40 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XVI Nº084 | FORTALEZA, 07 DE MAIO DE 2024 anteriores. Observa-se que ambos mantiveram contato direto com o menor, foram autorizados pela família a revelar as conversas mantidas durante as consultas e também mencionaram detalhes dos abusos expostos pela criança. Demonstraram, ainda, a ocorrência de situação de estresse pós-traumático, comportamentos agressivos repentinos e a conduta da criança de evitar sair de casa, evitar contatos, ter pesadelos e apresentar sintomas depressivos decorrentes do abuso sexual. O Superior Tribunal de Justiça já proferiu as seguintes decisões a respeito do tema ora em apuração: AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTI- TUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. AUSÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. NECES- SIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO MANDAMUS. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ÉDITO REPRESSIVO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA […] 4. Nos crimes contra a dignidade sexual, em que geralmente não há testemunhas, a palavra da vítima possui especial relevância, não podendo ser desconsiderada, notadamente se está em consonância com os demais elementos de prova produzidos nos autos, exatamente como na espécie. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido (Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 2017/0271436-0). AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 7/STJ. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE. PREMEDITAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ABALO PSICOLÓGICO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO […] 3. É possível a valoração negativa das consequências do crime quando há parecer psicológico atestando a existência de sequelas psíquicas na criança, a mãe da Vítima ficou impossibilitada de trabalhar por período relevante e a família necessitou mudar de residência em razão do delito. 4. Agravo regimental despro- vido (Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 2019/0189162-7). Ademais, o Inspetor de Polícia Civil Davi da Silva Almeida Saraiva foi indiciado, nos autos do Inquérito Policial nº 312-311/2022, por prática de delito previsto no artigo 217-A, do Código Penal, bem como denunciado pelo mesmo motivo, conforme se depreende do processo judicial nº 0200331-34.2022.8.06.0050, constante da mídia anexada às fls. 209. Diante do exposto, restou demonstrada a prática dos abusos sexuais em detrimento da criança J.M.A, fato que configura as infrações disciplinares previstas no artigo 100, I e III, no artigo 103, alíneas b, II, e c, XII, todos da Lei nº 12.124/1993. Diante do exposto, a Quarta Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, à unanimidade de seus membros, sugere a demissão do Inspetor de Polícia Civil Davi da Silva Almeida Saraiva, pela prática das infrações penais capituladas no artigo 100, I e III, no artigo 103, alíneas b, II, e c, XII, todos da Lei nº 12.124/1993”; CONSIDERANDO que a Coordenadora de Disciplina Civil – CODIC/CGD, por meio de Despacho (fl. 239), homologou o Relatório Final da Comissão Processante (fls. 229/235); CONSIDERANDO que, no caso em tela, após percuciente análise dos fatos apurados, verifica-se que o IPC Davi da Silva Almeida Saraiva, paulatinamente, foi mostrando à mãe da vítima, sua cunhada, a necessidade de atendimento psicológico à criança J.M.A. Ato contínuo, fez com que a genitora do menor acreditasse que era um profissional (psicólogo) essencial à evolução da criança. Uma vez conquistada a confiança da ´genitora da vítima, o acusado passou a tentar convencê-la sobre diagnósticos que pudessem levá-la a concluir que a vítima era louca, inobstante os exames e pareceres médicos apontassem o contrário. No azo, conquistada a confiança também da vítima, após um período razoável de sessões de psicoterapia semanais, o processado foi gradativamente introduzindo temas com conotação sexual e impróprios para uma criança. Sucede que o acusado começou a tentar mudar o comportamento da vítima, colimando quebrar a resistência do menor para prática criminosa. Nesse sentido, Davi Saraiva estimulou e ensinou a criança de 11 (onze) anos a se masturbar e a acessar e assistir vídeos com conteúdo pornográfico. Inclusive o acusado se masturbou na presença da