DOU 09/04/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 68, terça-feira, 9 de abril de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
urgência, as medidas necessárias para garantir a efetiva proteção das pessoas LGBTQIA+
privadas de liberdade;
CONSIDERANDO o disposto na Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984 -
Lei de Execução Penal -, em especial nos artigos 5º, 40, 41 e 45, que versam sobre a
individualização da execução penal, o respeito à integridade física e moral das pessoas
privadas de liberdade, os direitos da pessoa presa e sobre a racionalidade da aplicação de
sanções disciplinares no sistema prisional brasileiro;
CONSIDERANDO o Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, que dispõe sobre
o uso do nome social e o reconhecimento de gênero de mulheres transexuais, travestis e
homens
trans no
âmbito
da administração
pública
federal
direta, autárquica
e
fundacional;
CONSIDERANDO o teor da Resolução nº 348, do Conselho Nacional de Justiça,
que estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no
âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual,
transexual, travesti e intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de
liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitoradas eletronicamente;
CONSIDERANDO que o art. 2º da Resolução nº 348 do Conselho Nacional de
Justiça estabelece que a resolução tem por objetivo a garantia do direito à vida e à
integridade física e mental da população LGBTQIA+, assim como à sua integridade sexual,
segurança do corpo, liberdade de expressão da identidade de gênero e orientação afetiva,
emocional e/ou sexual, o reconhecimento do direito à autodeterminação de gênero e
sexualidade da população LGBTQIA+ e a garantia, sem discriminação, de estudo, trabalho
e demais direitos previstos em instrumentos legais e convencionais concernentes à
população privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitoração
eletrônica em geral, bem como a garantia de direitos específicos da população LGBTQIA+
nessas condições;
CONSIDERANDO o disposto na Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril 2014,
do Conselho Nacional de Combate à Discriminação- CNCD/LGBT e do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária-CNPCP/MJ, publicada no DOU de 17/4/2014;
CONSIDERANDO o teor da Nota Técnica nº 9/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/
DEPEN, que trata dos procedimentos quanto à custódia de pessoas LGBTI no sistema
prisional brasileiro, atendendo aos regramentos internacionais e nacionais, publicada no
DOU de 3/4/2020;
CONSIDERANDO as decisões do Supremo Tribunal Federal-STF, com força
vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública Federal,
Estadual e Municipal, proferidas:
- na Ação Direta de Inconstitucionalidade-ADI 4.277-DF, Relator Ministro Ay r e s
Britto, Tribunal Pleno, DJE de 14/10/2011, segundo a qual o STF assentou a proibição da
discriminação das pessoas em razão do gênero, bem como da orientação afetiva,
emocional e/ou sexual;
- na Ação Direta de Inconstitucionalidade-ADI 4275, Relator p/ Acórdão
Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJe de 7/3/2019, na qual o STF decidiu que o
direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero,
manifestação da própria personalidade da pessoa humana;
- na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão-ADO 26, na qual o STF
declarou a omissão do Estado brasileiro em proteger as pessoas LGBTQIA+, concluindo
pela subsunção das condutas homotransfóbicas aos diversos preceitos primários de
incriminação definidos em legislação penal já existente, a saber, a Lei 7.716/89 - Lei do
Racismo -, até que sobrevenha legislação autônoma editada pelo Congresso Nacional;
CONSIDERANDO a necessidade de garantir nas unidades prisionais a dignidade
e a segurança das pessoas LGBTQIA+, pois é necessário considerar não apenas a
intersexualidade, a identidade de gênero e a orientação afetiva, emocional e/ou sexual,
mas também sua segurança social, psíquica e corporal resolve:
Art. 1º Estabelecer os parâmetros de acolhimento das pessoas LGBTQIA + em
privação de liberdade no Brasil.
Da custódia
Art. 2º O reconhecimento da pessoa como parte da população LGBTQIA+ será
feito exclusivamente por meio de autodeclaração, que deverá ser colhida pelo(a)
magistrado(a) em audiência, em qualquer fase do procedimento penal, incluindo a
audiência de custódia, até a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena,
garantidos os direitos à privacidade e à
integridade da pessoa declarante. Nos casos em que o(a) magistrado(a), por
qualquer meio, for informado(a) de que a pessoa em juízo pertence à população
LGBTQIA+, deverá cientificá- la acerca da possibilidade da autodeclaração e informá-la, em
linguagem acessível, os direitos e garantias que lhe assistem.
