Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Este documento pode ser verificado no endereço eletrônico http://www.in.gov.br/autenticidade.html, pelo código 05152024050800071 71 Nº 88, quarta-feira, 8 de maio de 2024 ISSN 1677-7042 Seção 1 SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS PENAIS CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA RESOLUÇÃO Nº 34, DE 24 DE ABRIL DE 2024 (*) Define diretrizes e recomendações referentes à assistência socio-espiritual e à liberdade religiosa das pessoas privadas de liberdade. O Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no uso das atribuições legais que lhe conferem o art. 64, I, da Lei nº 7.210/84 e o art. 69 do Decreto nº 11.348, de 1º de janeiro de 2023, e CONSIDERANDO que incumbe ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), dentre outras atribuições, nos termos do art. 64 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal - LEP), "I - propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança; II contribuir na elaboração de planos nacionais, sugerindo metas e prioridades da política criminal e penitenciária, [...] V - elaborar programa nacional penitenciário de formação e aperfeiçoamento do servidor, [...] VIII - inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim informar-se, mediante relatórios do Conselho Penitenciário, requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu aprimoramento"; CONSIDERANDO que a Constituição da República estabelece que o Brasil é um Estado laico, assegurando a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, o livre exercício de cultos religiosos e a prestação de assistência religiosa nos espaços de privação de liberdade; CONSIDERANDO ainda o disposto no Art. 19 da CF, que dispõe: "Art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."; CONSIDERANDO que a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas prevê, em seu artigo XVIII, que toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, e que esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, de manifestar sua crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular; CONSIDERANDO que as Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, assim como a Resolução nº 8, de 9 de novembro de 2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, preveem a assistência religiosa em estabelecimentos penais, com liberdade de culto e a participação nos serviços organizados pelo estabelecimento penal, assegurando a presença de representantes religiosos, com autorização para organizar serviços litúrgicos e fazer visita pastoral a adeptos de sua religião; CONSIDERANDO que as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras, ou Regras de Bangkok, em suas Regras 54 e 55, declaram que as mulheres presas têm diferentes tradições religiosas e culturais e devem ser respeitadas, devendo as autoridades prisionais oferecer programas e serviços abrangentes que incluam essas necessidades, em consulta com as próprias presas e os grupos pertinentes; CONSIDERANDO que a Declaração Interamericana de Direitos Humanos ao estabelecer "Princípios e Boas Práticas", em seu Inc. XV declara: "As pessoas privadas de liberdade terão liberdade de consciência e de religião, inclusive a professar, manifestar, praticar e conservar sua religião, ou mudar de religião, segundo sua crença [...]; CONSIDERANDO que a Lei Nº 7.210, Lei de Execução Penal (LEP) prevê a assistência religiosa aos presos, bem como a liberdade de culto, sendo-lhes garantida a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal; CONSIDERANDO que Lei Nº 9.982 de 14 de julho de 2000, dispõe sobre a prestação de assistência religiosa em estabelecimentos prisionais; CONSIDERANDO que a Resolução CNPCP Nº 08 de 09 de novembro de 2011 no seu Art. 1º, IN IV apresenta como princípio que "à pessoa presa será assegurado o direito à expressão de sua consciência, filosofia ou prática de sua religião de forma individual ou coletiva, devendo ser respeitada sua vontade de participação, ou de abster- se de participar de atividades de cunho religioso"; CONSIDERANDO a Resolução nº 287, de 25 de junho de 2019 do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece procedimentos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário; CONSIDERANDO a Resolução nº 405, de 06 de julho de 2021 do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece procedimentos para o tratamento das pessoas migrantes custodiadas, acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, inclusive em prisão domiciliar e em outras formas de cumprimento de pena em meio aberto, em cumprimento de alternativas penais ou monitoração eletrônica e confere diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito do Poder Judiciário; CONSIDERANDO a Recomendação nº 119, de 28 de outubro de 2021 do Conselho Nacional de Justiça, que recomenda a adoção de procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário para a garantia dos direitos à assistência e diversidade religiosa em suas mais diversas matrizes e à liberdade de crença nas unidades de privação e restrição de liberdade; resolve: Fixar diretrizes mínimas e recomendações referentes à assistência socio- espiritual às pessoas privadas de liberdade no Brasil. CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS E GARANTIAS Art. 1º Os direitos fundamentais de liberdade de