vítima, incentivando-o a imitá-lo, e assistiu filmes pornográficos, heterossexuais e homos- sexuais, na companhia da criança durante as sessões. Além disso, Davi Saraiva enviou clandestinamente os referidos vídeos para o celular do menor (fls. 283/284, fls. 166/170), para que assistisse também em casa. Destarte, o processado passou a usar o tempo que tinha a sós com a criança nas sessões de terapia para praticar atos libidinosos com o menor, tais como masturbação, passar seu órgão genital no corpo da vítima, toques mútuos, sexo oral, penetração parcial do órgão genital por duas vezes, coito anal e oral, introdução do dedo no ânus e utilização de produtos eróticos lubrificantes e estimulantes (apenso I – mídia, fl. 03 – fl. 02; fl. 282, fl. 290). Impende salientar, que a vítima descreveu minunciosamente tais produtos, como o nome (“Thor”, “Pau de Cavalo”), a apre- sentação (cápsula, spray), como o acusado os levava (na bolsa do notebook e somente as pílulas sem as caixas), a forma como o processado utilizava em si e no menor e, principalmente, o efeito em ambos. Inclusive as sensações descritas pelo menor são compatíveis com o produto mencionado. Assim, Davi Saraiva colocava a vida da criança em risco, fazendo-o consumir produtos perigosos e que causavam efeitos colaterais. Ademais, o processado ameaçava a vítima, asseverando que faria mal a sua família caso contasse o ocorrido. O acusado afirmava que ninguém acreditaria nos fatos relatados pelo menor, pois era um psicólogo renomado, acima de qualquer suspeita. A violência sexual delineada somente se tornou conhecida quando o acusado deixou de atender a vítima, em razão de um desentendimento com a mãe do menor, que abrira uma empresa em nome de sua irmã, esposa do processado. A criança revelou espontaneamente, à sua mãe, a vergastada violência sexual sofrida, após ser confrontada sobre a aquisição de vídeos de conteúdo pornográfico e o acesso frequente do material descumprindo a orientação dos pais; CONSIDERANDO que antes da mencionada revelação, a mãe de J.M.A. vinha percebendo um comportamento estranho no filho, no período compatível com a violência sexual delatada pelo menor, como o “vício” em assistir vídeos pornográficos e em se masturbar, além de dificuldade para dormir, medo, compulsividade alimentar, tristeza, baixa autoestima e regressão no comportamento. A mãe da vítima recordou um dia, em que foi buscar J.M.A na clínica onde eram realizadas as sessões de terapia com o acusado, e o menor lhe perguntou se sentia cheiro de fezes. Posteriormente, a criança revelou que aquele dia foi a primeira vez que o acusado havia realizado sexo anal e que sentiu muita dor; CONSIDERANDO que a vítima contou os fatos com riqueza de detalhes, descrevendo os abusos sexuais praticados pelo acusado, não sendo crível que seja fruto de sua imagi- nação; CONSIDERANDO que o médico psiquiatra e o psicólogo, que passaram a acompanhar a vítima logo após o encerramento das sessões de terapia com o acusado, constataram que a criança se encontrava com estresse pós-traumático em razão do abuso sexual sofrido, além de ter relatado de forma coerente os atos libidinosos praticados pelo processado durante as sessões de terapia, bem como o alívio por encerrar os referidos atendimentos; CONSIDERANDO que a idoneidade da conduta social do acusado, a regularidade nos atendimentos de outros pacientes e a insatisfação da genitora da vítima referente a retirada da sua empresa do nome da esposa do processado, não são capazes de colocar em dúvida a materialidade dos vergastados fatos e a autoria de Davi da Silva Almeida Saraiva; CONSIDERANDO que os atos libidinosos praticados pelo processado com a criança de 11 anos, que também é seu sobrinho, J.M.A., configuram presunção de violência absoluta (iuris et de iure), pois não há dado mais objetivo do que a idade, independente do consentimento da vítima. Assim, a conduta do referido policial civil se amolda ao Art. 217-A, caput e §5, do Código Penal Brasileiro, in verbis: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos...§5º As penas previstas no caput e nos §§1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime”; CONSIDERANDO que na doutrina, Rogério Greco aponta que “esse artigo havia sido criado com a finalidade de proteger esses menores e punir aqueles que, estupidamente, deixavam aflorar sua libido com crianças ou adolescentes ainda em fase de desenvolvimento”. Assim, “o delito que se convencionou denominar estupro de vulnerável, justamente para identificar a situação de vulnerabilidade que se encontra a vítima” (Greco, Rogério – Curso de Direito Penal – Vol. 3; 20 ed.; Barueri - SP: Atlas, 2023). Corroborando o exposto, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 25/10/2017, fez publicar a Súmula nº 593, que dispõe, in verbis: “o crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”; CONSIDERANDO que o núcleo praticar, previsto pelo mencio- nado tipo penal, não exige que a conduta seja cometida mediante violência (vis absoluta) ou grave ameaça (vis compulsiva). Basta, portanto, que o agente, efetivamente, pratique o ato libidinoso, que poderá até mesmo ser consentido pela vítima; CONSIDERANDO que no caso em tela o acusado era tio e psicó- logo da vítima, do que se depreende o seu pleno conhecimento da idade do menor, ou seja, que J.M.A. possuía menos de 14 (quatorze) anos; CONSIDE- RANDO que não resta dúvida quanto ao dolo do acusado, que de forma livre e consciente violou bens juridicamente protegidos pelo Art. 217-A do CPB, seja a liberdade ou mesmo a dignidade e o desenvolvimento sexual da vítima. Nessa senda, o objeto material do delito é a criança (no caso, J.M.A.), ou seja, aquela que ainda não completou os 12 (doze) anos, nos termos preconizados pelo caput do Art. 2º do ECA; CONSIDERANDO que a vítima é sobrinho materno, por afinidade, do acusado. Assim, os vergastados fatos também se amoldam ao Art. 226, inciso II, do CPB, in verbis: “a pena é aumentada: ...II- de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio...da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela”; CONSIDERANDO que o delito de estupro de vulnerável pode ser ‘não transeunte’ e ‘transeunte’, dependendo da forma como é praticada. Se o crime deixar vestígios será não tran- seunte. Caso contrário, será difícil a sua constatação por meio de perícia, oportunidade em que deverá ser considerado um delito transeunte. Assim, a não constatação de vestígio pela perícia, não quer dizer que o delito de estupro de vulnerável não se consumou (Maranhão, Odon Ramos; Curso Básico de Medicina Legal, 6ª ed; Editora Revista dos Tribunais; 1989); CONSIDERANDO que o processado praticou atos libidinosos com o menor, pelo menos em três ocasiões (fl. 282), todas do mesmo modo, lugar e maneira de execução, ou seja, durante as sessões de terapia, quando ficava a sós com a criança em uma sala com banheiro, no interior de uma clínica, que não costumava ter outros pacientes, pois os atendimentos a J.M.A. eram aos sábados. Assim, somente o proprietário do estabelecimento ficava no local, desatento ou na calçada. Destaca-se que a mãe do garoto geralmente deixava a criança no local e depois lhe pagava ao final do atendimento. Com efeito, os fatos se amoldam ao Art. 71 do CPB (continuidade delitiva); CONSIDERANDO que as sequelas que esses abusos sexuais produzem nas crianças são, muitas vezes, irreparáveis. Em muitos casos, a vítima guarda para si a violência que vem sofrendo por parte do abusador, pois, em virtude do abalo psicológico a que é submetida, sente-se amedrontada em contar o fato a seus familiares. Todavia, existe toda uma técnica para se descobrir se uma criança está sendo vítima de abuso sexual, principalmente o estupro. São traços comuns, característicos dessa espécie de crimina- lidade, que afloram nas crianças que são submetidas a essas atrocidades. Guilherme Schelb aponta três indicadores de abuso sexual: indicadores físicos da criança, comportamento da criança e comportamento da família. In casu, a criança J.M.A. apresentou indicadores físicos, como dificuldade em sentar em razão da dor na região anal e enfermidades psicossomáticas, como compulsão alimentar. A vítima em testilha também apresentou o indicador comportamental, como o repentino vício em se masturbar e em assistir vídeos de conteúdo pornográfico, do que se depreende um comportamento sexual inadequado para uma criança de onze anos. Além, de falta de confiança no toque de adulto, alegações de abuso, dificuldade para dormir, medo e choro (Schelb, Guilherme; Segredos da Violência, p. 19-20; Ed Thesaurus; 2008); CONSIDERANDO que o acusado ainda praticou “sexting”, que se traduz no envio à vítima, através de telefoneFechar