita
e reentrou em braço direito, de onde foi retirado e encaminhado à balística. Presença de escoriações de arrasto em região dorsal (…). CONCLUSÃO (…)
perfuração pulmonar por projetil único de arma de fogo […]”. Na mesma esteira, verifica-se nos autos o laudo nº 20221.0166951 – referente a perícia em
local de crime contra a vida – homicídio (fls. 294/308), destacando-se, in verbis: “[…] DOS VESTÍGIOS. Quando do levantamento técnico pericial no local,
o signatário constatou os seguintes elementos materiais de interesse criminalístico (ver fotos): • As escoriações de arrasto nas costas, no ombro e no braço
esquerdo, indicam que a vítima tombou com a motocicleta em movimento (ver fotos); • Examinando os danos na motocicleta, foi registrado fotograficamente
danos no lado esquerdo do veículo que caracteriza a sulcagem no asfalto (ver fotos); • Na ocasião dos exames no local, o perito encontrou e registrou foto-
graficamente um vestígio balístico, mais precisamente um estojo de calibre .40. Este vestígio balístico encontrava-se aproximadamente 20 metros antes do
local onde estava a vítima e a motocicleta, este vestígio balístico foi apreendido pelo Delegado que estava no local (ver fotos); • A posição do cadáver, as
lesões na vítima, as marcas de sulcagem no asfalto e o vestígio balístico encontrado, indicam que a vítima foi atingida naquele local por disparo de arma de
fogo, sendo que a mesma encontrava-se com a motocicleta em movimento e após ser atingida na região esquerda das costas, tombou com o veículo sobre o
asfalto (ver fotos); Examinando as vestes da vítima, foi encontrado e registrado fotograficamente, 02 aparelhos de celular que também foram apreendidos
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