Parágrafo único. A informação autodeclarada poderá ser armazenada em
caráter restrito, ou mesmo ser mantida sigilosa.
Art. 3º O local de privação de liberdade será definido pelo(a) magistrado(a) em
decisão fundamentada após questionamento da preferência da pessoa presa, que poderá
ocorrer em qualquer momento do processo penal ou da execução da pena, assegurada,
ainda, a possibilidade de alteração. A preferência de local de detenção declarada pela
pessoa constará expressamente da decisão ou sentença judicial que define o local de
privação de liberdade.
Parágrafo único. O direito à escolha da unidade deverá ser assegurado
especificamente às pessoas autodeclaradas mulheres e homens transexuais, travestis,
pessoas transmasculinas e pessoas não-binárias.
Art. 4º A alocação da pessoa autodeclarada parte da população LGBTQIA+ em
estabelecimento prisional, determinada pela autoridade judicial após escuta à pessoa
interessada, não poderá resultar na perda de quaisquer direitos relacionados à execução
penal em relação às demais pessoas custodiadas no mesmo estabelecimento,
especialmente quanto ao acesso ao trabalho, à educação, atenção à saúde, alimentação,
assistência material, social, religiosa, condições de cela, banho de sol, visitação e outras
rotinas existentes na unidade.
Art. 5º O(a) magistrado(a) deverá explicar, em linguagem acessível, a estrutura
dos estabelecimentos prisionais disponíveis na respectiva localidade, da localização de
unidades masculina e feminina, da existência de alas ou celas específicas para a população
LGBTQIA+, bem como dos reflexos dessa escolha na convivência e no exercício de
direitos.
Art. 6º Unidades, alas ou celas específicas para as pessoas LGBTQIA+ em
privação de liberdade não devem se destinar à aplicação de medida disciplinar ou de
qualquer método coercitivo para outras pessoas privadas de liberdade, bem como não
devem se destinar à segregação de pessoas acusadas de crimes contra a dignidade
sexual.
§1º Em hipóteses excepcionais, tais como superlotação nos espaços destinados
a pessoas LGBTQIA+ ou risco pessoal a estas pessoas provocado por motins, rebeliões ou
outras situações semelhantes, poderão estas pessoas ser alocadas em espaços (unidades,
alas ou celas) que não lhe são destinadas especificamente, desde que resguardadas sua
integridade física e direitos estabelecidos, após decisão fundamentada e aprovada pelo(a)
gestor(a) da unidade prisional, desde que em caráter temporário não superior a 30 (trinta)
dias, até encaminhá-las para o devido acolhimento, nos termos preconizados nesta
resolução.
§2º A Administração Penitenciária deverá comunicar o juízo responsável acerca
da excepcionalidade da medida prevista no §1º em até 24 (vinte e quatro) horas para
homologação.
§3º O prazo estabelecido no §1º pode ser prorrogado mediante decisão judicial
fundamentada.
§4º Após o decurso do prazo estabelecido no §1°, quando da apreciação da
prorrogação do período, o magistrado deverá avaliar a possibilidade de aplicar a
monitoração eletrônica às pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade que se encontrarem
em risco efetivo.
Art. 7º As pessoas intersexo serão encaminhadas à unidade feminina caso se
identifiquem com o gênero feminino ou à unidade masculina, caso se identifiquem com o
gênero masculino, podendo optar, na unidade que escolherem, pela custódia no convívio
geral ou em alas ou celas específicas.
Art. 8º Caberá ao(à) magistrado(a) indagar à pessoa autodeclarada parte da
população gay, lésbica, bissexual, assexual ou pansexual acerca da preferência pela
custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas. Nestes casos não haverá
escolha em relação à unidade prisional, mas apenas em relação a alas ou celas específicas,
devendo a pessoa ser alocada em unidade masculina ou feminina, conforme sua
identidade de gênero.