consciência, de crença e de expressão serão garantidos à pessoa privada de liberdade, observadas as seguintes garantias: I - será assegurado o direito de professar qualquer religião ou crença, bem como, o exercício da liberdade de consciência aos ateus e agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas; II - será assegurada a atuação de diferentes grupos religiosos em igualdade de condições, majoritárias ou minoritárias, vedado o proselitismo religioso e qualquer forma de discriminação, de estigmatização e de racismo religioso; III - a assistência socio-espiritual não será instrumentalizada para fins de disciplina, correcionais ou para estabelecer qualquer tipo de regalia, benefício ou privilégio, e será garantida mesmo à pessoa privada de liberdade submetida a sanção disciplinar, regime disciplinar diferenciado e/ou em cumprimento de pena em unidade prisional federal; IV - à assistência socio-espiritual será garantida atuação de caráter humanitário, respeitando esse elemento como fundamental às diversas religiões; V - à pessoa privada de liberdade será assegurado o direito à expressão de sua consciência, filosofia ou prática de sua religião de forma individual ou coletiva, devendo ser respeitada a sua vontade de participar ou de se abster das atividades de cunho religioso; VI - será garantido à pessoa privada de liberdade o direito de mudar de religião, consciência ou filosofia a qualquer tempo, sem prejuízo da sua situação de privação de liberdade; VII - dentro dos limites legais, o conteúdo da prática religiosa deverá ser definido pelo grupo religioso e pelas pessoas privadas de liberdade, garantindo-se que as especificidades de cada religião ou crença sejam consideradas; há de respeitar-se, portanto, a latitude legal, integralidade e diversidade de cada religião ou crença, sendo que sob nenhuma hipótese poderá haver interferência estatal no respectivo conteúdo; VIII - será assegurado aos representantes religiosos das instituições religiosas o acesso a todos os estabelecimentos de privação de liberdade dentro território nacional. Art. 2º É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, entendendo o caráter multifacetário das dimensões humanas, sem perder sua particularidade, assegurado o respeito a escolha da religião de sua preferência, bem como a mudar de religião ou filosofia não religiosa, ou ainda não professar nenhuma religião. Parágrafo único. Nenhuma pessoa em privação de liberdade poderá ser obrigada a aderir a determinada linha religiosa como requisito para transferência, admissão ou permanência em espaço de privação de liberdade. Art. 3º Cumpre à Secretaria de Administração Penitenciária garantir ao interno acesso a assistência socio-espiritual, sem interferência dogmática ou litúrgica dos representantes estatais, assegurada a total liberdade de ensino de cada segmento ou confissão de fé desde que dentro dos limites legais. Art. 4º É vedada: I - a participação de servidor público empregado privado ou profissional liberal como voluntário religioso nos espaços de privação de liberdade em que tenha atuação profissional direta; II - a interferência de agentes de forças de segurança do sistema prisional, públicos ou privados, no conteúdo da prática religiosa; III - a suspensão do ingresso de representantes religiosos/as por decisão unilateral da administração do espaço de privação de liberdade, sendo necessária a oitiva do responsável pela organização religiosa, assegurando-se o direito de defesa e o amplo contraditório; IV - a suspensão da organização religiosa por decisão unilateral da administração do estabelecimento de privação de liberdade; V - a suspensão do ingresso de representantes religiosos/as por motivos vinculados à expressão de sua religião ou ao viés humanitário da assistência socio- espiritual, estando a discriminação sujeita à responsabilização pela Lei nº 13.869/2019 e, no que tange às religiões de matrizes africanas, aos crimes previstos na Lei nº 7.716/1989; VI - a submissão dos voluntários religiosos à revista vexatória, sendo que, na falta de equipamentos adequados para eletrônica, estes deverão ser submetidos à mesma metodologia adotada para o ingresso dos demais servidores da unidade prisional; VII - a obrigatoriedade de roupa específica a ser utilizada pelos representantes religiosos/as, salvo a hipótese de a roupa coincidir com a cor utilizada pelas pessoas presas e/ou dos/as agentes de forças de segurança do Estado; VIII - o impedimento de ingresso e permanência no estabelecimento de privação de liberdade devido a roupas características da religião ou crença dos/as representantes religiosos/as; IX - a comercialização de itens religiosos ou o pagamento de contribuições religiosas das pessoas privadas de liberdade às instituições religiosas nos espaços de privação de liberdade. CAPÍTULO II DA ASSISTÊNCIA SOCIO-ESPIRITUAL Art. 5º A assistência socio-espiritual constitui-se de: I - trabalho de assistência espiritual; II - aconselhamento coletivo ou individual; III - oração e estudo; IV - ministração de prática litúrgica e ritualística dos mais diversos segmentos religiosos, desde que não implique risco à segurança e à saúde dos custodiados; V - evento previamente planejado e ajustado junto à direção do estabelecimento de privação de liberdade, que poderá, em situações e datas especificas, contar