§1º O homem cisgênero gay deverá ser encaminhado para unidade masculina,
pois se identifica com o gênero masculino, podendo optar pela custódia no convívio geral
ou em alas ou celas específicas;
§2º A mulher cisgênero lésbica deverá ser encaminhada para unidade feminina,
pois se identifica com o gênero feminino, podendo optar pela custódia no convívio geral
ou em alas ou celas específicas;
§3º As pessoas cisgênero bissexuais,
assexuais ou pansexuais serão
encaminhadas à unidade feminina caso se identifiquem com o gênero feminino ou à
unidade masculina, caso se identifiquem com o gênero masculino, podendo optar, na
unidade que escolherem, pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas
específicas.
Art. 9º Em relação às pessoas transexuais, travestis, transmasculinas e não-
binárias, para garantir os direitos à integridade sexual, à segurança do corpo, à liberdade
de
expressão da
identidade
de
gênero e
ao
reconhecimento
do direito
à
autodeterminação de gênero, cabe ao(à) magistrado(a) indagar à pessoa assim
autodeclarada acerca da preferência pela custódia em unidade feminina ou masculina ou
específica, onde houver, e na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio
geral ou em alas ou celas específicas, inclusive em ala específica para pessoas transgênero,
onde houver.
§1º Travestis e mulheres transexuais devem ser orientadas sobre todos os
riscos que envolvem a tomada da decisão, e será facultada a escolha da unidade, feminina
ou masculina, que ficará a cargo da própria pessoa.
§2º Homens transexuais e pessoas transmasculinas devem ser orientados sobre
todos os riscos que envolvem a tomada da decisão, e será facultada a escolha da unidade,
feminina ou masculina, que ficará a cargo da própria pessoa. Na hipótese de escolha por
unidade masculina, o alerta sobre os riscos deverá conter a informação de que podem não
haver policiais penais femininas lotadas no local.
§3º Pessoas trans autodeclaradas não-binárias e que não se identificam nem
com o gênero masculino, nem com o feminino, devem ser orientadas sobre todos os riscos
que envolvem a tomada da decisão, devendo ser observados os seguintes critérios:
I - da forma com que a pessoa escolheu construir/performar publicamente sua
identidade, considerando sua expressão de gênero; e
II - da forma com que a pessoa construiu sua autoimagem na forma de se
apresentar publicamente.
§4º É recomendável que pessoas trans autodeclaradas não-binárias que foram
designadas homens ao nascer (AMAB) e que por escolha própria mantêm características
alinhadas ao gênero masculino, sejam encaminhadas ao espaço destinado a este gênero,
assim como aquelas designadas mulheres ao nascer (AFAB) e que mantenham, por escolha
própria, características alinhadas ao gênero feminino, sejam encaminhadas ao espaço
destinado a este gênero.
Art. 10. O(a) gestor(a) prisional ou responsável pela inclusão na unidade deve
alocar a pessoa LGBTQIA+ em conformidade com a decisão judicial que determinou a
prisão, independentemente de retificação de documentos ou da realização ou não de
cirurgia de redesignação sexual.
Parágrafo único. Havendo omissão na decisão judicial de encaminhamento ao
sistema prisional sobre a autodeclaração de pessoa LGBTQIA+ ou, ainda, divergência entre
o que fora decidido e o que é informado na entrada na unidade, deverá o(a) gestor(a) da
unidade alocar a pessoa em local que preserve sua segurança e imediatamente informar
o Juízo da Execução, para a correspondente deliberação.
Art.
11. Deve
ser viabilizada
a
criação e/ou
a implementação
de
estabelecimentos penais específicos, alas ou celas de convívio LGBTQIA+ nas unidades
penitenciárias femininas ou masculinas para promover a segurança e a integridade das
pessoas transexuais, travestis, transmasculinas e não-binárias, em razão da especificidade
da sua identidade de gênero.
Parágrafo único: A criação de qualquer espaço específico de privação de
liberdade destinado à pessoas LGBTQIA+ deve atentar para a descentralização geográfica
necessária com vistas à permanência da pessoa presa em local mais próximo possível ao
seu meio social e familiar.
Da autodeclaração de pessoa LGBTQIA+ na hipótese de suspeita de falsidade
Art. 12. Na hipótese de fundada suspeita de falsidade na autodeclaração de
pessoa LGBTQIA+, deverá ser instaurado procedimento apuratório pelo Juízo da Execução
Penal, com jurisdição sobre a unidade prisional, garantido o contraditório e a ampla defesa
à pessoa declarante.
§ 1º Considera-se falsa a autodeclaração da pessoa privada de liberdade que
não corresponda à sua vivência, experiências e/ou reconhecimento social como pessoa
LGBTQIA+, para alcançar finalidade diversa de garantia dos direitos à integridade sexual, à
segurança do corpo, à liberdade de expressão de gênero e ao reconhecimento do direito
à autodeterminação de gênero e de orientação afetiva, emocional e/ou sexual.
§2º O indício de falsidade da autodeclaração poderá ser reportado à diretoria
da unidade prisional por qualquer pessoa em cumprimento de pena na unidade, qualquer
servidor(a) lotado(a) na unidade ou por qualquer meio que possa ser considerado
suficiente para instaurar procedimento apuratório.
§ 3º A diretoria deverá informar ao Juízo da Execução Penal com jurisdição
sobre a unidade acerca da suspeita de falsidade no prazo máximo de 48 (quarenta e oito
horas) a partir da ciência - formal ou informal - da situação.
§ 4º Sobre a situação apurada, devem ser juntados ao processo de execução
penal da pessoa privada de liberdade:
a) parecer de profissional do serviço de psicologia do sistema prisional,
observados os parâmetros das Resoluções do Conselho Federal de Psicologia nº 1, de 22
de março de 1999; Resolução nº 1, de 29 de janeiro de 2018 e Resolução nº 8, de 17 de
maio de 2022;
b) parecer de profissional do serviço social do sistema prisional, observados os
parâmetros das Resoluções do Conselho Federal de Serviço Social nº 845, de 26 de
fevereiro de 2018 e nº Resolução nº 615, de 8 de setembro de 2011, e
c) parecer de comissão formada por três pessoas indicadas por entidades
reconhecidamente idôneas de defesa de direitos humanos das pessoas LGBTQIA+
constantes de banco de dados administrado pelo Juízo das Execuções Penais.
§ 5º Os pareceres serão emitidos após entrevistas reservadas com a pessoa
privada de liberdade que se declarou LGBTQIA+, devendo as perguntas focarem em
aspectos de reconhecimento social, de vivência e experiências como uma pessoa
LG BT Q I A + .
§ 6º Após a emissão dos pareceres, serão ouvidos o Ministério Público e a
pessoa declarante, que deverá sempre ser assistida juridicamente, seja por advogado(a) de
sua livre escolha, seja por representante da Defensoria Pública.
§ 7º Após a instrução, o Juízo da Execução Penal deliberará sobre a
manutenção ou não da pessoa autodeclarada LGBTQIA+ na unidade própria onde houver,
ou masculina ou feminina ou na ala ou cela de convivência específica, conforme o
caso.
Do direito ao nome social
Art. 13. Na unidade escolhida, a pessoa transexual, travesti, transmasculina ou
não-binária tem direito à inclusão de seu nome social em todos os documentos produzidos
e usados na unidade e, ainda, a ser chamada pelo nome social indicado, mesmo que em
desacordo com o registro civil, por todos(as) os(as) policiais penais e demais profissionais
envolvidos na execução penal.
Art. 14. O registro de admissão no estabelecimento prisional deverá conter
campo específico para abranger a política de nome social, que indique a identidade
reivindicada pela pessoa admitida no estabelecimento prisional. Caso não conste da guia
de recolhimento à prisão, a informação deverá ser providenciada, inclusive, com
solicitação ao Juízo da Execução Penal.
Art. 15. É assegurada a gratuidade na emissão e retificação de documentos
civis das pessoas LGBTQIA+ em privação de liberdade, caso seja de seu interesse,
providência que pode ser adotada pelo serviço social do sistema penal ou parcerias
institucionais (art. 11, VII, c, da Resolução CNJ nº 348/2020).

                            

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