com a participação de familiares; VI - projetos culturais, educacionais e sociais vinculados à assistência socio- espiritual, os quais deverão ser previamente apreciados pela Secretaria de Administração Penitenciária, para análise da observância das normais institucionais. Art. 6º - A administração do espaço de privação de liberdade deverá garantir meios para que se realize o atendimento pessoal privado ou coletivo da pessoa privada de liberdade com os/as representantes religiosos/as, cabendo-lhe observar, dentre tais deveres, que: I - será garantido o sigilo do atendimento socio-espiritual e humanitário; II - será garantida a entrada de materiais de cunho religioso necessários à continuidade ou aprofundamentos dos ensinamentos de cada segmento religioso; III - quanto às pessoas indígenas, estrangeiras, de religiões de matrizes africanas ou de religiões minoritárias, em privação de liberdade, seus rituais, orações e dietas devem ser observados e respeitados desde que não comprometam a segurança e a saúde das pessoas. Art. 7º A pessoa em privação de liberdade poderá ter consigo livros de prática e de ensino de sua confissão. Art. 8º A direção do estabelecimento de privação de liberdade deverá disponibilizar os espaços de assistência socio-espiritual com os equipamentos necessários ao desenvolvimento das atividades, tais como som, instrumentos musicais, microfone, data show e etc, caso não disponha de equipamento da própria unidade, poderá ser autorizado o ingresso de tais equipamentos, sem prejuízo dos protocolos de segurança interna. Art. 9º Em situações específicas, a direção do estabelecimento de privação de liberdade poderá autorizar o registro fotográfico e audiovisual de eventos e celebrações, ou projeção de filmagens, desde que previamente agendado, cabendo à direção designar servidor(es) para acompanhamento dos registros e projeção. § 1º A direção do estabelecimento de privação de liberdade deve ser informada previamente acerca dos equipamentos que serão utilizados, para que a devida autorização seja disponibilizada aos interessados e afixada na portaria do estabelecimento. § 2º A liberação das imagens produzidas para utilização do responsável pelo grupo religioso será procedida mediante termos de autorização dos internos participantes do evento e prévia avaliação da direção do estabelecimento de privação de liberdade. Art. 10 A direção do estabelecimento de privação de liberdade poderá autorizar a realização da assistência socio-espiritual em período noturno, desde que compatível com a segurança do estabelecimento e das pessoas. CAPÍTULO III DAS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS Art. 11 São deveres das organizações que prestam assistência socio-espiritual, bem como de seus representantes: I - agir de forma cooperativa com as demais organizações religiosas; II - informar-se e cumprir os procedimentos normativos previstos nesta Resolução; III - comunicar, sempre que possível, à administração do espaço de privação de liberdade sobre eventual impossibilidade de realização da atividade socio-espiritual, a fim da unidade penitenciária reprogramar suas atividades. IV- seguir as orientações com relação às normas e procedimentos de segurança estabelecidas pela Secretaria de Administração Penitenciária, conforme regime de cada espaço de privação de liberdade; V- manter os voluntários atualizados sobre as orientações procedentes da Secretaria de Administração Penitenciária; Art. 12 As instituições religiosas que desejem prestar assistência socio- espiritual e humanitária às pessoas presas deverão ser legalmente constituídas, por pelo menos 1 (um) ano, resguardadas as exceções previstas no §3º deste artigo. § 1º As instituições religiosas deverão se cadastrar na Secretaria de Administração Penitenciária. § 2º Para o cadastro das instituições religiosas referidas no parágrafo anterior, deverão ser apresentados junto com requerimento de cadastro os seguintes documentos ao órgão estatal responsável: a) requerimento do dirigente da organização ou de seu representante competente oumajoritário, acompanhado de cópia do documento de identidade pessoal, do tipo RG ou RNE (Registro Nacional de Estrangeiro), do CPF e Título de Eleitor, se for o caso; b) cópia autenticada dos estatutos sociais, da ata de eleição da última diretoria ou de carta assinada pelo/a dirigente da organização; c) cópia do comprovante de endereço atualizado da organização. §3º As religiões de tradição oral, dentre elas as matrizes africanas e as religiões dos povos originários, bem como outros segmentos análogos, quando não possuidores dos documentos a que se refere o inciso b) do §2o do presente artigo, poderão comprovar sua constituição e regularidade por meio de declaração prestada pelo representante religioso, mediante formulário próprio, cabendo à administração, caso julgue necessário, a verificação in loco dos dados fornecidos. §4º A renovação do cadastro deverá ser feita em até 45 (quarenta e cinco) dias, para menos ou para mais da data de validade, ficando neste período garantida a continuidade dos trabalhos independentemente na análise dos documentos, a tempo e modo, pelo órgão competente. §5º Os órgãos competentes devem deliberar sobre o cadastro e renovação das organizações no prazo máximo de 20 (vinte) dias corridos a partir da data da solicitação.Fechar